Augusto Casimiro dos Santos nasceu a 11
de Maio de 1889,
em Amarante, localidade onde
fez os seus estudos primários e liceais. Aos 16 anos, tendo escolhido a
carreira militar, assentou praça no Regimento
de Infantaria de Coimbra. Frequentou então estudos universitários em
Coimbra e, depois, o Curso de Infantaria da Escola
do Exército, de que saiu graduado em 1909.
Cedo se revelou como poeta e cronista,
estreando-se como autor em 1906 e
iniciando a sua colaboração na imprensa periódica na década
de 1910. Também por esta altura aderiu aos ideais republicanos.
Como tenente, participou no Corpo
Expedicionário Português enviado
à Flandres (1917-1918)
na sequência da entrada de Portugal como Estado beligerante na
Grande Guerra. Foi condecorado com a Cruz de Guerra, fourragère da
Torre e Espada, Ordem de Cristo, medalha de Ouro de Bons Serviços,
Military Cross, Legião de Honra, Ordem de Avis e Ordem de Santiago e
promovido a capitão durante a campanha.
Após o termo da Grande Guerra, leccionou no
Colégio Militar, sendo de seguida integrado como adjunto a campanha que
visava a delimitação da fronteira entre Angola e
o então Congo Belga,
trabalhando sob a direcção de Norton
de Matos, então Alto Comissário da República em Angola. Nesse período foi
Governador do Distrito do Congo e Secretário Provincial e Governador
interino de Angola (1923-1926). Regressou a Portugal em consequência do Golpe
de 28 de Maio de 1926.
Este período de permanência em Angola, levou-o a
escrever largamente sobre temática de carácter colonial.
Ligado aos movimentos de oposição republicana à Ditadura
Militar instaurada em 1926,
participou na chamada Revolta
da Madeira (1931),
sendo então demitido do Exército e, entre 1933 e 1936,
desterrado em Cabo Verde. Foi
reintegrado em 1937, após o que
passou à reserva.
Manteve a sua ligação à oposição democrática ao Estado
Novo, tendo integrado o Movimento
de Unidade Democrática em
apoio à candidatura presidencial de
Norton de Matos.
Manteve grande actividade literária, publicando
em múltiplos periódicos, com destaque para as revistas A
Águia e Seara
Nova, e também se encontra colaboração da sua autoria nas revistas Serões
[2] (1901-1911), Amanhã [3] (1909)
e Atlântida
[4] (1915-1920).
A sua vasta obra inclui poesia e prosa que vai da ficção, ensaio histórico
e memorialismo aos estudos e artigos de intervenção política. Privou,
entre outros, com Teixeira
de Pascoaes (seu
conterrâneo), Jaime
Cortesão e Raul
Proença.
Augusto Casimiro faleceu a 23
de Setembro de 1967,
em Lisboa.
VIVER!
Viver!... E o que é a Vida?...
– Atento, escuto A primitiva e alta profecia… E a escutá-la, a
sonhar, vou resoluto, Por caminhos de Amor, com alegria! E vivo! E
na minh ‘alma, a uma a uma, Como num quebra-mar de encantamentos,
Sinto as ondas bater, – ondas de espuma, ... Evocações, memórias,
sentimentos...
Amo! – No meu Amor vivo a infinita, A suprema
Beleza, – sou amado!... E, pelo Sol que no meu peito habita, Luto!
Sinto o Futuro à nossa espera, Vivo, na minha luta, o meu Amor!...
E sinto bem que a eterna Primavera A alcançaremos só por nossa Dor!
Sofro! E no meu sofrer, nesta ansiedade Com que os meus olhos fitam o
nascente, Em devoção, em pranto, em claridade, – Sonha o meu
coração de combatente...
Sofrer, lutar, amar –, vida completa,
Piedosa, humilde e só de Amor ungida – Meu coração de amante e de
Poeta Sente em si mesmo o coração da Vida!... Sonho exaltado e
puro, Amor tão grande, Que me domina todo e me levanta Às regiões
em que o sentir se expande, E o coração da Vida sonha e canta!
Vida profunda emocionando mundos, Lágrimas que nos falam de ventura,
Olhos de amado, olhos de amar, profundos Olhos de devoção e de
ternura!... Olhos que em tudo sentem a Beleza, A perfeição e o
Amor de Ela, Amor em que se exalta a natureza, A fonte, a névoa, a
flor, a rocha, a estrela!...
Amor que tudo envolve e em que
repoisa O Mundo num regaço de emoção, E em que se funde a mais
humilde coisa Ao mais sublime e forte coração!... Vida que num
sorriso se condensa, Num beijo puro sobre um puro olhar, Que se
sorri, se beija… E rude, imensa, Em plena luta sabe triunfar!...
Vida piedosa e fraternal, – erguida Ao sol, a abençoar e a redimir –
E que batalha e vence – pela Vida As vitórias radiantes do
Porvir!...
Augusto Casimiro, in A Evocação da Vida'
NATAL
1 A voz clamava no Deserto.
E outra Voz mais suave, Lírio
a abrir, esvoaçar incerto, Tímido e alvente, de ave Que larga o
ninho, melodia Nascente, docemente, Uma outra Voz se erguia...
A voz clamava no Deserto...
Anunciando A outra Voz que
vinha: Balbuciar de fonte pequenina, Dando
À luz da Terra o seu primeiro beijo... Inefável anúncio, dealbando
Entre as estrelas moribundas.
2
Das entranhas profundas Do Mundo, eco do
Verbo, a profecia, - À distância de Séculos, - dizia,
Pressentia Fragor de sismos, o dum mundo ruindo,
Redimindo Os cárceres do mundo...
A voz dura e ardente
Clamava no Deserto...
Natal de Primavera, A nova Luz nascera.
Voz do céu, Luz radiante, Mais humana e mais doce E irmã dos
Poetas Que a voz trovejante Dos profetas
Solitários.
3
A divina alvorada Trazia Lírios no
regaço E rosas. Natal. Primeiro passo Da secular Jornada,
Era um canto de Amor A anunciar Calvários, A impor a Esperança
À Terra amargurada, Às horas dolorosas Aos Gólgotas de dor Da
longa travessia. – Seriam sangue Redentor
As rosas. Os lírios Aleluia.
Augusto Casimiro, in
Momento na Eternidade'
VOZ DAS LÁGRIMAS
Que belos são os olhos marejados, – Ó meu
Amor – de lágrimas!... Parece Que sobre os nossos olhos extasiados
Toda a Beleza e toda a graça desce...
Que numa lágrima somente, –
abraço Infinito e divino, – os altos céus A nossa alma e a
vastidão do espaço, Se beijam, fundem, – realizam Deus...
Deixa correr as lágrimas…Só vêem Aquelas almas lúcidas que têm Os
olhos claros, doces, de chorar...
Almas de Amor, sem voz que diga
tudo, Deslumbradas de céu, num gesto mudo, Choram...
E o
Pranto é um modo de falar...
Augusto Casimiro, in Antologia
Poética'
VELANDO
Junto dela, velando... E sonho, e afago
Imagens, sonhos, versos comovido... Vejo-a dormir... O meu olhar é um
lago Em que um lírio alvorece reflectido...
Vejo-a dormir e
sonho... Só de vê-la Meu olhar se perfuma e em minha vista Há todo
um céu de Amor a estremecê-la E a devoção ansiosa dum Artista...
– Nuvem poisada, alvente, sobre a neve Das montanhas do céu, – ó
sono leve, Hálito de jasmim, lírio, luar...
Respiração de
flor, doçura, prece... – Ó rouxinóis, calai! Fonte, adormece!...
Senão o meu Amor pode acordar!...
Augusto Casimiro, in 'Antologia
Poética'
DO PRIMEIRO REGRESSO
Escuta, meu Amor, quando eu voltar De tão
longe, e avistar de novo o Tejo, O meu Restelo que em saudades vejo
Como outra nova Índia a conquistar;
Quando a minha alma inquieta
sossegar Este voo indomável, num adejo, E o amor e o céu e Deus,
vivos num beijo, Iluminarem todo o nosso lar;
Quando, meu
Santo Amor, voltar o dia Do primeiro regresso, e a aleluia
Madrugar tua alma anoitecida...
Hás-de embalar-me sobre o teu
regaço Arrolar, encantar o meu cansaço... E então será o meu
regresso à Vida!
Augusto Casimiro, in Primavera de Deus
|