Frequentei a casa de Sarmento Pimentel
semanalmente, em especial a partir do 25 de abril, altura em que a
Comunidade Portuguesa de São Paulo “saiu da casca”, a oposição ao regime
salazarista emergiu e se revelou por inteiro, e o “comandante” passou
efetivamente a comandar, não apenas os velhos companheiros de luta, como,
ainda alguns arrivistas, oportunistas e “abrilistas” de última hora, que
ele olhava de soslaio e, por vezes, tratava com rispidez, pois não era
homem de se deixar iludir facilmente.
Durante algumas décadas, Sarmento Pimentel foi “o
capitão”, posto da hierarquia militar que, em São Paulo, ele tanto soube
prestigiar – e a tal ponto – que, em 1967, quando aqui cheguei, a casa do
capitão era frequentada por intelectuais do nível de Lígia Fagundes Teles
e, no bairro onde ele morava (Higienópolis), qualquer vizinho nos indicava
o seu prédio e apartamento. Bastava perguntar onde morava o capitão. Autor
de “Memórias do Capitão”, o natural dos Eixes, nessa obra prima da
literatura de costumes, revela o talento literário típico dos grandes
autores transmontanos, de que era grande admirador.
Foi nessa altura que, durante uma reunião onde
ele se encontrava, alguém - suponho que foi o seu afilhado e grande amigo
Eng. João Baleizão – declarou chegada a altura de promover Sarmento
Pimentel, pelo que, a partir daquele momento, ele passava a “comandante”,
função (não posto), pela qual passou a ser designado pelos mais chegados.
E comandante foi até a sua promoção a general, efetuada a duras “penas”,
na última reunião do Conselho da Revolução, a quem eu havia enviado uma
carta, em que declarava “não saber quem tinha mais motivos para se sentir
honrado, se Sarmento Pimentel sendo general do exército, ou o exército
tendo Sarmento Pimentel como seu general”. Promovido, o general Ramalho
Eanes – a meu pedido – nomeou Marques Júnior para, nesse mesmo dia, viajar
para São Paulo, onde no dia seguinte (25 de abril) colocaria as estrelas
de general nos ombros de Sarmento Pimentel.
O capitão foi um homem singular, espécie rara de
grande militar e de cidadão exemplar, além de português dos “quatro
costados” como então se dizia, e por muitas razões: em sua casa não
entrava whisky, e todas as comemorações eram celebradas com vinho do
Porto; nos seus aniversários, servia-se o folar salgado do Norte de
Portugal, regado com vinho verde, bebida que também acompanhava os almoços
semanais, que reuniam meia dúzia de intelectuais e amigos, além de seu
irmão Francisco - tenente aviador do raid a Macau – que foi promovido a
coronel, após o 25 de abril; na sua biblioteca de quarenta mil títulos,
encontravam-se as obras dos grandes autores nacionais, além de tudo quanto
se publicava relativamente a Portugal.
Jorge de Sena foi um dos muitos frequentadores,
do “abrigo” português em São Paulo, que era o lar de Sarmento Pimentel;
nesta cidade, que nasceu em torno do Colégio dos jesuítas, fundado em 25
de janeiro de 1554, por ordem do padre Manuel da Nóbrega, precisamente no
Pátio do Colégio - talvez caso único no mundo, em que um colégio de índios
deu origem a uma cidade, quando o normal consistia em implantar colégios,
nas cidades já existentes – a biblioteca do capitão era muito procurada, e
encontra-se hoje em Mirandela, na Av. Sarmento Pimentel, anexa ao museu
que também leva o seu nome.
Cheguei aqui como capitão, e logo senti orgulho
pelo prestígio do posto, que Sarmento Pimentel havia elevado às alturas; e
deve ter sido o posto que inicialmente nos aproximou, porquanto, nas
comemorações de seu aniversário, além de sua família, apenas a minha e a
de Baleizão eram convidadas. Entretanto o Brasil entrou em séria crise, a
situação financeira de Sarmento Pimentel agravou-se, o ordenado de tenente
coronel a que ele havia sido promovido, não bastava para manter o seu
nível de vida, necessitamos socorrê-lo, até que solicitei ao capitão
Marques Júnior, que propusesse a promoção a general do velho combatente,
recebida quando já ultrapassara os noventa anos de idade, decerto caso
único na história do Exército Português.
Cadete de Sidónio na Rotunda, no cinco de outubro
de 1910; alferes no Sul de Angola em 1914, enfrentando os alemães às
ordens do general Pereira D´Eça, por intermédio do qual foi condecorado
com a Torre e Espada; capitão na Flandres em 1918, e mais tarde, capitão
comandante do esquadrão da Guarda Republicana do Porto, onde cercou e
prendeu os chefes monárquicos, que ali haviam reimplantado a monarquia.
Reimplantando a República, Sarmento Pimentel foi – em suma – o grande
capitão, de quem guardamos a saudosa imagem de líder patriótico, insigne
português e amigo sincero, verdadeiro, leal e puro.
São Paulo, janeiro, 2016