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FILOMENA BARATA |
Filomena Barata. Angola
(1957). Licenciada em História pela Faculdade de Letras de Lisboa,
concluiu o Mestrado de Arqueologia na Faculdade de Letras do Porto, em
1997. É actualmente, desde 2016, Técnica Superior do Museu Nacional de
Arqueologia da Direcção Geral do Património Cultural. É
responsável pela página Lusitânia:
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AS ESPÉCIES ANIMAIS E VEGETAIS DE MIRÓBRIGA E SUAS REFERÊNCIAS NA
LITERATURA LATINA
Maria Filomena Barata
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Desenhos: Marcos Oliveira (à excepção do
sobreiro - a tinta da china - do ilustrador científico Pedro Salgado).
Ao Marcos Oliveira agradeço a cedência dos restantes, para efeito
de publicação. A todos os que me animaram a continuar este trabalho o meu
agradecimento.
Filomena Barata
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MARIA FILOMENA BARATA [2] & RENATO NEVES [2]
Miróbriga: uma nova maneira de olhar o património
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Conscientes
de que umas ruínas devem, para além do seu intrínseco valor científico e
patrimonial, como testemunhos do Passado, assumir, no Presente, uma
estreita relação com o meio e o ambiente onde se inserem, decidiram os
autores [3] deste trabalho promover um conjunto de estudos que pretendem
realçar a importância paisagística e paleo-ambiental de um Sítio
Arqueológico com as características de Miróbriga. Isto porque, pese o
reconhecido valor de um bem cultural como é Miróbriga, é fundamental não
encarar hoje esses vestígios arqueológicos como meros “fetiches da
memória” ou apenas como um objecto passível de estudo por parte de um
grupo de especialistas, que será posteriormente musealizado ou
museografado, mas também como um local de silêncio, de lazer, de
bem-estar, onde a paisagem, também ela humanizada, nos murmure a relação
estreita que sempre existiu entre o Homem e a Natureza. Temos presente que
essa íntima relação sofreu grandes ameaças, - podendo-se quase falar de
ruptura, como bem o demonstraram alguns dos desastres ecológicos a que
assistimos - devido ao acelerado crescimento demográfico e económico a
que, desde o século passado, se assistiu. Assentando o seu desenvolvimento
na consolidação de uma forte produção industrial com o consequente
exacerbado consumo de bens, colaborou no esgotamento de muitos dos
recursos naturais.
Por outro lado, as perturbações políticas, sociais e ideológicas que
atravessaram todo o século XX contribuíram também para uma instabilidade
galopante, tão, ou mesmo mais, intensa do que o bem-estar produzido pela
democratização dos valores ou dos bens de consumo. Isto porque, nem
qualquer dos regimes políticos conhecidos, nem os novos avanços
tecnológicos conseguiram ainda resolver totalmente duas questões
fundamentais: a partilha mais equitativa dos recursos e um crescimento
mais concertado, que permita uma convivência mais harmoniosa entre os
seres orgânicos ou inorgânicos que partilham a vida na Terra.
É assim que o Passado, a História e, portanto, o Património Cultural e
Ambiental se tornaram como que uma espécie de "valor vital", com uma
importância imprescindível para o equilíbrio de uma sociedade em
permanente mutação. Desde sempre, é óbvio que sim, o Homem interferiu na
Natureza.
É aliás essa intervenção que o distingue dos outros animais, moldando a
Cultura. O desenvolvimento das sociedades alterou em muito os ecossistemas
outrora implantados, originando aquilo a que se pode chamar o “Ecossistema
Humano”. Só que esse processo viveu durante milénios de um maior
equilíbrio entre os Homens e as regiões onde habitavam, pois constituía a
base da sua sobrevivência.
A cidade romana de Miróbriga e o aglomerado pré-romano que a precedeu são
disso um exemplo. Do xisto e no xisto os Homens proto-históricos
construíram um povoado fortificado, erguendo muralhas. Dentro dos seus
muros edificaram casas, aproveitando as pedras que havia nas zonas
limítrofes. Em época posterior, os Romanos ocuparam esse mesmo local,
tornando-se incomparavelmente maior a área edificada. Cortando e aplanando
a rocha edificaram patamares artificiais sobre os quais se construiu uma
cidade em socalcos. Na zona mais baixa, e aproveitando possivelmente os
recursos hídricos, implantaram uns balneários para homens e mulheres, pois
os artefactos encontrados assim permitem pensar. Estruturaram bairros onde
os habitantes viviam e as zonas comerciais onde se transaccionavam os
produtos. Intervieram e transformaram o território envolvente, fomentando
uma produção agrícola mais intensiva e introduzindo novas espécies.
Desenvolveu-se o cultivo das oliveiras, cuja descoberta os Romanos,
alterando a versão do mito grego, atribuem à deusa Minerva, das árvores de
fruto e da vinha. À volta de Miróbriga, cujos vestígios dispersos ocupam
uma área de aproximadamente 10 ha, instalaram-se casas agrícolas,mantendo
uma exploração agrícola que se pode assemelhar à de uma pequena uilla romana.
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Desenvolveu-se a exploração mineira e a
actividade metalúrgica, como se pode comprovar da concentração de escória
de ferro em quase todo o aglomerado urbano. De Miróbriga ou da sua vida
nos falam agora os seus vestígios arqueológicos, as suas construções
arruinadas, os textos gravados em inscrições e ainda algumas possíveis
reminiscências na paisagem que a envolve. Mas cada uma das suas pedras,
cada fragmento de telhado, um pequeno objecto cerâmico ou metálico, cada
pássaro que canta empoleirado nos seus muros derruídos ou nas árvores,
cada serpente que se esconde ou aranha que partilha dos seus recantos ou a
vegetação que aí foi crescendo é mais um testemunho que contribui para
melhor conhecer o aglomerado urbano, bem como a dinâmica que se gerou em
seu redor, ao longo dos séculos, após o seu abandono. É, portanto,
partindo do princípio que todos esses vestígios patrimoniais poderão
contribuir, por um lado, para a sobrevivência das memórias e, por outro,
colaborar na vivificação das paisagens humanizadas e na
recriação/requalificação dos espaços e dos ambientes em que se inserem,
que tentaremos que Miróbriga assuma uma outra dinâmica. Neste sentido, e
inserido num conjunto mais vasto de acções que têm em vista a valorização
do Sítio Arqueológico, realizou-se um estudo detalhado da fauna e flora
que incluiu, numa primeira fase, a inventariação das espécies presentes e
a sua relação com a área actualmente propriedade do Estado Português. |
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Rabirruivo
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Este estudo pretendia identificar eventuais pontos de conflito entre os
trabalhos arqueológicos, a gestão do sítio e as espécies presentes,
salvaguardando os locais de ocorrência, abrigo ou criação. Por outro lado,
esta inventariação possibilita que, pelo menos ao nível das espécies mais
facilmente observáveis, seja viável disponibilizar meios informativos que
divulguem a temática ambiental de uma forma directa, tendo sido para o
efeito produzidas ilustrações e textos de divulgação que, no futuro,
apoiarão os visitantes no local. Durante os trabalhos verificou-se uma
diversidade faunística notável do sítio, particularmente ao nível das
aves, que beneficiam da existência e interpenetração de ambientes
diversificados, pertencentes ao domínio do montado, prados, horta,
silvados e meio saxícola constituído pelas estruturas rochosas das ruínas.
Sendo a paisagem envolvente a Miróbriga o resultado de uma longa
intervenção humana, o estudo não poderia deixar também de abordar a sua
evolução histórica, bem como algumas das suas consequências, cujos
exemplos mais eloquentes serão o desaparecimento do lobo, na alvorada do
nosso século, e a presença reliquilial do lince nos dias de hoje, cuja
sobrevivência, no século que em breve se inicia, é duvidosa. Deste modo, o
visitante ao dominar a paisagem do alto da colina do forum tomará
também consciência que, dos fundadores da Cidade Antiga até si, grandes
transformações atravessaram o Sítio, e que actualmente, mais do que nunca,
é necessário olhar os recursos naturais como um bem colectivo. O estudo
contribuirá ainda para apoiar a elaboração de propostas de promoção da
biodiversidade no local, com o recurso à reconversão da área hortícola
actualmente abandonada, para a qual se prevê a recuperação das estruturas
de rega tradicionais, bem como o plantio de árvores de fruto típicas das
áreas adjacentes aos Montes e Casais da Serra e Charneca de Grândola, as
quais constituem um recurso alimentar importante para as comunidades de
aves frugíferas e micromamíferos.
Paralelamente, foi efectuado um levantamento bibliográfico dos autores
latinos que se referiam a espécies animais e vegetais com características
das que actualmente sobrevivem no território de Miróbriga, bem como das
divindades greco-latinas que tinham como atributo algumas dessas entidades
naturais e/ou na história mitológica relações íntimas com elas.
Está também em curso um levantamento comparativo dos materiais
arqueológicos encontrados em território nacional, em cuja iconografia se
encontram representadas essas espécies. Assim se conhecerá algumas das
raízes insuspeitas que nos ligam ao Mundo Antigo: os Mochos (Athene
noctua)
que se abrigam nas oliveiras de Miróbriga, foram o símbolo da deusa Atena,
divindade da inteligência ponderada, introdutora da oliveira na Grécia
Antiga, árvore da paz, que simboliza o triunfo da Civilização. A Cobra que
gozou o sol sobre a ara de Esculápio encontrada em Miróbriga e que era
símbolo dessa mesma divindade, o patrono da Medicina; o touro,
representado num silhar de uma das tabernas de Miróbriga, que nos fala de
um poder fertilizante milenar que os romanos tão bem souberam adaptar às
exigências de uma nova civilização, cuja ideologia imperial necessitava de
símbolos eternos. Cremos que numa perspectiva regional seria de todo o
interesse transportar o exemplo de Miróbriga para outros sítios históricos
ou arqueológicos do Alentejo, criando uma rede de percursos ou itinerários
temáticos, onde o Património Natural e Cultural fosse abordado no seu
conjunto. Permitindo uma visão integrada do território, destinada a ser
usufruída por uma multiplicidade de públicos, viabilizar-se-ia assim a
multiplicação de actividades económicas ligadas ao turismo e eco-turismo,
em áreas afastadas dos tradicionais pólos regionais de atracção turística.
Se esta abordagem é válida e tem sido posta em prática nos mais variados
locais do mundo, não o será menos no Alentejo, onde as villas romanas
repousam sobre estepes cerealíferas, nas quais nidificam algumas das mais
belas aves do continente europeu, e nos montados onde, misteriosos,
emergem menires e antas, se alimentam durante o Inverno os grous, que
retomam na Primavera as taigas boreais. Quilómetros de vias férreas
abandonadas, esperam o estabelecimento de ciclovias ligando lugares
interessantes afastados de IP´s e auto-estradas. Aldeamentos mineiros,
montes e pequenos povoados arruinam-se sem que, senão muito pontualmente,
como é a experiência em curso no Lousal, se procurem alternativas à sua
ocupação e rentabilização. Estas acções carecem da realização de estudos
fiáveis, relativamente à compatibilização dos diversos usos e sua gestão
para os fins pretendidos, bem como a produção de materiais de divulgação e
interpretação, onde a qualidade gráfica e informativa deverá ser
assegurada de forma coerente. Urge, pois, que se desenvolvam com a
administração central, as autarquias e os vários agentes económicos,
estratégias concertadas de desenvolvimento sustentado que permitam,
preservando o Passado, salvaguardar o Futuro. Que dos Antigos nos fique
essa lição: entre o Homem, o Divino e a Natureza não pode haver separação.
Ver: http://mirobriga.drealentejo.pt/
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[1] Responsável pelo Programa de Valorização de Miróbriga até 2008 e
Responsável por um projecto de investigação até à actualidade. Assessora
do IGESPAR. [2] Responsável pela coordenação do estudo da fauna e da flora
de Miróbriga, através da empresa Mãe d’Agua. [3] O estudo da fauna e da
flora foi iniciado em 1998, a expensas do IPPAR, entidade a que estava
afecto o Sítio Arqueológico de Miróbriga. Para a sua execução contaram os
signatários com a colaboração do arquitecto paisagista Mário Fortes, da
D.R. Lisboa do ex-IPPAR.
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