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JOÃO SARMENTO PIMENTEL
Foto do Arquivo Científico Tropical:
http://actd.iict.pt/view/actd:AHUD21774 |
João Maria
Ferreira Sarmento Pimentel (Eixes, Mirandela, 14 de Dezembro de 1888 —
São Paulo, 13 de Outubro de 1987) foi um oficial de Cavalaria do Exército
Português, escritor e político que se distinguiu na luta
contra a Monarquia e governos ditatoriais. Como
aluno da Escola do Exército participou nos movimentos da Rotunda, ao lado
de Machado Santos, nos dias 3 a 5 de Outubro de 1910, de que resultou a
implantação da República Portuguesa. Participou nas campanhas do Sul de
Angola, esteve na Flandres, liderou revoltas várias, a última das quais em
1927. Exilou-se no Brasil, onde morreu, tendo entretanto vindo à Galiza
para colaborar numa revolta falhada em 1931 e depois, no 25 de Abril, a
Portugal, para
festejar. |
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PROJETO «JOÃO SARMENTO
PIMENTEL» www.triplov.com
Estela Guedes, Flávio Vicente & Ilda Crugeira |
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Sarmento
Pimentel, herói portuense
As
cartas para Fortunato Seara Cardoso Maria Estela Guedes
Publicado
em
www.incomunidade.com
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Mário Soares na Avenida Itacolumi
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João Sarmento Pimentel (1888-1987), autor das
Memórias do Capitão, adotado em
seu tempo nas universidades brasileiras como livro de texto da cadeira de
Literatura Portuguesa, não nasceu no Porto, mas viveu na região, onde logo
na adolescência despontou a sua belicosidade democrática. Com efeito,
industriado pelos republicanos de Felgueiras, recebeu destes a missão de
transportar para Lisboa, onde frequentava a Escola do Exército, bombas
artesanais destinadas à revolução. No seguimento, recebe a primeira
missão, e logo do “pai da República”, Machado Santos. Este líder,
responsável pelas manobras militares na Rotunda, em Lisboa, nos “sagrados
dias” de 3-5 de Outubro, confiou ao cadete a missão de descer a Avenida,
em busca das informações que escasseavam, sobretudo relativas à posição da
Marinha, que no Tejo tinha dois navios de guerra, um deles o Adamastor,
adquirido por subscrição pública na sequência do
Ultimatum.
Nesta época, João Sarmento Pimentel passava férias
em Rande, perto de Felgueiras e de Amarante, na Casa da Torre, propriedade
da mãe, Maria Margarida Pavão. Seu pai,
Leopoldo Ferreira Sarmento Pimentel de Lacerda, pertencia à velha e
honrada fidalguia transmontana. Posteriormente, passou a residir na cidade
do Porto, onde casou com Isabel das Dores Seara Cardoso, irmã de Fortunato
Seara Cardoso, diretor d’O Comércio
do Porto. Este jornal estava na família desde o bem conhecido Bento
Carqueja.
Flávio Vicente, Ilda Crugeira e eu andamos a edificar uma base de dados no
Triplov (www.triplov.com)
com o fim de dar a conhecer a ação de João Sarmento Pimentel. Atentando em
que viveu quase cem anos, e desde os vinte até ao fim foi um combatente, o
período estudado é longo e atravessa o Atlântico: vai da implantação da
República até mais de uma década para além do 25 de AbriI.
Familiares como Maria Elisa Pérez, neta de Bento
Carqueja e sobrinha de Sarmento Pimentel, que nos ofereceu as cartas do
seu tio, enviadas de São Paulo para Fortunato Seara Cardoso, têm sido
apoio muito valioso. Estas cartas, que agora quase me limito a dizer que
existem, estão sumariadas no Triplov, e não será inoportuno abrir a porta
a quem tenha documentação que nos queira facultar. Ela abunda, já
coligimos muita nos arquivos e bibliotecas do Exército, na Fundação Mário
Soares, na biblioteca do Museu da República, na Biblioteca Nacional e
noutros lugares, como a Internet, mas há levantamentos morosos, por se
tratar de matérias de jornal. Deixo um exemplo à moda de desafio: quem
sabe onde e quando declarou Mário Soares que a ação militar desenvolvida
por Sarmento Pimentel foi precursora do 25 de Abril?
Mário Soares e Sarmento Pimentel eram
correligionários, ambos fundadores do Partido Socialista. A certa altura,
quando Mário Soares sofre uma das suas prisões, Sarmento Pimentel aparece
como um dos signatários de uma carta a exigir que a Justiça comparecesse
em cena para o libertar desse ato repressivo. Amigos pessoais além de
correligionários, diversas vezes Sarmento Pimentel recebeu Maria Barroso e
Mário Soares na sua casa de São Paulo, na Av. Itacolumi. A
“Correspondência com Francisco Ramos da Costa” (Arquivo Mário Soares)
revela que, nos finais de 1973, Mário Soares passou uma semana em São
Paulo com Sarmento Pimentel, hospedado provavelmente em sua casa. As mais
ilustres personalidades reuniram-se na residência da Av. Itacolumi, no
elegante bairro de Higienópolis.
Conta Ana Luísa Janeira, sobrinha de Sarmento Pimentel que, quando Mário
Soares ia a casa do tio, este avisava as entidades oficiais, de maneira
que Mário Soares chegava com comitiva à Av. Itacolumi, própria de
Presidente da República. Este apontamento revela a alta consideração de
que gozava Sarmento Pimentel em São Paulo, e no Brasil em geral. Se tal
aconteceu na visita de 1973, então o caso merece lupa.
Homem singular, batalhador indomável pelos valores republicanos, Sarmento
Pimentel participou em vários golpes e revoluções, desde a sua estreia
armada nestas lides, no 5 de Outubro de 1910, até à luta através da
palavra e iniciativa cultural, no Brasil, onde morreu. Algumas das ações
militares em que tomou parte tiveram por cenário a cidade do Porto, caso
do derrube da Monarquia do Norte que, na visão de contemporâneos como
Magalhães Lima e José Gomes Ferreira, se lhe deveu inteiramente. Sobre
este assunto escrevemos um artigo (veja a base de dados, em
www.triplov.com)
do qual respigamos somente, a favor do termo «herói» que usamos no título,
a condecoração e o gesto de gratidão dos cidadãos do Porto ao
oferecerem-lhe uma espada de honra.
O lote de cartas de Sarmento Pimentel para Fortunato
Seara Cardoso, oferecido ao Triplov por Maria Elisa Pérez, cobre um
período que vai desde a primeira, de 6 de maio de 1956, até à última, de
17 de janeiro de 1973. As cartas são invariavelmente enviadas de São Paulo
para o cunhado, que as recebe no Porto, onde vivia com a família, gerindo
o mais diplomaticamente possível a fonte de rendimento que era
O Comércio
do Porto,
no temor de a perder com algum percalço levantado pela Censura ou pela
Polícia política, a PIDE. De
vez em quando, inquieto com a falta de notícias, João Sarmento Pimentel
declara ao cunhado o seu receio de a PIDE lhe intercetar a
correspondência. Tinha razão; como a nossa colega, Ilda Crugeira,
verificou, ao pesquisar o Arquivo da PIDE, na Torre do Tombo, a maior
parte dos documentos no processo de Sarmento Pimentel são cartas
intercetadas no percurso do Correio.
Desde o fracasso da “revolta dos bibliotecários”,
como designamos o golpe de 1927 contra a ditadura de Salazar, em que
liderou o Comité Revolucionário do Norte, Sarmento Pimentel vivia exilado
no Brasil. Quando escreve para o cunhado, já está instalado na casa onde
acabará por morrer, e onde
vive ainda a sua filha Bebé, Isabel, que tive o gosto de conhecer numa das
minhas idas a São Paulo. Interrompida a carreira militar, dedicou-se com
sucesso aos negócios, em que se destaca o do vidro plano. Nos negócios
como na ação política e cultural, no Brasil, teve como amigo e parceiro o
empresário Lúcio Tomé Feteira.
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A Casa de Portugal, em São Paulo
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As cartas dão conta da atividade de Sarmento
Pimentel como publicista, a despeito da Censura e da PIDE, dão conta do
seu pensamento político e da ação cultural desenvolvida junto dos
emigrados, alguns bem importantes, como Jorge de Sena e Jaime Cortesão,
dão conta da ação política na receção de notáveis de esquerda, cujo
comportamento nem sempre aceitou bem, caso de Humberto Delgado e Henrique
Galvão, dão conta da edificação de uma importante estrutura cultural como
foi a Casa de Portugal, em São Paulo. Ela ainda fervilha de cultura, tive
a honra de ali ser recebida há poucos anos, para uma sessão conjunta de
apresentação de livros. Da carta de 29 de junho de 1956, respigamos estas
linhas ainda hoje apropriadas, que mostram o impacto da Casa de Portugal,
não só no Brasil como, devolvido em espelho, em Portugal:
«Chegaram notícias e os livros encomendados a ‘O
Mundo dos Livros’. Esta vida de agora, mais sedentária, leva-me a
mergulhar na leitura. E assim vou iludindo a ausência da
terra mater e estas saudades,
que são a águia lendária do velho Prometeu, sem esperança de vir outro
Hércules libertar-nos do suplício. Aqui os livros portugueses atingem
preços astronómicos, demais sendo uma raridade. O governo ainda não se
convenceu que o único meio dum intercâmbio eficiente e garantia do
predomínio da cultura portuguesa no Brasil, seria uma livraria onde os
escritores portugueses estivessem
ao alcance da gente remediada. Essa propaganda é substituída por
endeusamentos do Estado Novo, parecendo que o passado e o futuro não
contam. Nós outros não pensamos assim e ainda agora lembramos à urbs
gigantesca o gigante Camões com uma notável exposição bibliográfica das
obras do épico na Casa de Portugal e conferências em Santos, São Paulo,
Ribeirão Preto e São Carlos. Mandar-lhe-ei oportunamente os opúsculos que
registam e atestam essa homenagem à Pátria madrasta e ao seu maior
expoente, também em vida por ela abandonado e esquecido.»
A propósito da ida ao Brasil do Futebol Clube do
Porto, anota, na mesma carta: "A Casa de Portugal não foi procurada, nem
recebeu, como de direito, comunicação oficial ou oficiosa da vinda a São
Paulo daquele time, pelo que não tomou providências que sempre lhe deram
pretexto para mostrar o seu patriotismo, generosidade e boa vontade por
todas as atividades que mostram os seus patrícios chegados a Piratininga.
E como a Casa de Portugal congrega a melhor gente portuguesa e de maior
poder económico, resultou desse alheamento o fracasso financeiro e social
da excursão em terras bandeirantes».
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Mundo dos afetos: Isabel, a esposa
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As cartas abundam em informação de que em tempo
oportuno se tirará proveito, neste momento agrada mais chamar a atenção
para a outra faceta do homem de ação: o lado interior e intimista de João
Sarmento Pimentel, os seus afetos, as suas vulnerabilidades emocionais de
amante de uma terra de que fora violentamente apartado. Outros textos dão
dele a imagem do herói e do soldado, tentando sobreviver à sede perto do
deserto do Namibe, em operações às vezes solitárias, como a do
reconhecimento das nossas posições, depois de os alemães terem passado a
fronteira sul de Angola e provocado um massacre em Naulila; ou tentando
que sobrevivesse a frágil instalação democrática da Primeira República.
Nas cartas, há crítica a Salazar, sim, o fradalhão de Santa Comba, muita
exposição de alternativas às medidas do governo, mas o que salta à vista,
precisamente por instaurar a diferença, é a sua vida interior, a
estabilização progressiva da situação familiar e económica, as férias com
a mulher e o filhos na fazenda onde se entretinha a caçar coelhos e
perdizes. Vejamos o que dela conta na carta de 3 de maio de 1968: «A
Fazenda Pedra Maria vai progredindo. Já tem luz elétrica, água de mina
encanada e uma plantação de 200 laranjeiras e 120 mil pinheiros. Também
ali plantarei em junho uns 2 mil choupos tirados do viveiro que tenho no
Sítio de Santa Isabel».
O afeto irrompe, ao lamentar, na mesma carta: «A
Isabel vive aquela existência precária da paralítica já beirando os
oitenta anos, mas não lhe falta a assistência e o carinho de toda a
família. Paredes meias está a Maria João. Uns andares acima o Leopoldo
cujo filhote vem diariamente visitar a Avó. Aos sábados e domingos vamos
tomar sol e ar do campo num sítio que me emprestou o meu amigo Lúcio
Feteira e onde temos tudo quanto são miunças de quinteiro e até faisões».
A par da quietude da vida na fazenda, a ânsia de
alimento intelectual de origem lusitana é insaciável. Sarmento Pimentel
era um seareiro, fora co-diretor da
Seara Nova, é natural que se sentisse impaciente na expectativa de ler
os seus confrades, aliás um dos gestos que toma na Casa de Portugal é o de
diligenciar para que os sócios ali tivessem disponíveis jornais
portugueses. Tem sede de leitura. O seu fornecedor habitual é o Mundo dos
Livros, no Largo da Trindade, em Lisboa, e Fortunato Seara Cardoso a
pessoa que acede, solidária com o cunhado, a regularizar as contas, usando
provavelmente os dinheiros de uma casa alugada, no Porto, pertencente à
sua irmã, Isabel, que vemos ir-se apagando aos poucos, em São Paulo.
Isabel é tratada com carinho. Sozinha com os filhos
muitas vezes, enquanto ele fazia a revolução,
no constante temor de ele ser preso
ou pior, ela fora a paciente e compreensiva companheira de décadas. Nem
nos artigos de jornal e da Seara
Nova, nem nas Memórias do
Capitão o afeto pela mulher se revela, porque o pudor e a cautela
mandam mantê-la em segurança. Nas cartas, o amor é livre de se exprimir.
Essa é a tónica afinal da epistolografia e a sua grande vantagem sobre o
texto publicado ou que se deseja publicar: a carta é aberta ao intimismo,
à expressão do que é mais discreto, é espontânea e ágil, não a massacram
nem o demasiado purismo na correção linguística nem a busca forçada do
novo na expressão literária.
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Diretório aberto a 19 de dezembro de 2014
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