JOSÉ VERDASCA
José Verdasca dos Santos. 79 anos, licenciado em Ciências Militares pela Academia Militar de Lisboa; em língua e cultura francesas pela Alliance Française; licenciado e pós-graduado em administração/gestão de empresas pela Universidade Mackenzie de São Paulo. Membro do Parlamento Mundial para Segurança e Paz (Itália), de dez academias brasileiras, da Sociedade de Geografia de Lisboa; diretor de relações internacionais das Faculdades Panamericanas e da Associação Alagoana de Imprensa. Condecorado pelo Parlamento de São Paulo com a "Honra ao Mérito" duas vezes e pela Câmara Municipal de São Paulo com "Laurea de Gratidão" além de cerca de vinte outras láureas acadêmicas. Tem oito livros publicados, além de artigos em revistas de cultura, poemas e centenas de outros na imprensa francesa, sul africana, brasileira e portuguesa. Presidente da Ordem Nacional de Escritores (Brasil).
PROJETO «JOÃO SARMENTO PIMENTEL»
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João Maria Ferreira Sarmento Pimentel
(1888-1987)

Frequentei a casa de Sarmento Pimentel semanalmente, em especial a partir do 25 de abril, altura em que a Comunidade Portuguesa de São Paulo “saiu da casca”, a oposição ao regime salazarista emergiu e se revelou por inteiro, e o “comandante” passou efetivamente a comandar, não apenas os velhos companheiros de luta, como, ainda alguns arrivistas, oportunistas e “abrilistas” de última hora, que ele olhava de soslaio e, por vezes, tratava com rispidez, pois não era homem de se deixar iludir facilmente. 

Durante algumas décadas, Sarmento Pimentel foi “o capitão”, posto da hierarquia militar que, em São Paulo, ele tanto soube prestigiar – e a tal ponto – que, em 1967, quando aqui cheguei, a casa do capitão era frequentada por intelectuais do nível de Lígia Fagundes Teles e, no bairro onde ele morava (Higienópolis), qualquer vizinho nos indicava o seu prédio e apartamento. Bastava perguntar onde morava o capitão. Autor de “Memórias do Capitão”, o natural dos Eixes, nessa obra prima da literatura de costumes, revela o talento literário típico dos grandes autores transmontanos, de que era grande admirador. 

Foi nessa altura que, durante uma reunião onde ele se encontrava, alguém  - suponho que foi o seu afilhado e grande amigo Eng. João Baleizão – declarou chegada a altura de promover Sarmento Pimentel, pelo que, a partir daquele momento, ele passava a “comandante”, função (não posto), pela qual passou a ser designado pelos mais chegados. E comandante foi até a sua promoção a general, efetuada a duras “penas”, na última reunião do Conselho da Revolução, a quem eu havia enviado uma carta, em que declarava “não saber quem tinha mais motivos para se sentir honrado, se Sarmento Pimentel sendo general do exército, ou o exército tendo Sarmento Pimentel como seu general”. Promovido, o general Ramalho Eanes – a meu pedido – nomeou Marques Júnior para, nesse mesmo dia, viajar para São Paulo, onde no dia seguinte (25 de abril) colocaria as estrelas de general nos ombros de Sarmento Pimentel. 

O capitão foi um homem singular, espécie rara de grande militar e de cidadão exemplar, além de português dos “quatro costados” como então se dizia, e por muitas razões: em sua casa não entrava whisky, e todas as comemorações eram celebradas com vinho do Porto; nos seus aniversários, servia-se o folar salgado do Norte de Portugal, regado com vinho verde, bebida que também acompanhava os almoços semanais, que reuniam meia dúzia de intelectuais e amigos, além de seu irmão Francisco - tenente aviador do raid a Macau – que foi promovido a coronel, após o 25 de abril; na sua biblioteca de quarenta mil títulos, encontravam-se as obras dos grandes autores nacionais, além de tudo quanto se publicava relativamente a Portugal. 

Jorge de Sena foi um dos muitos frequentadores, do “abrigo” português em São Paulo, que era o lar de Sarmento Pimentel; nesta cidade, que nasceu em torno do Colégio dos jesuítas, fundado em 25 de janeiro de 1554, por ordem do padre Manuel da Nóbrega, precisamente no Pátio do Colégio - talvez caso único no mundo, em que um colégio de índios deu origem a uma cidade, quando o normal consistia em implantar colégios, nas cidades já existentes – a biblioteca do capitão era muito procurada, e encontra-se hoje em Mirandela, na Av. Sarmento Pimentel, anexa ao museu que também leva o seu nome. 

Cheguei aqui como capitão, e logo senti orgulho pelo prestígio do posto, que Sarmento Pimentel havia elevado às alturas; e deve ter sido o posto que inicialmente nos aproximou, porquanto, nas comemorações de seu aniversário, além de sua família, apenas a minha e a de Baleizão eram convidadas. Entretanto o Brasil entrou em séria crise, a situação financeira de Sarmento Pimentel agravou-se, o ordenado de tenente coronel a que ele havia sido promovido, não bastava para manter o seu nível de vida, necessitamos socorrê-lo, até que solicitei ao capitão Marques Júnior, que propusesse a promoção a general do velho combatente, recebida quando já ultrapassara os noventa anos de idade, decerto caso único na história do Exército Português. 

Cadete de Sidónio na Rotunda, no cinco de outubro de 1910; alferes no Sul de Angola em 1914, enfrentando os alemães às ordens do general Pereira D´Eça, por intermédio do qual foi condecorado com a Torre e Espada; capitão na Flandres em 1918, e mais tarde, capitão comandante do esquadrão da Guarda Republicana do Porto, onde cercou e prendeu os chefes monárquicos, que ali haviam reimplantado a monarquia. Reimplantando a República, Sarmento Pimentel foi – em suma – o grande capitão, de quem guardamos a saudosa imagem de líder patriótico, insigne português e amigo sincero, verdadeiro, leal e puro.

 

São Paulo, janeiro, 2016

José Verdasca

Diretório aberto a 19 de dezembro de 2014