João
Sarmento Pimentel lutou, sem descanso, em todas as frentes, na Pátria e no
exílio, pela palavra e pela ação, para ajudar a libertar o País do longo
cativeiro que o privou dos direitos inerentes à condição humana e conduziu
a outras calamidades que desacreditaram os regimes políticos em Portugal.
Da leitura das «Memórias
do Capitão» e da entrevista com Norberto Lopes — SARMENTO PIMENTEL ou uma Geração Traída, e das cartas analisadas no
espólio pertencente a Sarmento Pimentel na Biblioteca Municipal Sarmento
Pimentel em Mirandela, observamos que o pensamento do autor incide,
grosso modo, sobre os regimes
políticos nacionais – Monarquia, Ditadura Nacional, Estado Novo e o pós 25
de abril de 1974.
Assume que, desde criança, denotou em si um especial
interesse pelos assuntos da política. Inclusive a sua família era
politicamente ativa na era do rotativismo, consistindo as
forças políticas em dois grandes partidos: o partido progressista e o
partido regenerador, resultando em grandes conflitos no seio familiar, uma
vez que seu pai e avô eram próceres do partido regenerador e seu tio,
irmão do seu avô, era chefe local do partido progressista. De tudo o que
mais o mais o admirava era a linguagem, imbuída de certa cultura e
elegância literária.
Todavia, idealizando a ideia de querer uma República — um presidente da
República sem ser por um privilégio hereditário e não um rei por pertencer
a uma família predestinada —, inicia um conflito familiar por divergência
idealista e, por extensão, dá início ao seu percurso como percutor pela
implementação de uma República em Portugal. Razão pela qual, ainda
enquanto aluno, participou no levantamento militar que conduziu à
implantação da República Portuguesa em 5 de outubro de 1910 na Rotunda,
juntamente com António Machado Santos (1875 – 1921), considerado o
fundador da república.
Posteriormente, nomeado comandante da Guarda Nacional Republicana do
Porto, participa
ativamente na queda da Monarquia do
Norte, conhecida por "Traulitânia". Colaborou com o 4.º Presidente de
Portugal na I República — Sidónio Pais (1872 – 1918) e
tornou-se
chefe de gabinete do Ministro da Agricultura Ezequiel de Campos (1874 –
1965), do governo de José Domingues dos Santos (1885 – 1958), durante o
período de 1924 – 1925. As suas ideias redundam num compromisso por um
ordenamento territorial eficaz e regulamentação das bacias hidráulicas.
Depois de se ter oposto ao golpe de 28 de maio de 1926, o autor participa
na revolta de 3 de fevereiro
de 1927, liderada pelo general Adalberto Gastão de Sousa Dias
(1865 – 1934)
que
tenta derrubar a nascente Ditadura Nacional.
A revolta é um fracasso, é demitido do exército e enceta uma fuga
rocambolesca pelo norte, a caminho da Galiza, onde embarcou para o exílio
no Brasil.
Devido à sua participação nas
Campanhas de Pacificação ao sul de Angola, comandando o destacamento
luso-boer, desperta nele a ideia de independência para as colónias
–
ideia inovadora e perigosa para a época, bem como um problema de direito
internacional no que respeita à invasão germânica em território português.
A sua intervenção na Primeira Guerra Mundial desperta, de igual modo, a
ideia de dignidade humana e
humanismo, ideia que traduzirá a
sua oposição à guerra nas colónias portuguesas, sobretudo no periodo do
Estado Novo e, posteriormente, à Segunda Guerra Mundial.
O seu pensamento político não se apresenta associado a nenhum idealismo
dogmático
—
de espírito liberal:
promovendo as liberdades civis por oposição ao despotismo, avoca
um
pluralismo de ideiais republicanos: Liberdade, Igualdade (a qual inclui a
promoção da igualdade através da educação e do acesso à cultura),
Fraternidade; a valorização das ideias; o sentido de cidadania; o desapego
aos valores materiais; a nobre entrega à causa pública e o patriotismo, em
articulação com um socialismo reformista. Portanto, defende uma
implantação gradual de reformas legislativas: leis sobre a família,
segurança social, pleno emprego, habitação, educação, saúde, progresso,
paz, justiça social, etc., refutando o socialismo de teor doutrinal
marxista, que considera comunismo e pelo qual não tem especial apreço.
Estabelece que o exercício da atividade política, tal como a conduta
humana, está por natureza vinculada à moral e à ética, uma vez que ambas
procuram explicar e fundamentar os valores e as condutas desses mesmos
costumes constitutivos de uma sociedade, julgando-os sob a perspetiva do
Bem e do
Mal.
Defensor da Constituição da República de 1911 (e posteriormente de todas
as Constituições portuguesas), especialmente quanto à organização política
do Estado, que apresenta a tradicional divisão dos três poderes: o
poder executivo, de competência
do Presidente da República e do Governo; o
poder legislativo, detido pelo Congresso da República e o
poder judicial, executado pelos
tribunais, não demonstrou especial apreço por não se incluir na
Constituição o sufrágio
universal, excluindo assim o direito de voto aos militares, às
mulheres e aos analfabetos.
Igualmente, a sua linha estruturante de conflito com as formas e reformas
de governo, reside numa primeira fase com a estruturação da Constituição
da República de 1911, uma segunda fase, por Sidónio País (1872 – 1918)
suspender a mesma em consequência do decreto n.º 3997 de 30 de Março de
1918, evidenciando uma linha presidencialista, que problematizou um
conflito de consciência e valores republicanos, mas também liberais,
contribuindo para uma instabilidade
política,
económica e reformadora.
Logo, traindo aquilo que ele defende como
democracia — «um constante jogo
em movimento só triunfará se as regras do jogo forem a verdadeira
liberdade constitucional» —, portanto interpretando a ideia de que um
Estado de Direito Democrático sem uma verdadeira Constituição da República
não se pode afirmar como democracia. Foi por esta razão (entre outras
muitas) que o autor, juntamente com António Sérgio (1883 – 1969),
pertenceu à
direção
da Liga Portuguesa Pró-República Constitucional.
Uma terceira fase reporta-se à incessante busca de
poder pelos partidos, seus representantes e alguns militares de patente
superior, esquecendo os problemas com que o país e o povo se deparavam,
sobretudo os problemas relacionados com justiça distributiva e a sucessiva
violação dos direitos fundamentais.
Flávio Vicente
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