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JOÃO SARMENTO PIMENTEL
Foto do Arquivo Científico Tropical:
http://actd.iict.pt/view/actd:AHUD21774 |
João Maria
Ferreira Sarmento Pimentel (Eixes, Mirandela, 14 de Dezembro de 1888 —
São Paulo, 13 de Outubro de 1987) foi um oficial de Cavalaria do Exército
Português, escritor e político que se distinguiu na luta
contra a Monarquia e governos ditatoriais. Como
aluno da Escola do Exército participou nos movimentos da Rotunda, ao lado
de Machado Santos, nos dias 3 a 5 de Outubro de 1910, de que resultou a
implantação da República Portuguesa. Participou nas campanhas do Sul de
Angola, esteve na Flandres, liderou revoltas várias, a última das quais em
1927. Exilou-se no Brasil, onde morreu, tendo entretanto vindo à Galiza
para colaborar numa revolta falhada em 1931 e depois, no 25 de Abril, a
Portugal, para
festejar. |
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PROJETO «JOÃO SARMENTO
PIMENTEL» www.triplov.com
Estela Guedes & Flávio Vicente |
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CARTAS DE SARMENTO PIMENTEL PARA FORTUNATO
SEARA CARDOSO Arquivo Maria Elisa Pérez |
Fortunato Seara Cardoso,
diretor de O Comércio do Porto, era irmão de Isabel, esposa de
Sarmento Pimentel. A Maria Elisa Pérez, neta de Fortunato, agradecemos
este arquivo. |
Notas: 1. A maior parte das cartas é redigida em
papel impresso com a informação, no canto superior esquerdo: JOÃO
SARMENTO PIMENTEL Caixa Postal, 3822 SÃO PAULO 2. Sarmento
Pimentel desespera-se com a falta de notícias, suspeitando que o correio é
intercetado. De facto, no arquivo da PIDE sobre o autor, depositado na
Torre do Tombo, a maior parte da documentação é constituída por cartas de
Sarmento Pimentel. |
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1956 . Carta de São
Paulo, de 6 de maio. Sarmento Pimentel era caçador, referência
a uma caçada de cinco velhotes na fronteira do Paraná, onde perdizes e
codornizes não eram raras (introdução de espécies com evidente objetivo
cinegético). Fala de cruzamento de cães "que ficarão célebres na zoologia
canina". Um dos caçadores chama-se Ernesto (1), provável pai da Zinda, que não
devia ser estranho às corridas de cavalos. Principal motivo da carta:
insistir para que o cunhado lhe envie uns livros, à venda n' O Mundo
dos Livros (2). As taxas de correio subiram 600%. Arquivo Maria Elisa
Pérez. |
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1956. Carta de São
Paulo, 25 de maio Está ansioso por
notícias e pelos livros. A demora na resposta fá-lo pensar em bloqueios.
Referência ao «Comércio», jornal dirigido pelo cunhado. Todos de boa saúde
e "o Ernesto no Rio por uns dias de folga". Averiguar se é um dos filhos.
Arquivo Maria Elisa Pérez. |
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1956 . Carta de São
Paulo, 6 de junho Comentários a
problemas de correio, cartas que se atrasam e extraviam. De novo os livros
à venda n'O Mundo dos Livros, tão desejados pelo "pobre ledor exilado e
ausente das cousas da inteligência". "Adiei a minha ida a Portugal.
Câmbio arruinador, política brasileira enraivecida e o barco industrial
num mar largo (o nosso de Pereira e Sobral de vento em popa), há que estar
atento e presente, para se saber o melhor rumo. Se tudo amainar, no
próximo ano aí estarei". "Quanto à casa da Rua Formosa, só tenho de
lhe agradecer a sua boa vontade e interesse pelas nossas coisas, que uma
lei demagógica não se cansa de prejudicar.". Arquivo Maria Elisa
Pérez. |
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1956 . Carta de São
Paulo, 25 de junho. Parabéns
pelo nascimento de mais um neto. Parabéns em rodapé da Maria Isabel, irmã
de Fortunato, para Maria Elisa e Alfredo, que devem ser os pais da
criança. Notícia chegada "por carta da Alice, filha do Flávio". Arquivo
Maria Elisa Pérez. |
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1956 . Carta de São
Paulo, 29 de junho. Chegaram
notícias e os livros encomendados a "O Mundo dos Livros". "Esta vida de
agora, mais sedentária, leva-me a mergulhar na leitura. E assim vou
iludindo a ausência da terra mater e estas saudades, que são a águia
lendária do velho Prometeu, sem esperança de vir outro Hércules
libertar-nos do suplício. Aqui os livros portugueses atingem preços
astronómicos, demais sendo uma raridade. O governo ainda não se convenceu
que o único meio dum intercâmbio eficiente e garantia do predomínio da
cultura portuguesa no Brasil, seria uma livraria onde os escritores
portugueses estivessem ao alcance da gente remediada. Essa
propaganda é substituída por endeusamentos do Estado Novo, parecendo que o
passado e o futuro não contam. Nós outros não pensamos assim e ainda agora
lembramos à urbs gigantesca o gigante Camões com uma notável exposição
bibligráfica das obras do épico na Casa de Portugal (3) e conferências em
Santos, São Paulo, Ribeirão Preto e São Carlos. Mandar-lhe-ei
oportunamente os opúsculos que registam e atestam essa homenagem à Pátria
madrasta e ao seu maior expoente, também em vida por ela abandonado e
esquecido". Muda de conversa para o futebol, dando notícias do Futebol
Clube do Porto, com atuação fria e friamente recebida pela comunidade lusa
em São Paulo, por falta de cortesia na receção e de associações que
cultivassem a parte afetiva do intercâmbio. "A Casa de Portugal não foi
procurada, nem recebeu, como de direito, comunicação oficial ou oficiosa
da vinda a São Paulo daquele time, pelo que não tomou providências que
sempre lhe deram pretexto para mostrar o seu patriotismo, generosidade e
boa vontade por todas as atividades que mostram os seus patrícios chegados
a Piratininga. E como a Casa de Portugal congrega a melhor gente
portuguesa e de maior poder económico, resultou desse alheamento o
fracasso financeiro e social da excursão em terras bandeirantes.".
Arquivo Maria Elisa Pérez. |
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1957. São Paulo, 14 de fevereiro .
"A inauguração da cana de pesca que o Jean me trouxe dos E. Unidos foi um
desastre. [...]. "Tudo isso se passou assim no meu segundo dia de pesca e
três magníficos robalos constituiram o troféu dos meus antigos créditos
esportivos neste setor aquático." [escalda os pés ao sol]. "Mando-lhe
uma fatura da 'Gazeta das Aldeias', de que sou assinante, e outra da
LivrariaTavares Martins, rogando-lhe o favor de mar pagá-las e debitar a
conta da R. Formosa. Tenho lido a sua correspondência com o Ernesto.".
Arquivo Maria Elisa Pérez.
1957.
São Paulo, 28 de maio. "Veja a
prosinha que publiquei no 'Jornal de Felgueiras' de 27 de abril. Conversa
fiada para fazer dormir aquela boa gente da aldeia e também a dizer-lhes
que ainda não morri!" "Vem aí o general Craveiro Lopes. Festa de
arromba, dizem os patrícios. Veremos os resultados práticos, ou se, como
de costume, fica tudo em banquetes e discursos." Arquivo Maria Elisa
Pérez.
1957. São Paulo, 5 de novembro . "Prosa pataqueira, não duvido,
mas verdade histórica, e, por isso mesmo, lha mando com estas linhas para,
se Você vir que não destoa muito, lhe dê guarida no 'Comércio do Porto'.
Não fico desgostoso se a sua censura, ou a do responsável pela página
literária, entender que o espaço precioso ali é reservado a gente de prol
na república das letras, e não para cabouqueiro de obra grossa, como eu
sou. Elaine Sanceau tem seus créditos firmados. Deve, portanto, quando
escreve, estar atenta, econvencer-se que os leitores do 'Comércio', na sua
maioria, manuseiam livros onde ela passou os olhos a correr." "Dizem as
gazetas deste burgo anárquico que o novo satélite, quando passa por cima
da Rússia, canta piu, piu, piu, mas sobre a América do Nortemuda para ah,
ah, ah! E sobre Portugal, ao ouvir o rtesultado das eleições, suponho que
cantará: oh, oh, oh!". Arquivo Maria Elisa Pérez. |
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1958. São Paulo, 29 de
março.
Congratula-se por de novo o correio
lhe permitir receber notícias e também "O Comércio do Porto" "de 22 de
fevereiro, do qual já tinha recebido o artigo "Comunidade e consulta",
enviado por amigos do Rio, e que logo transmiti ao "Estado de São Paulo".
Quanto ao exemplar do “Comércio” que publicou o meu artigo, não o recebi.”.[...]
Menospreza-se como escritor, achando que a publicação se deveu a ordens de
Fortunato, mas "Se a prepotência não tem limites, ouso pedir-lhe que mande
o seu justiceiro auxiliar remeter-me aquele "Comércio", onde, pela
primeira vez, vem a minha prosa em letra de forma.". Envia um recorte do
"Estado de São Paulo" de 29 de março sobre colonialismo e potências
colonialistas. "Leio sempre o 'Comércio' e os artigos de Pacheco de
Amorim. Pregação no deserto. Críticas feitas com talento e honesto
patriotismo, que a censura engole porque não lhe percebe ou sente o
amargor. A política luso-espanhola empurra-me para o Queiroz Veloso.
Estamos como no tempo do Cardeal D. Henrique, com a diferença de que são
muitos os Cristóvãos de Moura. Pessimismo de exilado? Antes
fosse, mas infelizmente tudo se encaminha para semelhante triste fim.
Perdidos Angola e Moçambique e Guiné, o que é fatal se não se fizer uma
comunidade, à maneira inglesa, com a
capital em Nova Lisboa. Deixe começar a jorrar petróleo que se veja nas
colónias e depois... pegue-lhe nas botas! É claro que os patrioteiros, a
Legião e o Fradalhão, se um pobre português ousa dar o alarme, chamam-lhe
nomes feios, metem-no na cadeia e berram alto: Salazar! Salazar! Bem
sinto o espírito do seu jornal, temeroso da derrocada, e tenho a certeza
de que, se não fora a censura, Você já tinha mandado abrir fogo de
barragem contra a malta sugadora, desvairada, vendida. Impossível fazê-lo,
apresentar soluções construtivas, pôr cobro à ganância estatal e à fome
canina dos tubarões da política, da finança e desse pré comunismo que se
apoderou da Nação portuguesa. Não me admira que os desesperados apelem
para a guerra civil onde, como sempre, muitos inocentes e justos serão
sacrificados. Vá tenteando o seu barco industrial e jornalístico como
puder, pois apesar de eu pensar como lhe vinha dizendo, a História regista
a revolução de D. João I, 1640, e muito antes aquela de Afonso Henriques
contra a própria mãe."[...] Pereira Sobral começa a sentir os benefícios
da nova máquina americana". Arquivo Maria Elisa Pérez.
1958 – sine loco, de 6 de agosto.
Comunica que a “senhora D. Elaine Sanceau ainda me
faz mais ignorante do que, na verdade, vou patenteando”. “O Comércio com a
cartinha venenosa chegou há dias, eu mal tenho tempo para uma tréplica que
não envergonhe a confraria dos leitores. De resto é em Portugal que estão
os mestres e os arquivos da história brasileira. O pouco que aqui
esgadanhei às pressas é aquilo que toda a gente sabe dos compêndios
escolares e alguma cousa de transcrições ocasionais. Mas creio que
chegará, se não houver má fé e vaidade ferida.”
“As mulheres não gostam que as contradigam em
matéria de sabedoria, porém os leitores da página literária do “Comércio”
vão ali buscar a verdade, nunca falões de légua e meia como aqueles que
refutei ”.
“Se não sou impertinente dê-me campo para esta
barrimenta, que prometo ser a ultima. Mostre ao Pacheco de Amorim esse
recorte do Estado que deve interessa-lo.”. Arquivo
Maria Elisa Pérez.
1958 – Carta de São Paulo, de 15 de agosto.
Informa Fortunato que Ernesto havia apresentado a
carta que fora enviada, obtendo assim extrema satisfação pelas boas
notícias de que tomara conhecimento e que os caminhos que seus filhos vão
trilhando “são motivo para nosso contentamento e também para aquelas
felicitações que quem, como você, soube conduzir a grande nau com
sabedoria e tacto bastantes”. “Esse prestígio e respeito e autoridade,
vieram da atitude exemplar e firme e inteligente e prática que você mantém
para todas as causas da vida de hoje, cheia de alçapões, desmandos e falta
de moral e ausência de dignidade. Não são escassos da fortuna, mas o
resultado e a merecida recompensa de muito trabalho, privações,
sacrifícios.” (p.1)
Transmite a Fortunato, na sequência de um problema
envolvendo um menor, da crença de que existe em Portugal uma Lei que
“defende o lar e acautela os direitos dos menores”, pois no Brasil,
“embora tudo seja quase anárquico, a Justiça e a polícia tomariam
providências, e o moço seria chamado à pedra. Mas essas probabilidades só
existem se a mulher tem pais ou irmãos capazes de tão pouco para tanto que
o transviado merece.” (p. 1)
Desenvolve que graças ao empurrão de Fortunato na
obtenção de maquinaria nova e de outras auxiliares que tem adquirido,
proporcionaram lucros significativos à indústria de embalagens – Pereira
Sobral – acompanhando assim o desenvolvimento industrial do Estado de São
Paulo e sua Metrópole. (p.2)
Transmite que fez um teste de resistência no
último período de caça e não se sentiu diminuído nem das pernas nem da
pontaria. Permaneceu três dias no mato, dormindo dentro do automóvel,
recordando o tempo heroico da guerra de África.
Relembra Fortunato que “ainda não perdi a mania de
ler. A prova é essa conta, que lhe peço o favor de mandar pagar, debitando
na conta da casa da R. Formosa.” (p.2.).
Arquivo Maria Elisa Pérez.
1958 – São Paulo, de 24 de outubro.
“Por gentileza do major Oliva Teles lhe chegarão às
mãos estas linhas. Estamos sem notícias há mais de dois meses.
O tempo vai passando e nós envelhecendo, sem um ponto
de referência que nos traga a esperança de dias agradáveis – esses que
sentimos quando sabemos da família distante e acontecimentos onde o nosso
interesse anda a par da saudade e de tudo quanto abre um portilho para o
futuro.”
Evidencia a importância do jornal “O Comércio” que vai
chegando com regularidade, no seio familiar, mas também na esfera das
amizades portuguesas. Arquivo Maria Elisa Pérez.
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1959 – São Paulo, de 8 de junho.
“Recebi, via aérea, o “Comércio” Uma beleza!
Gosto dum parceiro que fala assim…para os penedos
ouvirem e, o que é mais melhor, sentirem aquelas verdades, já de antemão
irrespondíveis.
O Cavaleiro de Oliveira chamava à nossa linda
terra – “Fermosa estrebaria”. Este cavaleiro de tristíssima, soturna
figura, garante-nos que é o paraíso. Mas eu, como nosso pai Adão, optei
pelo pãozinho que o diabo amassou! E quantos mais também.”.
Pede a Fortunato que debite da conta conjunta o
valor de 500 escudos e que sejam entregues ao pai da sua cozinheira,
devido a problemas de doença e a fracas colheitas.
Arquivo Maria Elisa Pérez.
1959 – São Paulo, de 16 de junho.
Informa Fortunato que para quem tem 70 anos está
em plena forma e prova disso são as suas caçadas pelos campos de Ribeirão
Preto. E que ele, com cerca de 66 anos, seria um ótimo companheiro,
contudo é sempre recordado nessas “proezas da caça à perdiz em terras
portuguesas, com aquela saudade que anda comigo para espalhar esperanças e
arquitetar projetos. (…) Com estas linhas vai aquele abraço fraterno que
pede a devoção e uma amizade agradecida.”.
Concede pleno poderes para mediar a venda da
habitação, sita na Rua Formosa: “Tudo quanto você fizer tem a nossa geral
e plena aprovação. Libertar-nos (…) até pelo mesmo preço era bom negócio!”.
Arquivo Maria Elisa Pérez.
1959 – sine loco, de 6 de
dezembro.
Informa que não tem muitas notícias, contudo
aproveita o momento para enviar umas fotografias e falar sobre a saúde de
sua esposa.
“Até já fazemos projetos duma visita a Portugal
nos idos 60, quando a folhinha marca bom tempo e os saragoçanos e os
videntes afirmam causas de muitas circunstâncias! Há que ter esperança e
saber esperar, embora a inquietação de espírito não permita aquela
tranquilidade que os anos recomendam.”
Transmite a felicidade que sente com a promessa da
sua próxima visita e que seu irmão Ernesto já está a preparar o respetivo
alojamento. Por sua vez, a sua esposa Isabel promete almoços de elevado
padrão culinário. “ Como o vinho aqui é mais caro que receita e tão
difícil como especiaria antes dos descobrimentos, lembro-lhe que tenho em
casa ou à guarda do nosso cunhado Flávio umas caixas de Porto Velho. Se
vier de barco faça-se acompanhar desse tesouro. Se de avião, traga meia
dúzia de garrafas para nós aqui bebermos à saúde e prosperidades da
família reinal e desta outra abrasucada, que tanto estima receber
condignamente o tio maioral.”. (p.1)
Antecipa a sua preparação para efetuarem umas
caçadas por “terra grande de bandeirantes” e informa acerca dos negócios
do Ernesto, que dão conta de elevados progressos. Também que o “Comércio,
lido e relido, que é forma de iludir a saudade da terra
mater e manter o interesse pelas
causas portuguesas.”. (p.2) Arquivo Maria
Elisa Pérez.
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1964 – São Paulo, de 10 de dezembro.
Apresenta os votos de bom
Natal e próspero Ano Novo.
“Haja saúde e ânimo para enfrentar as “malfeitorias do
tempo e da fortuna”, que o resto é de somenos. “
Afirma que esta época “lembra a família e a terra
distante nesta ocasião em duas regras ditadas pela gratidão é tão simples
como a verdadeira sinceridade. Simples mas nem sempre fácil, porque a pena
teima em alongar-se, recordar, divagar, romanceando o passado e pondo tais
lindezas no futuro que, se o pobre coitado não se precata, a prosinha
redunda numa preguiça lamentável e enjoativa.”. Arquivo
Maria Elisa Pérez.
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1966 – São Paulo, de 17 de dezembro.
“Quero mostrar a estas regras aquele espirito de
classe que possuímos, nós os Pimenteis e os Cardosos do Brasil, para lhe
enviar os nossos votos de Bom Natal e feliz e próspero Ano Novo. O Natal
para si, rodeado de lindos, sadios, espertos netos, tem certamente de ser
bom. Quanto ao Ano Novo, anda comigo, vai para 40 anos, uma esperança de
felicidade que talvez ele resolva incluir no saco de S. Nicolau!
E então eu irei pessoalmente, em nome dos da nossa
família brasileira, reparti-la consigo e com todos esses seus
continuadores – os Carquejas Searas Cardosos. E a todos farei mencionarias
de esperança, contentes dos altos destinos da Grei!” (p.1)
Pede a Fortunato o favor de “mandar escrever
`”República” para suspender desde já a remessa do jornal”, pois não
deseja “receber aquela folha de couve cujo diretor é um gato pingado no
enterro da Liberdade. Esta raiva e desabafo ficam para outra maré. Agora é
só libertar-me da leitura do triste necrológico quanto antes.”. (p.2)
Arquivo Maria Elisa Pérez.
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1968. São Paulo, 3 de
maio. Agradece as contas de 1967 relativas à Rua Formosa (4) "e
que com o correr dos anos vão mantendo aquela correção do 'Nónio'
aperfeiçoado pelo saudoso Gago Coutinho para vir aos Brasis." (5).
Queixa-se dos correios e portanto da barafunda das comunicações,
suspeitando: "Quem sabe se além das manhas rapaces dos empregados daquele
serviço público, não entra aí o dente roedor da PIDE? Eu tenho minhas
razões para essa suspeita pois que dias atrás me intercetaram uma prosinha
inofensiva de pura recreação literária, que mandei para 'A Capital'.". "O
cunhado de seu irmão Ernesto é o Presidente da Bolsa de São Paulo e melhor
do que ninguém informará acerca do negócio [venda de ações] e do 'modus
faciendi'." "A Isabel vive aquela existência precária da paralítica já
beirando os oitenta anos, mas não lhe falta a assistência e o carinho de
toda a família. Paredes meias está a Maria João. Uns andares acima o
Leopoldo cujo filhote vem diariamente visitar a Avó. Aos sábados e
demingos vamos tomar sol e ar do campo num sítio que me emprestou o meu
amigo Lúcio Feteira e onde temos tudo quanto são miunças de quinteiro e
até faisões.". "Boa resolução essa sua de ir ver as Ilhas. Para começar
recomendo-lhe a leitura do Raul Brandão sobre os Açores". "Leio sempre com
todo o agrado o seu 'Comércio do Porto' e é para mim, exilado e saudoso,
grande lenitivo acompanhar a vida da minha terra pelas notícias
acontecimentos, aspetos e impressões que ali vem. A página literária é
excelente, feita por mestres; os artigos do Dr. João Araújo Correia e de
Pacheco de Amorim de interesse e vivacidade invulgares, cada qual no seu
género. Escrever tendo diante dos olhos o fantasma da censura é difícil. E
então estar ao leme desse barco, sempre ameaçado da pirataria pidesca, é
missão bem ingrata, arruinadora da saúde, da paciência e da bolsa. Eu não
sei como você e seus colaboradores aguentam esse ambiente e mantem aquela
independência de opinião que herdaram do velho Bento Carqueja e dos
jornalistas e escritores do tempo do liberalismo e da República."
"Eu pouco tenho escrito para o 2º Vol. das 'Memórias' que estaria
concluído não fora a necessidade de transferir para o 3º Vol. (Homens e
Documentos) uma parte que os mestres
dizem merecer outro livro. Mas as referências no 1º Vol. foram tão
pródigas que não é sem receio que vejo aproximar-se o aparecimento do 2º
Vol., mais polémico e menos lírico.". [...] "A Fazenda Pedra Maria
vai progredindo. Já tem luz elétrica, água de mina encanada e uma
plantação de 200 laranjeiras e 120 mil pinheiros. Também ali plantarei em
junho uns 2 mil choupos tirados do viveiro que tenho no Sítio de Santa
Isabel". Arquivo Maria Elisa Pérez. |
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Frente e verso da foto presa com clip à
carta de São Paulo de 3 de maio de 1968 |
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1969 – São Paulo, de 3 de março.
Agradece o envio do calendário de 1968 cujo
grafismo pertence ao “Comércio do Porto” e, por inerência, ensinam a este
nosso clan brasileiro o valor e bom gosto pelo trabalho efetuado.
“Também vieram pelo Natal reproduções de um quadro
de Salgado, uma delas com gentilíssimo oferecimento do Manuel Filipe que
dei à mulher do Leopoldo, toda amores e carinho para o neto Leopoldo III.
Eu acho este pastel de V.J. um pouco meloso, uma maternidade do seculo XIX
já ultrapassada, inferior àquela do Sousa Pinto com um pimpolho gorducho e
as sadias cores da mãe lavradeira a atestar o vigor da Grei. Esta também
mereceu vidro e moldura e lá está na posse das netas pois que V. também me
mandou duas pelo Natal de 68. Estas gentilezas mostram bem laços de
família transatlântica e um sentido de Arte e de Beleza a incutir na nossa
gente nova, missão dada aos homens que lidam com letra redonda e cousas da
inteligência. Agradece-las está implícito no interesse com que são
recebidas e conservadas.”
“Vieram as contas da casa da Rua Formosa e aqui
fiz acerto com o Ernesto a favor de M.ª Cândida, maneira fácil e prática
de atender mútuos encontros de haveres. Esse mecanismo das remessas de
dinheiro do Brasil para o exterior está cada vez mais emperrado e mais
limitado. Perde-se um tempão com as exigências burocráticas e
controladoras e até perigosas. Inda agora tivemos medidas repressivas como
verá pelo recorte do jornal que lhe remeto.”. (pp. 1-2)
“Digam-me que a pidesca censura não permitiu que
se falasse aí no Porto do 13 de fevereiro de 1919, como se factos passados
há 50 anos ainda causem engulhos à ordem salazarista. Em Lisboa a
“Capital” e “Diário de Lisboa” alargaram o nariz de cera do acontecimento
até ao pobre de mim, já meio esquecido de muitos episódios onde tomei
parte, ou como mirone, ou como integrante da funçanata republicana. Parece
que o governo tem pesos e medidas diferentes para cada região reinal e vão
agindo à imagem e semelhança dos donos locais das quitandas politiqueiras.
Não lhe ambiciono os proveitos. Recebi o suplemento literário do
“Comércio”, dedicado a António Sérgio. Magnífico.”. (p. 2).
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1969 – São Paulo, de 18 de março.
Agradece o envio do “Comércio” e o qual trás a
notícia “de o João Luís ser nomeado prócere da União Nacional. Diziam
nossos avós que é sempre vantajoso ter amizades dum boticário e do dono de
uma mercearia. Hoje eles teriam de acrescentar: - parente na política do
governo – para nos acautelarmos da “malfeitorias do tempo e da fortuna”.
Que o moço engenheiro encontre nesse campo agreste a sombra protetora da
fama e consiga atravessar sem maleitas o pantanal de ódios e invejas ali
abundantes e enraizados.”
“Não recebi o seu jornal do dia 13 de fevereiro,
mas mandaram-me recortes do “Janeiro”, “Capital, e Diário de Lisboa” que
se reportam a acontecimentos de 1919 onde eu fui presente. Meio século
depois venho a público com retrato e prosa (…) sem as suásticas da
censura”.
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1969 – São Paulo, de 28 de dezembro.
Refere que deu folga aos empregados e que passou o
dia de Natal na companhia de familiares e amigos. Comunica também o estado
de saúde de sua esposa Isabel que “nem percebeu que era o dia maior da
cristandade”. (p.1)
“É este o triste epílogo do meu exílio e um fim
que não permite alimentar esperanças de melhores dias. Por agora procuro
por todos os meios retardar um acontecimento que irá encerrar o ciclo duma
existência onde tive a companhia e o auxílio e a paciência e reforço e
carinhos da minha mulher. Depois irei fingindo de vivo até ao regresso à
Pátria madrasta onde a terra incumbirá de dar repouso ao velho emigrado
que não desmentiu a tradição da Grei nem renegou o milenário sentimento da
sua nacionalidade. O resto pouco importância tem, e os filhos e os netos
continuarão a honrar a nobreza do clan, que consiste no amor ao trabalho e
à Liberdade.”. (p.2)
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1970 – São Paulo, de 20 de agosto.
Comunica que com a morte do
cunhado Serafim de Moraes ficou sem procurador para receber a reforma do
exército concedida atualmente, e que é paga pela Caixa Geral de
Aposentações. Encontrando-se na mesma situação o seu irmão Francisco.
Apela a Fortunato se “poderias tu valer-nos nesta triste emergência,
aceitando procuração nossa para receberes por nós aquilo a que temos
direito? As procurações iriam com poderes para tu substabeleceres no vosso
procurador do “Comércio do Porto” ou quem entenderes para esses assuntos,
ao qual pagarias tal serviço como julgares conveniente. Eu não peço a teu
pai porque ainda não há muito tempo lhe pedi, em nome dos meus filhos,
para tratar do inventário aí em Portugal. Sou obrigado a recorrer a
pessoas de família que sempre me deram provas de amizade e muito
contribuíram para amenizar as minhas dificuldades de exilado político,
como tem acontecido com teu pai e contigo. Não fora a impossibilidade de
entrar no País, sem que a Pide me chame a perguntas, que costumam demorar
meses, anos, eu estaria agora convosco para me refazer desta angústia que
me deprime e das saudades que a crueldade do destino aprova dia a dia.
Nada remendariam lamentações e queixas para quem toda a vida se esforçou
por honrar o nome e as tradições que ele envolve. Tenho pois de ir até ao
fim da minha longa Peregrinação que, pelos modos, só terminará quando
chegar àquela étape onde possuo
os sete palmos de terra do direito consuetudinário.”. (pp. 1-2)
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1970 – São Paulo, de 14 de setembro.
“Ainda não consegui equilíbrio espiritual para poder
pôr em dia a minha correspondência. Esta aflição de me ver privado da
minha querida companheira de meio século numa existência atribulada pelo
exílio, que já conta mais de oito lustros, todas as dificuldades,
injustiças, privações a ele inerentes, desorganizou completamente a minha
vida. Saudades, nostalgia, pessimismo, olhos tantas vezes aguados
recordando uma ventura que a crueldade do destino e a ingratidão da Pátria
madrasta se comprazem em destruir até ao último afeto ou derradeira
esperança.”.
“Com as alarmantes notícias que recebêramos da saúde da
minha irmã Maria Helena e do marido, e também para deixar por algum tempo
este ambiente a ver se me recomponho, projetei ir a Portugal. Meu irmão
Francisco ia comigo, mas como tínhamos diante de nós o velho problema
político, o Francisco entendeu ser melhor informado da nossa situação
perante a Pide, embora ultimamente Caetano tivesse publicado a notícia
duma “Lei” de amnistia geral aos presos e emigrados políticos com idade
superior a 70 anos!.. Já este detalhe dos 70 anos seria bastante para
testemunhar o medo e ódio do governante. Porém desse reduzidíssimo número
de beneficiados pela Clemência? ditatorial nós eramos incluídos.
Mas as leis do Estado Novo, tu sabes, são só para inglês ver e,
neste caso de agora, o Mercado Comum tomar conhecimento.” (pp. 1-2.)
“Sarmento de Beires, conhecido de Caetano, é amigo e
camarada do meu irmão e poderia ir à fonte tirar as nossas dúvidas. Assim
aconteceu. A cópia da carta do Beires esclarece-te o resto. Guarda-a no
teu arquivo de jornalista para quando for tempo de dizer a verdade sobre o
carácter do sucessor do fradalhão, sucessor e continuador da hipocrisia
maquiavélica do apocalítico “defensor da civilização cristã”. É fácil
malsinar as atitudes dos inimigos do salazarismo quando se possui, como
garantia de impunidade a Pide, a mentira, e principalmente a censura. Ele
supõe que a fraternidade e a solidariedade dos Sarmentos Pimenteis não
fala. Mas vãs, como vai acontecer entre os caetanos de fresca data, e por
isso não lhe repugna a baixeza que propõe, quanto às minha atitudes
visarem e bom nome de Portugal, é pura verdade. Aqui estão os factos e os
momentos passados no Brasil, aos quais o meu nome anda honrosamente
ligado, como sejam: estátuas de Camões em São Paulo e em Ribeirão Preto,
Fundação da Casa de Portugal de São Paulo e das escolas da Colónia
Portuguesa. Um 1.º volume das “Memórias do Capitão” que tem sido adoptado
com livro de texto em várias universidades e liceus do Brasil = São Paulo
– Assis – Brasília – Baia – Araraquara – Na América do Norte, em França,
na Holanda e na Inglaterra, essas tais “Memórias” proibidíssimas pelos
analfabetos da censura portuga, foram e ainda são recomendados aos alunos
de Literatura Portuguesa, para que eles vejam as possibilidades e a beleza
do nosso idioma.” (pp. 2-4)
“Ora esta minha atitude é, evidentemente, contra um
governo delapidador e inimigo das gloriosas tradições e vastos valores do
Portugal de sempre. Eu não vou a Portugal despedir-me daquela carinhosa
velhinha de 83 anos e viúva do meu cunhado que já morreu neste intervalo
da recusa do todo senhor absoluto que está pontificando nos tristes
destinos da Grei. Ele sabe muito bem o motivo pelo qual eu sou contra a
guerra de África e não se pejou de decalcar um projeto de “Comunidade de
Nações da Leitura Portuguesa” que eu apresentei nas comemorações do 5 de
outubro em 1956 aos portugueses no Brasil e fora motivo para os
patrioteiros pidescos me honrarem com todos os apelidos do seu escolhido a
aputado vocabulário. O fradalhão (que o sábio fez e o nosso amigo Froilano
de Mello aconselhou a negociar, uma honrosa ser pela nacionalidade) não
quis aceitar tão vantajosa proposta analisada pela Inglaterra e
Estados Unidos, e obrigou as tropas portuguesas a fazerem o vergonhoso
papel de capados e sem honra, nem uns restos
de coragem de antanho ali na India tão memorável.
Pois bem: na África, que há meio século eu e outros
defendemos com unhas e dentes da cobiça nazista, e que a República,
grata pelo nosso esforço, soube premiar, se esta guerra continuar
por meros interesses totalitários do partido cínico, os portugueses
serão os únicos europeus que ali não ficarão, tal o ódio
e vinganças que ela está enraizando na consciência dos africanos (brancos
e Pretos) ”. (pp. 4-5)
Pede que mostre esta carta a seu pai e também a
alguns dos seus colaboradores do jornal que ignoram o seu comportamento no
Brasil. Local onde presta grandes tributos, advento que “ como maior
herança me vem dos meus avós como dever e obrigação desse amor “não movido
de prémio vil”.
“E perdoa a arenga de desabafo ante o teu espírito
crítico e desempoeirado das boas que o Estado Novo supõe serem a
preparação mais eficiente para se perpetuar no mando do rebanho de lorpas
e videirinhos que o rodeiam e aplaudem.
P.S. Só o Caetano, e a Pide, espalham aos quatro ventos
que nós os socialistas queremos abandonar as colónias, para elas irem
parar às mãos dos neo-colonialistas.” (p. 6)
|
(1)
Cópia da carta de
Sarmento de Beires:
Gaia, 19.8.970.
Meu caro Francisco Sarmento Pimentel
Embora
tarde e a más horas aqui estou a escrever-lhe, aliás, para lhe dar uma
notícia que sinceramente preferiria não ser obrigado a transmitir-lhe. A
verdade, porém, é que, depois de prolongada demora, consegui fazer chegar
à mão do Marcelo Caetano a minha carta sobre o seu caso, tendo recebido
uma resposta quase imediata, em cartão de visita do próprio punho do
Marcelo, a qual passo a copiar:
Com respeitosos cumprimentos
Marcelo Caetano
Tendo mandado
informar pelos serviços competentes o caso do ten. Sarmento Pimentel, tem
o desgosto de comunicar que está referenciado como solidário e constante
colaborador do irmão, cujas atitudes, infelizmente, não visam o Governo de
Portugal apenas (porque isso seria o menos), mas o bom nome do País e o
seu esforço no Ultramar.
Haveria maneira do
ten. Sarmento Pimentel publicamente se dissociar do grupo chefiado pelo
irmão?
20.VII.970.
|
Na resposta do Marcelo Caetano há evidentemente um
ponto do qual discordo e ao qual me referi, ao agradecer a resposta ao meu
pedido: aquele em que se refere à possibilidade de V. se dissociar do
grupo chefiado pelo João. Ou esse grupo existe e não é mera fantasia de
quem o informou, e nesse caso, se V. está solidário com ele, não faz
sentido que se avente a hipótese de uma dissociação, destinada, em
especial, a possibilitar a realização de um desejo legítimo; ou não
existe, e nesse caso, não há lugar para dissociação alguma.
Muito
à puridade, devo dizer que, pessoalmente discordo do critério daqueles que
ainda são partidários do abono das nossas províncias ultramarinas, dado
que, sendo partidário da auto-determinação, entendo por auto-determinação,
a liberdade concedida às populações radicadas nos referidos territórios,
de escolherem entre a permanência à sombra da bandeira portuguesa, ou a
opção pela independência. De facto, para mim, auto-determinação não é
sinónimo de independência. Por outro lado, a sequência dos acontecimentos
que levaram à situação actual, convenceu-me da falta de maturidade das
populações negras, aliás racistas, e por consequência xenófobas, em
relação a nós. Ora, da mesma forma que, no Brasil, na Argentina, na
Austrália ou na América do Norte, existe uma população de origem
portuguesa, espanhola, inglesa que foi absorvida e integrada na população
indígena, também nas nossas províncias ultramarinas aqueles que há dezenas
de anos ali formaram família e constituíram os seus penates, têm o direito
de dizer uma palavra e de ser considerados tão angolanos, moçambicanos ou
guineenses, como os autóctones.
Isto,
para explicar o meu ponto de vista.
Como,
porém, penso que cada um tem o direito de pensar como entende, e, como
democrata que sou, defendo esse direito, a explicação significa
discordância mas de modo nenhum crítica agressiva. Aliás, é este o aspecto
que nos separa dos partidários do crê ou morres.
Também
devo dizer que, depois do desaparecimento de Salazar, a situação em
Portugal se modificou bastante, e embora não tenha evoluído quanto seria
para desejar, evoluiu um tanto, e mais teria evoluído se não fora a
actuação dos ultras, acolitados pelo Américo Tomás, contra os quais
Marcelo Caetano tem mantido luta constante. Afirmaram-me mesmo que por
mais de uma vez esteve para abandonar o poder.
Desculpe, meu caro Sarmento Pimentel, se esta carta vai num teor tão
árido. Fruto da emergência, pareceu-me dever esclarecer o caso quanto
possível para evitar confusões.
Resta-me desejar-lhe, e a todos os seus muita saúde e toda a Felicidade, e
pedir-lhe que, se é inexacta a informação fornecida ao Marcelo Caetano, de
me comunicar, pois terei todo o prazer em escrever-lhe, a dizer que
fizeram consigo o mesmo que fizeram comigo, atribuindo-me atitudes
anti-patrióticas, quando pretendi vir a Portugal em 1949. Só em 1950,
graças ao critério do Trigo de Negreiros, o problema se resolveu, tendo
sido ainda ele que, posteriormente, me permitiu ficar definitivamente no
País.
Com as nossas saudades para a sua esposa, e
descendência (perdoe a fórmula que adopto para simplificar), e também para
si, que tanto desejaria ver e abraçar em carne e osso, aqui vai o meu
abraço, com amizade sincera do
Seu muito amigo e grato
[Sarmento
de Beires]
|
1970 – São Paulo, de 14 de outubro.
Comunica que ainda no dia anterior colocara no
correio aéreo uma carta registada para o Manuel Filipe renovando o pedido
que havia feito no sentido de ele aceitar procuração para receber as
pensões de oficiais reformados do exército, respeitantes a si e a seu
irmão Francisco, quando hoje recebe um telegrama a informar do falecimento
de Manuel Filipe. Questiona Fortunato acerca da causa do falecimento do
amigo – doença ou acidente. A notícia causa grande desgosto à família de
Sarmento Pimentel.
“O luto deste clan, onde sou o mais velho e o mais
alquebrado pelos anos e desventuras, não se traduz pela pálida impressão
que as palavras tentam dar à angústia que oprime os corações aflitos de
nós todos. Vemos à distância dum louco exílio a figura impressionante do
velho Paes magoado e sucumbido, e as nossas lágrimas juntam-se ás dos
irmãos, dos filhos e da mulher do querido e saudoso Manuel Filipe.
Ando numa sombria maré de grande abatimento e
graves apreensões. As injustiças do destino e dos homens procuram o lado
vulnerável para prostrarem o octogenário desterrado. Afeições e que a
morte suprime, companheiros que os muitos anos levaram à sepultura, o ódio
político que tem medo desta sombra, sombra meia lendária ou inventada por
acontecimentos passados, tudo me veda a entrada em Portugal, como agora
muito desejaria para estar consigo, para um falar igual e fraterno como
aquele que você teve comigo ao escrever-me na ocasião da morte da minha
Isabel. “Bem aventurados os que choram porque eles serão consolados” diz o
sermão da montanha. Esse consolo não é terreno, mas a esperança
misericordiosa dos que têm Fé. Neste mundo só nos resta a coragem que o
cruel destino impôs àqueles homens de carácter e marcou com mão de ferro
para suportarem todas as privações, para conhecerem todas as desventuras,
triunfos, desterros, que vão ficar na memória dos vindouros e a Grei
invocará para continuar a luta sem fim pela Liberdade.” (pp. 1-2)
“Nas longas e escuras noites da minha triste
viuvez eu digo: - ainda preciso viver - As minhas razões são outras e bem
menores que as suas.”. (p.2)
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1971 – São Paulo, de 9 de agosto.
Comunica que estão a passar por um período de
extrema dificuldade “de ordem industrial e, consequentemente, financeiro.
Falta de matéria prima e cara, localização nossa hoje imprópria, pois
sendo industria pobre e volumosa pelo espaço que ocupa, torna a
manufactura do produto acabado anti-económico dada a sobrecarga do aluguer
do terreno.”
Informa que após a remodelação e transferência
parcial da indústria para o Interior do Estado visitará Portugal. “Vou-me
arriscar a incómodos de ordem policial, porém sinto aproximar-se o fim
natural desta minha existência já longa, e quero levar para a cova a
imagem reavivada da terra onde nasci e tive dias de grande ventura. A
nostalgia aflige-me, a saudade reclama e o coração pede essa romaria como
promessa, à semelhança daquela que faziam em vida nossos Avós ao Santiago
de Compostela, evitando assim que a alma passada lá fosse depois da
morte!...” (pp. 1-2)
Também que além desse lado sentimental e também
fraterno dum abraço a velhos amigos e parentes, tem interesses de ordem
editorial para o 2.º volume das “Memórias do Capitão” e cujo original já
está em poder da Inova e “busca de alguns documentos e artigos de jornais
de 1919, 20, 21, para o 3.º volume da “Memórias”. Só irei depois de
Setembro (…). Não divulgue este meu projeto, que pode falhar, e diga-me se
na sua casa há, sem importuná-lo, aquela hospitalidade que alegra a alma
dum velho e cansado peregrino.”. (pp. 2-3)
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1971 – São Paulo, de 26 de novembro.
“Um silêncio tamanho que já me causa inquietação”
Transmite a Fortunato a sua preocupação e de seus
filhos por não terem notícias há mais de dois meses. Tenta mediar e
justificar um problema ocorrido entre familiares: ” Ele atravessou um
período grave de crise, que diremos de irresponsabilidade. Mas tende a
recuperar-se, lá no fundo da sua mentalidade egoísta existem restos
daquela noção do deve e do haver que o obriga a respeitar compromissos e a
corrigir abusos de confiança. Tenha um pouco de paciência. Este meio é
terrível e…americano na medula. Essas considerações visam anunciar o clima
frio pelo qual passa a velha e tradicional fraternidade portuguesa.” (p.1)
“Leio sempre com interesse regional e nortenho o
seu Comércio. Parece-me bom, equilibrado e noticioso. Que luta, e que
coragem!” (p.2)
Revela interesse de passar uns dias no Porto, para
“passar consigo uns dias reconfortadores desta saudade de exilado. Mas os
donos ou melhor “apoderados” do lindo e agitado jardim entenderam que eu
ando ao sabor dos ventos ponteiros e eles querem mesmo continuar a remar
contra a maré da vida presente, cuja é de evolução, diálogo, e intercâmbio
de interesses, ideias, empreendimento, cultura. Tenho pois de esperar que
este 2.º Conde d`Abranhos entregue os pontos a gente mais atualizada.”
(p.2)
“ (…) esse Porto liberal e trabalhador que tanto
me lembra aqui longe”.
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1972 – São Paulo, de 1 de maio.
Encontro com Hugo Rocha: “conversa longa,
saudosista, familiar, onde o social e político mal tiveram tempo de vir ao
terreiro nestas falas letradas de mais de três horas”.
Transmite que enviou lembranças afetivas para si e
o José Miguel, bem como que verifique junto da Editorial Inova em que fase
se encontra o seu 2.º volume das “Memórias do Capitão”, “assinou um
contrato com o Cruz Santos, homem atencioso e diligente, mas o negócio
está emperrado, não sei bem porquê, mas suspeito ali dedo pidesco…” (p. 1)
Finalmente, declara que a indústria onde exercia
atividade foi liquidada, mas que não se preocupa, pois acredita que ainda
pode ser útil noutra área para se sustentar. (p.2)
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1972 – São Paulo, de 16 de setembro.
“Tenho sido assíduo em “recortes” dos jornais
daqui que abordam assuntos da decantada (e encantada!) “Comunidade”
luso-brasileira.”
“Quanto à dupla nacionalidade, tanto os
portugueses como os brasileiros estão-se nas tintas para requererem a
generosa mercê. Do “Tratado de Comércio” o Carlos Lacerda pôs o dedo na
vigarice do escudo angolano. E a guerra continua e a imigração não
pára. Mas o Abranhos está eufórico de seus triunfos (!)
diplomáticos, que espremidos não dão o sumo dum limão galego!...” (p.1)
Pede-lhe que envie uns manuais de agricultura para
o Brasil, pois nas “horas vagas banco o hortelão amador…depois de podar as
malfeitorias do Estado Novo com esta pena irreverente e desajeitada.”
Informa-o que o jornal “Comércio do Porto” tem
chegado com relevante atraso, contudo “quando o recebo, fico em casa e vou
em mente viajando por Portugal com as notícias cicerónicas dos
correspondentes das províncias. Também noto as ferroadas mansinhas
daqueles colaboradores que entram afoitos na floresta escura da política e
da guerra africana.”
Terminando por pedir que interceda junto da
Editorial Inova no que respeita à edição do seu 2.º volume das “Memórias
do Capitão”, pois “o seu interesse é valioso empurrão na pasmaceira
daquela gente.”. (pp. 1-2)
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1972 – sine loco, de 21 de novembro.
Transmite a Fortunato que “tem cartaz entre a
nossa 3.ª geração. Também os meus netos apreciaram muito o retrato do Tio
Nato no famoso Fordéco, e camuflado de turco. O Fordéco já por aqui era
celebrado como carro de “classe” no calendário das velharias esportivas e
glorioso registo de vitórias. Até houve discussão sobre quem pilotou na
última corrida; uns afirmavam pelo José Miguel, outros diziam ser o
Alfredo Perez e a Maria Elisa. Eu, consultado, embora sem muita certeza
disse que ambos tinham vencido, José Miguel a primeira, Alfredo a segunda.
Se assim não foi, podia ter sido!
Por cá também existe um ambiente nos moldes
daquele dos nossos Avós, quando o “Zé do Telhado” dava cartas e cobrava
tributo “entre ambos os rios”, só que as aventuras do terrível
quadrilheiro eram pela calada da noite, ou ao romper da madrugada, ao
passo que nesta monstruosa selva de arranha-céus um parceiro é roubado, e
tantas vezes assassinado, em pleno dia.” (p.1)
“Os meus filhos andam muito esperançados com a
montagem de nova fábrica em Capitão Bonito, cidade a 250 Km de São Paulo,
com máquinas modernas e matéria-prima local. Eu, a poucos dias de entrada
no plano inclinado dos 86, vou por aqui vivendo com os meus livros,
algumas veleidades de agro-pecuarista e avicultor. Tenho umas vaquinhas
torinas, pequena criação de faisões e codornas, e horta que mimoseio a
cozinha dos filhos.
Observo pelas gazetas o desconcerto do mundo e as
malfeitorias dos totalitários de todos os matizes – “Na berra” hoje em
dia, o Perón, endeusado pela turba ignára. O Brasil não tem esses escassos
demagógicos, e seus problemas políticos são mais de adaptação ao
crescimento urbano e acelerado desenvolvimento industrial. A posse efetiva
da Amazónia implica somas astronómicas e trabalhos ciclópicos, mas como o
investimento de grandes capitais vindos do exterior permite aventurar, as
máquinas trabalham dia e noite para tornarem acessível a imensidão de
recursos ali escondidos há milénios.
Quando você voltar a São Paulo já não conhece a
cidade. Obras faraónicas ao ar livre umas, outras por baixo do chão.
Vejo com tristeza e preocupação o drama português.
Essa gente do governo ameaça a própria nacionalidade com uma inconsciência
que brada aos céus. E quem diz que é preciso procurar outro caminho,
chamam-lhe traidor, inimigo de Portugal!...
Leio sempre com carinho e sincera amizade o seu
“Comércio do Porto”. Ele leva-me, pela sua mão fraterna, por essas
saudosas terras cuja lembrança aperta o coração o pobre exilado.” (pp.
1-2)
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1973 – São Paulo, de 10 de janeiro.
“Respondo à sua carta de 27/12/72. Recebi aquele
“Comércio” que veio por avião. Algumas verdades começam a toldar os
horizontes optimistas que o Abranhos, Patrício, e um tal Saraiva,
faroleiro de marca maior apresentam ao “mundo ocidental” como se estas
gentes que o governam não passasse duma cambada de lorpas e analfabetos.
Houvera liberdade de imprensa já a trupe de
patrioteiros mentirosos tinha sido posta para fora do Terreiro do Paço a
pontapés no rabo e murros no focinho imundo.
Todavia, apesar da censura, a realidade
portuguesa vai se tornando conhecida em muitos detalhes que ocasionam
graves preocupações a quantos são sinceros amigos de Portugal e dos
Portugueses. Ninguém se ilude sobre a situação de revolta latente na
Metrópole e do fracasso do reformismo prometido pelo Abranhos.
Da África as notícias que aqui correm podem
dar-nos a impressão de que um novo e inevitável Alcácer-Quibir se
aproxima. Na Guiné é questão de meses. Em Angola e Moçambique não passará
de dois a três anos. (pp. 1-2)
Por assessores do ministro Gibson Barbosa soubemos
que os africanos puseram as cartas na mesa ao chanceler brasileiro: “Uma
velinha a Deus, outra ao Diabo” é mescambilha diplomática fora de moda. Ou
Abranhos e os da sua camarilha fascista, ou a África e seus novos Estados
independentes. Quanto à guerra colonial disseram-lhe na República da
Uganda que têm em armas 350 mil homens para o que der e vier proximamente…
Eles só esperam o fim da guerra do Vietnam para adquirirem os excedentes
do armamento americano, em troca de café, petróleo, oleaginosas e
minérios. E teremos então uma espécie de Índia sangrenta onde a própria
população branca será cruelmente sacrificada.
Já quando da India eu disse que devíamos negociar.
De traidor para baixo foi a triste recompensa para o pobre de mim.
Ali pelos idos de 1954, nas
comemorações levadas a efeito com grande espavento nesta grande e dinâmica
cidade para lembrar a Implantação da República em Portugal, eu propus que
portugueses, brasileiros, angolanos, moçambicanos, fundassem uma “Comunidade
de Nações da Língua Portuguesa”. A bomba estourou lá no seio da paz
podre reinal e foi o bom e o bonito de couces, peidos, relinchos das
bestas amarradas à manjedoura do Estado Novo. Não fui queimado vivo porque
a imensidão da água do Atlântico pôde sustar o fogo patriótico da Legião e
eu estava do outro lado!!! Anos depois o Abranhos, decalcando quase linha
a linha a minha sugestão, apresentou ao fradalhão de S. ta
Comba o seu projecto da “Comunidade de Nações luso-africanas” já que para
eles o Brasil não passava dum coio de jacobinos, mas o soturno e imundo
ditador mandou-lhe meter a viola no saco, dizendo-lhe que ela estava
afinada pela sanfone da cambada brasuca.
Agora já decretaram o chamadouro de “Estados” para
tapear a oposição mundial à guerra das colónias, mas como negociar
lhes poderia fazer descrédito de maior monta, vão entretendo os basbaques
com promessas milagreiras de Fátima.
Que o Brasil se nega a interferir na prudência
belicosa, é certo e sabido. “Guerra contra um Continente, não é para nós”,
afirmam os tropas. E eles são os senhores do governo.
Este Novo Ano, não vai trazer-nos surpresas, mas
sim certezas, como verificaremos. E a Senhora de Fátima fará o milagre de
se compadecer dos nossos infortúnios, prometendo-nos um lugar sossegado no
Além celestial!... “Assim seja”, digo eu!...” (pp. 2-4)
Finalmente, informa Fortunato que pediu à sobrinha
Fernanda Pestana para lhe entregar 1.080 escudos, com a finalidade de
pagar a assinatura do jornal “Capital”, pois quer ver como o ”Homem de
Melo vais descalçar a bota das colónias e os problemas que vão vir”,
cessando posteriormente a sua assinatura, pois “no fim desta terminar
pouco interessará saber o que diz e pensa o desiludido Homem de Melo”.
(pp. 4-5)
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|
1973 – São Paulo, de 17 de janeiro.
Transmite a Fortunato que enviou por “correio marítimo
uma folhinha da Pirelli, grande indústria de artefactos de borracha e
condutores de força elétrica” para demonstrar “as possibilidades das artes
gráficas do Brasil” e a enorme quantidade de dinheiro que a empresa gasta
em propaganda.
Comenta que a Editora Inova já lhe enviara as provas do
1.º e 2.º volume das “Memórias”, contudo parece que têm medo de ir presos
“por darem letra de forma á minha prosa. Eu escrevi-lhes dizendo que a
responsabilidade é só minha e que se o Abranhos entende que eu estou
deitando as unhas de fora das grades pidescas da censura, que me mova um
processo, como lhe permite o Tratado de Intercambio Cultural
Luso-Brasileiro, o que muito me honraria. Do
1.º vol. Não consinto que alterem uma linha. Ele foi adotado nas
universidades brasileiras como livro de texto da cadeira de Literatura
Portuguesa. No II.º vol. suprimi, com verdadeira angústia, um
período que se me afigura subversivo acerca da Emigração. Mas qual o
português que não há-de revoltar-se ao ver os seus patrícios irem como
reses de trabalho para fora da sua terra sem que o governo houvesse tomado
providências acauteladoras de semelhante calamidade?! Essa catastrófica
herança que o fradalhão deixou ao País, em vez de ser repudiada pelo
faroleiro Abranhos, mentiroso e aldrabão de marca maior, aproveitou-a ele
para angariar milhões de dólares que derrete em armamentos, polícia, vida
de malvados que levam os seus representantes ou auxiliares graduados.
Mas a orgia vai acabar e para muitos será… o fim do
mundo!!! Você me dirá, dentro de meses, que, na
verdade, eu não estava a falar de cór…” (pp. 1-2)
|
|
S/D – sine loco.
“Projecto ir a Portugal!
Já tenho passaporte que me vinha sendo recusado vai
para meio século! Aquela permissão de entrar no Paraíso ali em 50 foi
provisória e só por seis meses. Devia à “ONU” que exigiu amnistia aos
emigrados políticos para o Estado Novo fazer parte daquela assembleia
internacional. Mas foi só para inglês ver pois logo o ódio do fradalhão de
S. ta Comba lhe pôs seus maquiavélicos entraves. Conto essa passagem no
IIº vol. das “Memórias” que continua encravado nos prelos da Editorial
Inova por obra e graça da censura pidesca, uma das razões que me leva ao
Porto.
Outra é estar consigo e os de sua família, bem assim
com meus próximos parentes e os raros amigos aos quais ainda não chegou a
hora de partida para o Além.
Todavia só irei depois de ter deixado aqui as minhas
cousas em boa ordem e de você me dizer que posso contar com a sua generosa
e fraterna hospitalidade nas semanas que por aí quedar.
Depois dos meados de Agosto talvez tenha a mala feita.
Aqui vai melhorando a nossa precária situação industrial e já neste 1.º
semestre de 73 houve um lucro regular.
Quanto às outras novidades e impressões, ficam para quando nos
encontrarmos. E é que bastante terei para lhe dizer…” (pp. 1-2)
|
Transcrição do
Contrato Antenupcial de João Sarmento Pimentel
«
CONTRATO ANTENUPCIAL
NOTÁRIO: Eduardo Arthur Maia Mendes – Rua do
Almada, 23 – Porto.
DATA: 29 de Novembro de 1919.
ARQUIVO DISTRITAL: Registro n.º 919 – 4.ª série
1.º Cartório Notarial Fls. 33/4 verso
……..como outorgantes: primeiro, Dona Izabel das Dôres Seara Cardoso,
solteira, maior proprietária, moradora na Rua da Alegria n.º 939; segundo:
João Maria Ferreira Sarmento Pimentel, solteiro, maior, capitão do
exército, morador na Rua do Campo Lindo n.º 164; e terceiro, Fortunato
Cardoso da Costa Guimarães, viúvo, proprietário, morador na dita casa da
rua d` Alegria; todos desta cidade e reconhecidos como os próprios pelas
testemunhas que me abonaram a identidade deles, sendo a primeira e
terceiro outorgantes também meus conhecidos, do que dou fé. E na minha
presença e das mesmas testemunhas disseram os primeira e segundo
outorgantes: que estão tratados de contrahirem matrimonio um com o outro e
por isso querem outorgar o seu contracto antenupcial para ter efeito
realizado que seja o mesmo ajustado casamento, contracto que por esta
escritura fazem nos termos e pactos seguintes: Que querem casar-se com
incomunicabilidade de todos os seus bens presentes, bem como de todos os
que de futuro advierem a qualquer um deles cônjuges por título gratuito e
segundo o regímen dotal, como dispõem os artigos mil cento trinta e quatro
até mil cento sessenta e cinco do código civil, sendo unicamente
comunicáveis e comuns d`ambos os adquiridos durante o matrimónio por
título oneroso, ganhos e economias. Que a primeira outorgante Dona Izabel
das Dôres Seara Cardoso, se dota com o prédio que seu pai lhe vai doar por
esta escritura, e tanto este prédio como todos os mais bens que de futuro
lhe advierem por sucessão legítima, herança, doação legado e por outro
título gratuito, ficarão constituindo o seu rigoroso dote inalienável,
gosarão de todos os privilégios e garantias que em direito são concedidos
aos bens dotaes e jamais serão responsáveis por obrigações do casal ainda
que tenham a sua outorga ou consentimento. Que o segundo outorgante João
Maria Ferreira Sarmento Pimentel, presentemente não entra para o casal com
bens alguns, mas todos os que de futuro lhe advierem por sucessão
legítima, herança, doação, legado ou outro qualquer título gratuito sendo
seus bens próprios. Pelo terceiro outorgante Fortunato Cardoso da Costa
Guimarães foi dito: Que por esta escritura doa á esposada sua filha Dona
Izabel das Dôres Seara Cardoso para ter efeito realizado que seja este
ajustado casamento e para ficar fazendo parte do seu dote, o seguinte
prédio: Um prédio sito na Rua Formoza n. os 297 a 301,
freguesia de Santo Ildefonso, desta cidade, com frente também para a
travessa do Grande Hotel (antes viela das Pombas), descrito na competente
conservatória no livro B setenta e três a folhas vinte e cinco verso sob
numero vinte e três mil cincoenta e sete, no valor de vinte contos. Que
esta doação é feita por conta da legítima paterna da donataria. Pela
primeira outorgante foi dito que aceita agradecida esta doação. Dou fé que
assim o disseram e outorgaram, que pagaram o selo………………
……… Nada mais se contem na escritura a que me
reporto e que para aqui fiz transcrever fielmente do próprio original,
conservando-se a ortografia e pontuação, e por ser verdade………
»
|
|
NOTAS (1)
Fortunato tinha um irmão, Ernesto Seara Cardoso (1904-1983). (2)
«LARGO DA TRINDADE» nos números 11 a 13 podemos encontrar
«O MUNDO DOS LIVROS» de «JOÃO RODRIGUES PIRES»
Em: .
http://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.pt/search?q=nos+n%C3%BAmeros+11+a+13+podemos+encontrar+%C2%ABO+MUNDO+DOS+
LIVROS%C2%BB+
(3) Casa de Portugal, na Av. da
Liberdade, 602 - Liberdade, São Paulo - SP, Brasil, com múltiplas
atividades culturais, fundada por Sarmento Pimentel, que o foi o seu 5º
Presidente. In:
http://www.casadeportugalsp.com.br/institucional/«A Casa de
Portugal de São Paulo foi fundada no dia 13 de Julho de 1935, por
portugueses e luso-brasileiros de grande destaque daquela época, que se
reuniram com essa finalidade no então “Centro do Minho”, uma associação
que representava os portugueses dessa região. A Casa de Portugal dispõe de
um patrimônio que ressalta a tradição e a preservação dos valores
históricos, culturais e a presença dos portugueses em São Paulo.
Criada com a intenção de servir como uma instituição de apoio e
assistência à Comunidade Portuguesa daquela época, motivo pelo qual desde
o princípio estabeleceu um acordo de cooperação com a Beneficência
Portuguesa de São Paulo, depois de curto período dedicada a sua
implantação e fortalecimento, logo passaria a atuar como “Casa Mãe”, na
defesa da língua portuguesa, assim como na divulgação dos valores e das
tradições herdadas dos nossos antepassados, além da prestação dos serviços
em caráter assistencial e social.» In:
http://www.casadeportugalsp.com.br/institucional/
(4) As referências à Rua Formosa respeitam a prédios que foram doados
como dote pelo pai de Isabel das Dores Seara Cardoso aquando do
casamento de Sarmento Pimentel.
(5) Gago Coutinho era um dos
numerosos conhecidos e amigos de Sarmento Pimentel. O irmão, Francisco
Sarmento Pimentel, piloto da Força Aérea, está associado à primeira
travessia aérea do Atlântico até à Índia.
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Diretório aberto a 19 de dezembro de 2014
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