A vida social em Lisboa é triste e enfadonha, mesmo
quando a este respeito se compara a capital com as maiores cidades
espanholas. Não se dão passeios nem se sai para passear, não há um Prado
onde uma pessoa se possa diariamente mostrar em público, em geral
nenhuns jardins ou casas públicos onde se possam arranjar partidos e
mesmo o belo rio está desaproveitado. De uma forma geral o luxo é muito
escasso, não se vêem sequer boas carruagens e os coches que os abastados
naturalmente possuem estão equipados como os maus coches espanhóis,
sendo puxados por mulas. A mania de se ter muitos criados, que é o pior
que um país pode ter, é também aqui dominante. Andam pobremente vestidos
e têm uma comida péssima, arroz quase todos os dias. Os nobres fecham-se
nos seus círculos familiares e a Corte extraordinariamente sossegada
quase não interfere aí. Passam uma parte do ano nas suas quintas, em
Agosto e Setembro vão para Sintra onde têm de se aproximar ainda mais
uns dos outros. Onde os mais nobres da cidade se reuniam era típico
dançar ao som de um violino. De uma forma geral os portugueses não
gostam da dança, que raramente se vê também entre o povo vulgar, apenas
nas feiras é por vezes dançada uma fofa ou uma seguidilla
espanhola, que os autores de livros de viagens frequentemente confundem
com o muito mais artístico fandango. Para os estrangeiros e para
os portugueses nobres, por exemplo os ministros, foi construída uma
assembleia pública (long room) onde se reúne a sociedade e onde
se dança todas quintas-feiras. No entanto isto faz parte das distracções
dos estrangeiros, que aqui formam um estado próprio. Para as classes
mais baixas existem pecialmente os cafés (lojas), existindo
vários, muitas vezes em número considerável, em cada rua. São pequenos,
mal mobilados, sujos, toma-se café miserável, um mau ponche e outros
refrescos. Em Portugal o chocolate é por todo o lado mau, está misturado
com uma gordura detestável e não é de longe tão habitual e bom como em
Espanha. Há apenas um café tolerável que é frequentado por pessoas de
condição e naquela época conseguia-se tudo o que se queria, com uma
qualidade óptima. A classe mais baixa diverte-se nas abundantes tavernas
onde é vendido um vinho tinto que nos arredores de Lisboa é muito mau.
Aqui, como em Espanha, observei que os habitantes nunca se habituam ao
vinho, ficam, isso sim, bêbedos com uma quantidade que um alemão ou um
inglês, depois de uma curta estada nestas terras, despeja de um trago
sem depois sentir os efeitos.
Dos principais divertimentos dos portugueses faz
parte a ópera italiana, que é muito apoiada não apenas pela Corte, mas
também por muitos particulares. Naquela época era a todos os títulos
magnífica, tinha cantores que faziam com que todas as outras óperas
parecessem totalmente insípidas. Os melhores cantores recebeu-os de Roma
na época em que os franceses invadiram aquela cidade e os castrados da
grande ópera emigraram. Crescentini fazia sombra a todo os restantes. Os
nomes só diriam alguma coisa àqueles que conheceram Itália, a pátria da
música, antes da sua ruína. Em Lisboa as mulheres não podem pisar o
palco e aqui, onde são bem substituídas por castrados, não se perde
muito mais do que um jogo da fantasia, que porventura enganará o
discernimento. Confesso que a ópera em Lisboa constituiu o meu
divertimento favorito. A casa é grande e bonita, a arrumação excelente,
a atenção dos zeladores por forma a que cada uma das pessoas se sente no
lugar que lhe pertence é exemplar. Por vezes são mesmo apresentadas
pequenas operetas portuguesas, geralmente farsas em forma de epílogos,
ficando a língua portuguesa muito bem na boca italiana de Zamparini.
Mas para além do teatro da ópera, Teatro de S.
Carlos, existe ainda uma companhia portuguesa no Teatro do Salitre. A
casa encontra-se numa viela pequena e estreita, por detrás do passeio
público, é muito mais pequena que a ópera, especialmente muito estreita,
e é também pouco frequentada pelos nobres. Em face destas circunstâncias
é de esperar pouca coisa. Também aqui as mulheres não podem pisar o
palco, os seus papéis são feitos por homens, que mal conseguem ocultar a
barba. Além disso os actores são em parte artesãos, um sapateiro, que de
dia trabalhava no seu ofício, fazia entre outros o papel cómico de um
velho e não era o pior dos actores. Maioritariamente apresentam-se
traduções do italiano, mais raramente imitações de peças de outras
línguas e ainda mais raramente originais. No entanto eu próprio nunca
vi, ou vi anunciado neste palco, o gracioso português. Todos os
dramas e peças sérias são maus ou mal apresentados. Não há nada de mais
detestável do que os papéis dos primeiros e das primeiras amantes deste
teatro. Os epílogos são farsas miseráveis, quase piores ainda que os
sainetes espanhóis, a tonadilia não é aqui conhecida. Entre as comédias
maiores existem porém algumas que não são totalmente destituídas de
mérito, a nação tem em geral uma grande inclinação para a graça e para a
sátira, a língua é muito bem moldada para exprimir o divertido e o
engraçado. Vi com muito prazer uma imitação do Brother of Jamaica,
de que existe também uma versão alemã com o título O Primo de Lisboa
(67). Esta peça tem inscrita a data de 1798 e é uma descrição animada de
uma família lisboeta nobre mas arruinada, está cheia de alusões
inteiramente certeiras, é desempenhada com muito humor e, muito embora
sejam imitação, os planos são contudo locais e originais nas suas
referências. Alguns papéis foram particularmente bem desempenhados. Mas
não será porventura uma prova de que a arte de representar tenha feito
grandes progressos o facto de os papéis cómicos, lacaios e criadas serem
bem desempenhados.
Perto deste teatro fica também a praça onde são
realizadas as touradas. É uma praça medianamente grande, quadrada,
rodeada de um muro e bancos de madeira. De um lado encontram-se
camarotes para os nobres e um para o magistrado que superintende ao
espectáculo, o corregedor. Os restantes lugares estão divididos em duas
zonas, a sombra, mais cara, e o sol, mais barato, compõem-se de maus
bancos de madeira, construídos uns atrás dos outros em forma de
anfiteatro. Assisti muitas vezes a este espectáculo e tenho no entanto
de confessar que o número de nobres era sempre muito pequeno e o das
mulheres insignificante, estando a praça sempre a abarrotar, por outro
lado, de pessoas das classes média e baixa. No Verão há touradas quase
todos os domingos e numa tarde são muitas vezes mortos entre 12 e 15
touros, no Inverno porém este divertimento cessa completamente. Alguns
dias antes da corrida, os participantes costumam anunciá-la por meio de
desfiles de cavalos, como os cavaleiros do circo na Alemanha. Pouco
antes da lide fazem-se igualmente todo o tipo de desfiles na praça, com
soldados mascarados, cavalos magníficos, que dobram os joelhos e fazem
poses semelhantes. Antes também se largam algumas vacas na praça, que se
acossam e picam, sem que contudo se matem. Os touros destinados à
corrida são antes enfurecidos e picados à entrada da praça numa zona
especial. A todos se embolam as pontas dos cornos, daí que raramente
possam provocar danos; não obstante, naquela época um touro maltratou de
tal forma um toureiro que este acabou por morrer na sequência dos
ferimentos. No início da tourada um homem abre as portas de modo a ficar
por detrás das mesmas. O touro sai de rompante e ataca de imediato o
toureador a cavalo, que se colocou mesmo em frente das portas; este
procura habilidosamente esquivar-se do embate e, ao mesmo tempo, desfere
uma estocada no animal com a sua lança. Não vi nenhum caso em que o
touro, neste primeiro embate, fosse atingido de morte nos lombos. Se
esta primeira estocada falha, então o cavaleiro não pode matar o touro.
Outro cavaleiro e muitos toureiros a pé acossam o touro de todos os
lados, impedindo-o assim de perseguir continuamente apenas um deles.
Este é um espectáculo cruel. Espetam-se-lhe picos, dependuram-se-lhe
bocados de madeira quadrangulares com afiados ganchos de ferro, muitas
vezes em quantidade tal que o sangue abundantemente corre do corpo do
animal. Não há nada de belo nesta luta, a não ser quando o touro no
início sai enfurecido de rompante ou quando às vezes se coloca no meio
da praça, esgravata a terra e muge em desafio. Mas também não há nada
mais desagradável do que ver um touro manso e frouxo, que só com
dificuldade se deixa atrair para a luta. No final o presidente dá um
sinal para matar o touro. Um capinho (assim se chama a esta gente
porque uma peça importante para eles é a capa) ataca então o touro a pé
com uma espada desembainhada. Tenta provocar o touro por forma a que
este ataque, já que de outro modo não o pode matar. Visto que qualquer
estocada de lado ou detrás não seria honrosa para ele, agita a capa
vermelha frente ao touro, este toma balanço, baixa a cabeça para
descarregar a sua fúria na capa e nesse momento recebe o golpe mortal no
cachaço. Raramente o golpe tem sucesso à primeira, frequentemente tem de
ser repetido, às vezes o capinho larga a sua capa. Geralmente o habitual
meio de ajuda numa situação destas consiste em lançar um lenço ou
qualquer coisa semelhante ao touro, de que ele de imediato se tenta
livrar, deixando fugir a pessoa.
Como estou a falar de diversões não posso esquecer a
religião, que na Península ocupa entre estas um lugar de destaque.
Vai-se à missa porque não se tem outro passeio, gosta-se das cerimónias
religiosas porque se procura passar o tempo, seguem-se as procissões
como quem vai à ópera. Em todos os relatos de viagens em Portugal se
fala das histórias amorosas a que a missa dá azo e, como é habitual,
também aqui se exagera. Como as jovens raparigas quase não saem de casa
a não ser para ir à missa, é de esperar que aí o amor não perca a
oportunidade única de mostrar o seu poder, é natural que especialmente a
donzela para sempre ame os locais onde pela primeira vez experimentou as
emoções do amor e devoção. No campo, o motivo de um passeio à noite é
muitas vezes uma imagem de Nossa uma pessoa ajoelha-se, reza, levanta-se
e ri-se e namora-se como antes. Em geral os portugueses observam com
muito rigor o lado exterior da religião, talvez mais do que os
espanhóis. Quem come carne na Quaresma tem mesmo de ser muito instruído.
Ouvi com prazer uma vez que
a questão foi lançada: seria maior pecado comer carne na Quaresma ou
infringir o sexto Mandamento? A conclusão em termos gerais foi que o
último pecado seria uma ninharia em relação ao primeiro. Não obstante, a
nação e mesmo o povo mais vulgar não é tão fanático como em Espanha.
Podia contar uma série de coisas a este respeito, mas contento-me apenas
com algumas. Assisti em Setúbal a uma procissão onde dois capitães de
navios, um inglês e um dinamarquês, ao passar o Espírito Santo não
tiraram o chapéu. Ninguém se preocupou com o caso, apenas um marinheiro
português perguntou: quem são aqueles ali com os chapéus na cabeça? São
ingleses, fideputas, replicou o outro, e com o palavrão a coisa
ficou resolvida. Quando o príncipe de Waldeck foi sepultado, ouvi dizer
a um homem do povo: era um herege, mas um muito bom homem. Em
seguida misturei-me com a multidão e não ouvi senão louvores e elogios
ao amável Príncipe que foi precisamente levado para o cemitério
protestante, soube mesmo que ele declinou o habitual convite para se
tornar católico que lhe foi feito à hora da morte e verifiquei que, para
meu grande espanto, esse acto obteve de um modo geral a aprovação de
todos, na medida em que cada pessoa deveria viver e morrer na sua fé. O
português considera qualquer estrangeiro um herege e é atencioso e
prestável para com ele, chega mesmo a admirar-se quando vê estrangeiros
católicos. Este traço mostra já como a nação, provavelmente em virtude
do seu contacto com os ingleses, perdeu o seu fanatismo há muito tempo.
A tendência dos portugueses para observar apenas o
cerimonial religioso deve-se também manifestamente a esta atitude não
fanática e simultaneamente a alguns bons hábitos desta nação. Mesmo quem
tem pouco dinheiro compra a licença para trabalhar em dias feriados, daí
que não seja raro verem-se em dias feriados extremamente importantes os
campos e as vinhas cheios de trabalhadores nos arredores de Lisboa. Em
relação aos negócios públicos, o domingo é festejado de uma forma muito
mais rigorosa em Londres do que em Lisboa. Decerto que esta tendência do
povo tem contudo desvantagens muito maiores. Fica deste modo sempre
ignorante, um joguete de um clero igualmente ignorante. O último governo
de uma Rainha fraca e devota fez tudo para apoiar o prestígio deste
clero, e o facto de a fúria da Inquisição se ter contentado, como antes,
apenas em refrear o clero e em atacar escritores indefesos tem de se
atribuir ao espírito da nação e da época. Agora, talvez por causa do
medo das revoluções, convém ao Governo que o povo esteja nas mãos do
clero, mas ele deveria ponderar o facto de Portugal e a Espanha terem os
seus Chabots (68).
A falta total de Luzes não é porventura tão má como
as meias-Luzes. Acreditar-se-á que os monges mais cultos em Portugal, os
padres do Oratorium (trocistamente chamados manugregos), são os
mais ferozes e intolerantes perseguidores de hereges? Quererão ter o
monopólio de todo o saber e assim fomentar a estupidez? O confessor da
Rainha, D. Francisco Gomes, é desta congregação e é bem conhecido.
(Capítulo XIX de «Notas de uma viagem...») |