AUGUSTO CASIMIRO
Apresentado este capitão por Julião Bernardes
 

BIOGRAFIA
https://pt.wikipedia.org/wiki/Augusto_Casimiro
 

 

Augusto Casimiro dos Santos nasceu a 11 de Maio de 1889, em Amarante, localidade onde fez os seus estudos primários e liceais. Aos 16 anos, tendo escolhido a carreira militar, assentou praça no Regimento de Infantaria de Coimbra. Frequentou então estudos universitários em Coimbra e, depois, o Curso de Infantaria da Escola do Exército, de que saiu graduado em 1909.

Cedo se revelou como poeta e cronista, estreando-se como autor em 1906 e iniciando a sua colaboração na imprensa periódica na década de 1910. Também por esta altura aderiu aos ideais republicanos.

Como tenente, participou no Corpo Expedicionário Português enviado à Flandres (1917-1918) na sequência da entrada de Portugal como Estado beligerante na Grande Guerra. Foi condecorado com a Cruz de Guerra, fourragère da Torre e Espada, Ordem de Cristo, medalha de Ouro de Bons Serviços, Military Cross, Legião de Honra, Ordem de Avis e Ordem de Santiago e promovido a capitão durante a campanha.

Após o termo da Grande Guerra, leccionou no Colégio Militar, sendo de seguida integrado como adjunto a campanha que visava a delimitação da fronteira entre Angola e o então Congo Belga, trabalhando sob a direcção de Norton de Matos, então Alto Comissário da República em Angola. Nesse período foi Governador do Distrito do Congo e Secretário Provincial e Governador interino de Angola (1923-1926). Regressou a Portugal em consequência do Golpe de 28 de Maio de 1926.

Este período de permanência em Angola, levou-o a escrever largamente sobre temática de carácter colonial.

Ligado aos movimentos de oposição republicana à Ditadura Militar instaurada em 1926, participou na chamada Revolta da Madeira (1931), sendo então demitido do Exército e, entre 1933 e 1936, desterrado em Cabo Verde. Foi reintegrado em 1937, após o que passou à reserva.

Manteve a sua ligação à oposição democrática ao Estado Novo, tendo integrado o Movimento de Unidade Democrática em apoio à candidatura presidencial de Norton de Matos.

Manteve grande actividade literária, publicando em múltiplos periódicos, com destaque para as revistas A Águia e Seara Nova, e também se encontra colaboração da sua autoria nas revistas Serões [2] (1901-1911), Amanhã [3] (1909) e Atlântida [4] (1915-1920). A sua vasta obra inclui poesia e prosa que vai da ficção, ensaio histórico e memorialismo aos estudos e artigos de intervenção política. Privou, entre outros, com Teixeira de Pascoaes (seu conterrâneo), Jaime Cortesão e Raul Proença.

Augusto Casimiro faleceu a 23 de Setembro de 1967, em Lisboa.

 

VIVER!

 

Viver!... E o que é a Vida?... 
          – Atento, escuto 
A primitiva e alta profecia… 
E a escutá-la, a sonhar, vou resoluto, 
Por caminhos de Amor, com alegria! 
E vivo! E na minh ‘alma, a uma a uma, 
Como num quebra-mar de encantamentos, 
Sinto as ondas bater, – ondas de espuma, 
... Evocações, memórias, sentimentos... 

Amo! – No meu Amor vivo a infinita, 
A suprema Beleza, – sou amado!... 
E, pelo Sol que no meu peito habita, 
Luto! Sinto o Futuro à nossa espera, 
Vivo, na minha luta, o meu Amor!... 
E sinto bem que a eterna Primavera 
A alcançaremos só por nossa Dor! 
Sofro! E no meu sofrer, nesta ansiedade 
Com que os meus olhos fitam o nascente, 
Em devoção, em pranto, em claridade, 
– Sonha o meu coração de combatente... 

Sofrer, lutar, amar –, vida completa, 
Piedosa, humilde e só de Amor ungida – 
Meu coração de amante e de Poeta 
Sente em si mesmo o coração da Vida!... 
Sonho exaltado e puro, Amor tão grande, 
Que me domina todo e me levanta 
Às regiões em que o sentir se expande, 
E o coração da Vida sonha e canta! 
Vida profunda emocionando mundos, 
Lágrimas que nos falam de ventura, 
Olhos de amado, olhos de amar, profundos 
Olhos de devoção e de ternura!... 
Olhos que em tudo sentem a Beleza, 
A perfeição e o Amor de Ela, 
Amor em que se exalta a natureza, 
A fonte, a névoa, a flor, a rocha, a estrela!... 

Amor que tudo envolve e em que repoisa 
O Mundo num regaço de emoção, 
E em que se funde a mais humilde coisa 
Ao mais sublime e forte coração!... 
Vida que num sorriso se condensa, 
Num beijo puro sobre um puro olhar, 
Que se sorri, se beija… E rude, imensa, 
Em plena luta sabe triunfar!... 
Vida piedosa e fraternal, – erguida 
Ao sol, a abençoar e a redimir – 
E que batalha e vence – pela Vida  
As vitórias radiantes do Porvir!... 

Augusto Casimiro, in A Evocação da Vida'

 

NATAL

                   1 
A voz clamava no Deserto. 

E outra Voz mais suave, 
Lírio a abrir, esvoaçar incerto, 
Tímido e alvente, de ave 
Que larga o ninho, melodia 
Nascente, docemente, 
Uma outra Voz se erguia... 

A voz clamava no Deserto... 

Anunciando 
A outra Voz que vinha: 
Balbuciar de fonte pequenina, 
    Dando 
À luz da Terra o seu primeiro beijo... 
Inefável anúncio, dealbando 
Entre as estrelas moribundas. 
 

                       2 

    Das entranhas profundas 
Do Mundo, eco do Verbo, a profecia, 
- À distância de Séculos, - dizia, 
    Pressentia 
Fragor de sismos, o dum mundo ruindo, 
    Redimindo 
Os cárceres do mundo... 

A voz dura e ardente 
Clamava no Deserto... 

Natal de Primavera, 
A nova Luz nascera. 
    Voz do céu, Luz radiante, 
Mais humana e mais doce 
E irmã dos Poetas 
Que a voz trovejante 
    Dos profetas 
       Solitários. 

                        3 

A divina alvorada 
    Trazia 
Lírios no regaço 
E rosas. 
Natal. Primeiro passo 
Da secular Jornada, 
Era um canto de Amor 
A anunciar Calvários, 
A impor a Esperança 
À Terra amargurada, 
Às horas dolorosas 
Aos Gólgotas de dor 
Da longa travessia. 
– Seriam sangue 
    Redentor 
As rosas. 
Os lírios 
Aleluia. 

Augusto Casimiro, in Momento na Eternidade'

 

VOZ DAS LÁGRIMAS

 

Que belos são os olhos marejados, 
– Ó meu Amor – de lágrimas!... Parece 
Que sobre os nossos olhos extasiados 
Toda a Beleza e toda a graça desce... 

Que numa lágrima somente, – abraço 
Infinito e divino, – os altos céus 
A nossa alma e a vastidão do espaço, 
Se beijam, fundem, – realizam Deus... 

Deixa correr as lágrimas…Só vêem 
Aquelas almas lúcidas que têm 
Os olhos claros, doces, de chorar... 

Almas de Amor, sem voz que diga tudo, 
Deslumbradas de céu, num gesto mudo, 
Choram... 

E o Pranto é um modo de falar... 

Augusto Casimiro, in Antologia Poética'

 

VELANDO

 

Junto dela, velando... E sonho, e afago 
Imagens, sonhos, versos comovido... 
Vejo-a dormir... O meu olhar é um lago 
Em que um lírio alvorece reflectido... 

Vejo-a dormir e sonho... Só de vê-la 
Meu olhar se perfuma e em minha vista 
Há todo um céu de Amor a estremecê-la 
E a devoção ansiosa dum Artista... 

– Nuvem poisada, alvente, sobre a neve 
Das montanhas do céu, – ó sono leve, 
Hálito de jasmim, lírio, luar... 

Respiração de flor, doçura, prece... 
 – Ó rouxinóis, calai! Fonte, adormece!... 
Senão o meu Amor pode acordar!... 

Augusto Casimiro, in 'Antologia Poética' 

 

DO PRIMEIRO REGRESSO

 

Escuta, meu Amor, quando eu voltar 
De tão longe, e avistar de novo o Tejo, 
O meu Restelo que em saudades vejo 
Como outra nova Índia a conquistar; 

Quando a minha alma inquieta sossegar 
Este voo indomável, num adejo, 
E o amor e o céu e Deus, vivos num beijo, 
Iluminarem todo o nosso lar; 

Quando, meu Santo Amor, voltar o dia 
Do primeiro regresso, e a aleluia 
Madrugar tua alma anoitecida... 

Hás-de embalar-me sobre o teu regaço 
Arrolar, encantar o meu cansaço... 
E então será o meu regresso à Vida! 

Augusto Casimiro, in Primavera de Deus