APRESENTAÇÃO DA TRANSCRIÇÃO DA ORAÇÃO INAUGURAL DO MUSEU PACENSE (1791)
Alexandra Nascimento (1)







B.P.E., Manizola, Cod. 75, Nº 19

/fl.1/ Dita a 15 de Março de 1791 em Beja com grande aplauzo
Oração do Muzeo
Exmo. Rmo. Sr. Magistrado, Protecttores, hospedes etcª.
humanissimos estimaveis estudiozos

Primeiramente, Ouvintes Pacences, eu rogo a Deos Jmmortal para que quanta affeição tiverão vossos antepaçados \cuja memoria hoje honro/ ás Artes, Sciencias, custumes, e Religião no qual vos deixárão feliz, esclarecida, e perpetua lembrança; e por quanto seos immitadores são distinguidos entre os mortaes, no testemunho da Historia, na confição da antiguidade, e na honra da virtude: a mesma humanidade continueis a praticar com a vossa benevolencia na materia que vou a tratar. O que sendo assim, he justo me ouçais discorrer do proveito do estudo da Antiguidade Sagrada e profana, no que se eu disser couza util será conveniente abraçalla; porque falando eu para o vosso bem podeis escolher o que mais vos agradar. Certamente este tempo, Snrs, não só vos falla com a vós que todo o homem deve, e está obrigado a conservar as Memorias que seos antepassádos lhe deixarão cuidadozos, se as quizer conhecer, immitar, e honrar.

Eu não venho pois aqui comovervos por meo Discurso, mas instruirvos por exemplos: e eu vos exorto hoje não a sereis (sic) completos sabios, mas a imitar os Varões Jllustres, e espertar nos vossos corações a levantarvos de esfera em esfera e correr a radiante escada da natureza, e dos seculos passados (1)

Quando se tem por assumpto discursos mundanos em que se não pode louvar mais que o fim, difficultozo he que se não lizonge a vaidade, ou ao menos se não confunda com a virtude, e que sem reparo se não incense o mundo com os perfumes devidos a Deos. Graças a Deos, que hoje me vejo livre destas duvidas e receios. Eu falo de hum espirito abençoado /fl. 1v/ que faz hum continuo preparo para brilhantar a Sagrada Religião. Eu fallo para hum Eclesiastico que deve aparecer no mundo como Lúz que sentelha no quadro da Jgreja, dezejando aperfeiçoar a profição do seo estado na indagação da Antiguidade, e natureza para com maiores conhecimentos illustrar siencias Divinas; pois quanto maior for o trabalho, o premio será mais distincto que a muitos fáz as fadigas \mais amadas que a propria vida/ A vista da natureza, e do ingenho humano, creaturas de Deos Á vista dos Jdolos e Deoses tutelares do Jmperio, de baixo de seos proprios despojos derrubados, a vista de todos os esforços da politica do poder dos cezares de todas as subtilezas da filozofia, de todo o furor das perseguições, a vista de tudo isto, aqui vou arvorar o trofeo da Sagrada Religião. Escutai em quanto eu trabalho em seguir os passos daquelles respeitaveis \Sabios que dignamente ja disserão tudo neste Lugar./

Na lição da antiguidade, Deos Jmmortal que superioridade. Que magnificencia! Que fundamentos para a Historia Sagrada! Que artes! Que conhecimentos das Regiões e Lugares! Que homens! Que artes! Que custumes! Que erudição sagrada e humana! Que imprevistas mudanças da natureza, e dezengano do mundo!

Todas estas grandezas se comprehendem no Muzeo, e não direis que o seu estudo he somente o conhecimento da Fizica natural, dos saes, sucos oleozos, pedras, \petrificações/ christaes, Mineraes, Metaes, plantas e todas as mais produções maravilhozas da natureza: eu me esqueço de todos estes magnificos objectos, ou milhor eu os ajunto todos hum. O estudo do Museo he estudo de todas as siencias \para conhecermos a Deos e sua Religião, com utilidade nossa,/ donde provem fortes rezões para nos applicarmos a elle.

§

Com effeito, Snrs., que apinhoados conhecimentos me trás a memoria o nome de Muzeo. Elle nas producções da natureza me reprezenta a grandeza de seo Creador. \nos idolos a falcidade do gentilismo, e a verdade da nossa Religião./ Nas Jnscripções profanas, a erudição das lingoas, a historia dos seculos passados, e a noticia da fabula. Nas Sagradas Jnscripções a authoridade e poder de Moyses, as virtorias de Josue, os castigos dos impios, a fraqueza dos Jmperios, a alternativa da fortuna, o abatimento da prezumpção humana, o zelo e intrepidêz dos Martyres, e hum gloriozo argumento contra os delirios da arrogante filozofia, que duvidando das verdades, nega tudo por effeito da propria fraqueza que em si desconhece.

Que bem! Que utilidade Santa! Quantos gozarão desta magestade nas letras! A quem deveremos tantas venturas?....

/fl. 2/ Mas para onde me arrebato? para onde?.... \Levantar/

Para que possais entender, que não há eloquencia, ou alta erudição que possa, não digo augmentar ou ornar, mas sim contar a grande multidão de venturas que o Exmo. e Rmo. Sr. Bispo de Beja, Nosso Prelado que Deos guarde, tem conferido a todo Portugal, e prosegue a felicitar a sua Jgreja Pacense.

Por tantos bens se fomos nascidos de nossos Pais e creados por elles; por V. Exa. nascemos Sabios. Se elles nos derão heranças, V. Exa. as animou fazendo-as mais uteis. Se recebemos a natureza prevaricada neste seculo; V. Exa. sempre firme na Tradição Sagrada; nos tem conservado na pureza da Religião: Deos Jmmortal nos deo Lúz, V. Exa. a tem feito brilhar. Muitos mais dotes recebemos do creador que se não fosse as solicitações do amor de V. Exa; careceriamos por certo do uzo dos beneficios Divinos.

Assim util sem interesse, virtuozo sem ostentação, não segue em todas as suas acções outras regras que a sua rectidão; não olha outro fim, que a utilidade publica; não quer outro premio, que a gloria de fazer bem, e dezejar o bem que não pode fazer.

Eu suspendo os seos elogios, e trato da utilidade do estudo do Museo, mostrando-vos como S. Exa. tem excedido a todos pelo por seo zelo; tem triunfado de muitos obstaculos pela modestia; e dos abusos e presumpção so seculo pela vigilancia. Se acazo interromper a ordem do meo Discurso, perdoaime as atracções para hum objecto, que tantas faz em todos.

Eu vou tratando ora do seu zelo, ora do Museo, e quando não possa de tantos cuidados circunstanciaes o Discurso, tocarei seos principios, não por força da minha froixa eloquencia, mas pela verdade que sou obrigado propor vos.

O exemplo das virtudes e profunda erudição de V. Exa. sempre respeitavelmente admirado pelos Estrangeiros, em cujas bocas sagradas de Nações que sabem avaluar verdadeiros mericimentos, primeiro conhecia a V. Exa. do que tivesse a fortuna de o ver; são as mais agigantadas provas com que milhor autoriza Portugal a confição das suas dividas eternas. Se isto fosse vaidade, eu lhe deixaria o cuidado de \se/ coroar a propria vaidade. Mas Snrs. deixaime romper neste doce entusiasmo: que grande he a gloria de Portugal ter hum Heroe admirado nas terras extranhas, e que porto no meio da Jgreja como hũa tocha encendida brilha sobre innumeraveis luzeiros? Na verdade será esta Nação nos seos dias sempre envejada; por que assim como os seculos passados não tiverão similhante, por tanto o dezejará a sensivel posteridade. E se enfraquecermos em seos elogios, por mais que prosigão os seculos vindouros sempre lhe faltará mais que dizer de quem principiou por onde os mais acabárão.

V. Exa me ordena que discorra sobre o proveito do estudo do Museo com que liberalmente me honra, e offrece á sua Dioceze edificada com doutrina e cuidados literarios, e ao mesmo tempo me prohibe falar em V. Exa.. Por tanto eu deixarei aos bellos engenhos da gente de letras publicar as elevações do seo espirito. Deixarei às almas grandes que da erudição de V. Exa. fazem as suas delicias, gravar eterna Memoria das generosidades incomparaveis do seo profundo e humano coração. Eu sempre obrigado e distintamente /fl. 2v/ favorecido por V. Exa., por não parecerem curtas minhas expreções; confeço que não podendo alcançar o rapido voo das honras que me fáz, não chego a dizer tudo, se não por meio de hum silencio suspenço, sepultando-me no abysmo das minhas obrigações desde o tempo em que estudei as lingoas orientais no seo collegio de Jesus onde me aliancei com hum juramento sagrado, juramento fiel, acção desconhecida nos encantos humanos, e brilhante depois dos dias da vida. Aqui; Exmo. Sñr, mais dis meo silencio que minhas vozes, e lhe deverá parecer sem duvida maior pelo que calo, que pelas que disse. A posteridade o verá quando o tempo que tudo devóra dilacererar (sic) o veo que as encobre, e quando não restar outro enteresse mais que o da verdade. \Sentar/

Athe qui não falei só de minha cauza, mas tambem em geral que muitos em si tem conhecido, sendo hoje o dia em que esta Luminoza fortuna liberalmente concedida toca todos na abertura de hum estudo que he o agregado de todas.

A antiguidade sagrada a testemunha. \Entre/ os Hebreos que ricos momentos havião, Sñr.! Entremos no templo, e de pois de respeitarmos a Arca da Aliança, sagrado deposito das pedras da Ley escrita com o dedo de Deos no monte Sinai, e junto della admirarmos a Vara de Aron em memoria das rebeliões dos filhos de Jsrael, e o maná do dezerto em testemunho de os alimentar 40 annos: no dezerto voltando a vista a ella se offrecem 48 cidades do uzo dos Levitas enriquecidas de veneraveis monumentos que fazem o respeito de Jsrael para quem seos grandes Reys coroavão tambem o monte Sion com tam famoza Universidade que S. João Chrysostomo chamou

Universidade do mundo. Most. tom. 1º. fol. 136 O sacerdote Heli que ensinava os primogenitos dedicados a Deos, Samuel, Helias, Eliseo, que homens, Sñr! Elles tudo sabem, tudo podem; porem a guarda das antiguidades nas suas escóllas provão a verdadeira Religião. Religião Sagrada onde Deos mandou guardar os testemunhos dos seos \antigos/ prodigios. Religião que conservando seos antigos escritos se autoriza na mais avançada antiguidade do mundo. Tanto se empenhava seo zello a favor das letras que toda a Mocidade as estudava da idade de 6 annos nas escóllas que havião em todas as cidades e Provincias.

E se da Palestina nos transportamos á Grecia que toda esta à immitação daquella hera hum Museo: que magnificencia /fl. 3/ \Sñr/ de escollas de Athenas? Ali a Academia de Platão, o Peripato de Aristoteles, \Palladio, e Odeo/ o Museo Alexandrino que continha em si hum Templo com seo sacerdote, dotado antiguamente de incrivel riqueza, e patrocinado por Cezar e mais Jmperadores, que sendo Barbaros: pelos uteis cuidados da instrução da Republica, durão the hoje seos elogios, que justamente merecerão por acções \Fabricio fol. 658)/ sempre louvadas. Fação embora os Monarcas trofeo do seo poder, gloriem se nas suas vaidades, que o zello da felicidade publica tambem dos Barbaros honra a memoria.

O Museo da Trezena em Roma, o de Octagono em Cpoli (?) onde se mantinhão doze Mestres postos por Constantino Magno: Tudo isto, Sñr, que ouvis dizer = Muzeo = herão escollas geraes que se governavão por Mestres, e encerravão Livrarias com todo o genero de objectos em que se podia estudar. Ali, digo tudo, o milhor livro, todas as memorias dos tempos, todas as preciozidades raras da natureza, e do ingenho das siencias e artes dos homens se guardavão para nelles se aprender o que não convem ignorar.

\Legi pontius fol. 190/ No estudo das raridades dos engenhos não se considerão os metaes, e pedras nuas; mas illustradas com varias figuras, emblemas, symbolos, typos, incripçoes com que a recreação do estudo anda sempre unida. Nada ha mais agradavel do que ver os retratos dos antigos Heroes, contemplar enigmas, conhecer Tropheos, ver as façanhas e louvores deixados aos seculos: e de que nasce a utilidade de com esta lembrança excitarse o dezejo de immitar aquelles, a quem o mundo deve honra, e a posteridade veneração, e a historia o seo esplendor. Estes documentos tam respeitaveis são a testemunha dos tempos, luz da verdade, vida da Lembrança, mestra da prudencia, e correios da antiguidade, que acendem luzes da Historia, e guião para a exacta chronologia. Estes são os nobres motivos, que moverão ao Emperador Carlos 4º. a estimar a antiguidade, e com proprio exemplo ensinar seos vindouros. Os Medicis a quem as letras são eternas devedoras ensinarão a estimar a siencias; qual outro Paulo 2º. que sendo o primeiro instituidor das Academias ou Escóllas geraes, logo na primeira vista conhecia nas Medalhas de quem hera a Jmagem cunhada. Estes preciozos cuidados se extenderão tambem aquella brilhante tocha que apenas se vio logo /fl 3v/ dezapareceo digo, o Sto. Papa Clemente XIV que ajuntou aos seos estudos a gloria de edificar em Roma hum Magnifico Museo continuando por este Pontifice reinante, e enrequecido das milhares estatuas antiguas e ricas peças compradas a todo o custo, onde passei dias \me recreava/ Lendo e vendo antigas Jnscriçoes colocadas pelas suas idades, e imbutidas nas paredes daquella espaçoza casa, que para della se fazer idea, vos basta dizer que he dentro do Vaticano , onde tudo he o milhor o maior, e milhor que ha no mundo!

Ali, Snrs., se vê hum livro aberto escrito em folhas que não roe a traça do papel, nem pode contrariar a penna do Louco Filozofo. Eu não temo ajuntar o incenso iguaes louvores, \cujo/ {cujo} incenso colho do altar da verdade, á Universidade de Turim, corte de El Rey de Sardenha pois do altar da verdade colho todo o incenso que queimo sobre a memoria onde não posso decidir se aquella Universidade honra mais as Jnscrições Gregas antigas que estima dentro dos seos claustros, do que ellas acreditão. Jgual memoria \consagro/ á Universidade de Sena, que como as mais tem sempre sua livraria patente, suas raridades publicas, que tanto ellas \em si/ como seos Bibliothecarios, pelo seo belo modo encantão a todos os sabios.

Aqui, permitime, Sñr, que recolha em mim novos alentos para vos reprezentar conferindo o que só S. Exa. tem excedido a muitos ricos Monarcas, e vereis que hinda sem roubar couza algũa da lizonja ficarei devedor á verdade.

/fl. 4/ magnificencia no Museo d'Alexandria dotado antiguamente de incrivel riqueza e patrocinada por cezar e mais Emperadores, que sendo Barbaros, pelos uteis cuidados da instrução da Republica, durão lhe hoje seos elogios, que juntamente merecerão por suas acções sempre renovadas. Fação embora os Monarcas tofeo do seo poder, gloriemse nas suas vaidades, que o zello da felicidade publica athe dos Barbaros honra a memoria.

O estudo do Museo he hũa dispozição para qualquer homem ser completamente Sabio. Hũa raridade deve preparar o animo para outra raridade. Hera percizo que o Exmo. Sr. Bispo de Beja, de quem somos fortunados subditos, preparasse hum Museo para ver nascer ingenhos raros deste fecundo paiz. O ceo o destinou para ser o primeiro fundador do que elle foi o primeiro Mestre com grande estudo, e erudição muito profunda.

Emfim chega o dia que o Altissimo predestinou do principio do mundo. Aparece em Portugal hum Heroe que só dá passos para honrar os Altares do Eterno, aparece brilhando no tempo da nuvem, como hũa estrella no meio das trevas. Eu busco desde os primeiros dias do mundo hum homem que em Portugal offrecesse hum publico Museo: busco-o entre o Monarcas, entre os Prelados, entre os Nobres e ricos. Porem innutilmente o busco. O Exmo. Sñr. Bispo de Beja he o primeiro que o conhece, e o primeiro que o faz conhecer. Elle he quem primeiro faz com groças despezas transportar das trez partes do mundo desconhecidas curiozidades, busca raridades da natureza nas entranhas da terra, e ajunta toda a antiguidade dos mais remotos seculos, e entre estas fadigas elle he o primeiro que faz ouvir em Portugal estas consolantes palavras. = Eu vos offreço hum rico Museo para que tambem estudeis nelle, meo disvello merece o vosso reconhecimento = Ex aqui aquellas coizas que estavão no meio de vós, e que vós não conhecieis, he hũa lúz de conhecimentos e de saber. Essas pedras quebradas, dinheiros pizados, letras desconhecidas, e peças dezenterradas são preciozos meios que conhecendo-os vós sabereis o muito que se ignora. Que glorioza, Sñrs., que glorioza vos parece aqui a Siencia /fl. 4v/ e amor do nosso Prelado? Que singular privilegio vos parece termos tão preciozos conhecimentos dos quaes muitos carecem? O exceder os nossos antigos, e instruir os prezentes, o ser Prelado e amarnos mais do que Pai? Sim amarnos mais do que Pai. Porque que cousa há tam remota de toda a nossa utilidade que S. Exa. não tenha cuidado em dar e offrecer?

Mais illustrado, milhor inclinado que os mais, elle não se considera no grao de huma inutil authoridade vaidoza; mas sem perder o decoro, elle se considéra na caridade Apostolica, Mestre da Jgreja em todo o genero de prestimos ja na atractiva e doce palavra, ja no sabio e erudito Escrito, Logo no exemplo das virtudes, e emfim dando a todos o milhor do seo ter (?).

Entre tantos vantajozos projectos em que S. Exa. excede a todos os mortaes, prezentemente este me arrebata. Em hum Museo há hũa siencia que encerra todas as outras. Os Sabios a conhecerão mais claramente do que ao commum dos homens he permitido, e com tudo este conhecimento he raro. Os Sabios o respeitão e venerão, inda que não se possão aperfeiçoar. Quanto mais elles estudão, tanto mais dezejão saber. He hum labyrinto de encantos em que a rezão se acha e a alma se illustra, e a Religião triunfa.

S. Exa. he o primeiro para quem esta grandeza deixa de ser grandeza. Este abysmo de variedades em que o espirito humano se dilata e abstrahe, hé hum pequeno passo da sua longa carreira

Vós me pre[[ve]]nis, Srs., ja vosso espirito vos transporta dentro de hum Museo. Já vos parece \ver Jdolos por que antigamente o Demonio forão oraculo vivo./ ler as antiguas Jnscrições, ver Urnas, ver gigantescos pedaços de colossos cuja perfeição faz saudozo dezejo dos restos que não aparecem, entender Medalhas, e contemplar peças exquizitas na natureza na Arte, admirar as diversas produções da natureza, sua força ligada na perturbação dos monstros, e sua belleza na ordem perfeita.

Já vos parece ver todas as siencias e Artes, mas que espectaculo! Todas estas cousas vos dizem = Estas \são/ as siencias e Artes /fl. 5/ e o objecto do homem Sabio e perfeito. Aqui a origem, e authoridade da Religião, a historia sagrada e profana, os Jmperios, os cuidados e custumes dos homens, suas Artes, o gyro da natureza tudo se faz vizivel: tudo se vê nestas figuras. \aqui os Jdolos múdos estão confeando ser verdade o seo silencio que escrevem os gentios, e christãos depois que Christo nosso Legislador veio ao mundo./ Que conhecimentos! Que dezenganos! Que beneficios! Concebei o que eu não posso explicar. Os pensamentos excedem a expressão.

Hum homem lê hũa Jnscripção Phenicia, ou Grega, conhece um testemunho, e ouve hũa voz que mudamente lhe brada, que alem de ser verdadeira a sua antigua existencia, he aquillo que ha de mais mysteriozo, e occulto nos livros sagrados na ordem humana referida a couzas Divinas

Para mostrar dignamente este ponto me vejo a servirme da minha experiencia.

Sabemos que a lingoa mais antiga e universal do mundo foi a Hebraica, e que na Historia Sagrada se cantão as victorias de Josue, e a possessão da Palestina, e se fala dos Phenicios. Tudo isto confeça o Judeo, concede o Mouro, mas negao o insensato Materialista. Ex aqui por muitos milhares de annos, entre matos pesavão sobre os montes do campo de Ourique, pedras Phenicias, cujo gloriozo descobrimento rezervou o Eterno aos cuidados de S. Exa., e boa satisfação de quem as buscou.

Gloriozos Padrões que feliz o vosso descobrimento! A Divina Providencia vos fez invisiveis á furia de tantas Nações, e perservando-vos do tempo devorador, vos destina ao poder de quem vos bem estimasse, e fizesse ver em Portugal hum dia mais bello que o do triunpho do Conquistador da Azia em Babilonia. Ditozos os que vos entendem! Eu vou respeitar a vossa antiguidade reconhecendo nella muitas verdades da Sagrada Escritura. Ah! aqui descubro a lingoa Santa em diversos caracteres! Que vitoria contra o Materialismo presumido! Que immensas Lembranças, e sagradas especies tocão a minha alma! Seria este o paiz de Ophir? Não sem fundamento o presumo. Esta he a obra em que os raios da verdade penetrão mais o discurso. Eu volto á Lingoa Hebraica. Certamente esta lingoa hé aquella que foi unica e universal inda depois da confuzão de Babel; posto que com diversos dialectos a ella semelhantes, e com differentes caracteres. Neceçariamente E por hũa consequencia neceçaria a ella pertencem a Ethyopica e Arabica como ramos /fl. 5v/ da mesma arvore vestidos com \folhas/ diversas folhas. Os descendentes de Chanaan que habitarão depois a Palestina; aquelles de Jactan que povoarão a Arabia; os outros de Heber Pai dos Hebreos e de todo o povo de Deos: estas \Thomassin V Tom. fol. 26/ tres grandes familias, não herão em tudo mais que tres lingoas tam conformes com a dos Chananeos ou Phenicios habitantes da Palestina; que quando por obedecer as ordens do ceo Abraham, Jsaac, e Jacob se forão estabelecer; estes tratarão com elles e foram entendidos sem interprete. Seos nomes, os de suas cidades se conformavão reciprocamente com a lingoa Phenicia, e Hebraica tendo os dirivados com as raizes primitivas.

Logo isto no fundo he a mesma lingoa com diversos Dialectos sem perder sua unidade. He perciozo julgar o mesmo da Arabia que he outro dialecto que com largo tempo se extendeo mais infinita não perdendo a similhança do Hebreo; porque temos nós huma Biblia de puro Hebreo, cuja lingoa se não falou mais de dois mil annos; e ao contrario o Arabe se tem falado mais de outro tanto depois, escrevendo-se nella infinidade de Livros

O que disse da Arabe se deve entender da Syriaca, Chaldaica, e Ethyopica que durando muitos seculos inda se referem ao Hebreo.

E não vemos, Srs, todas estas reflexões autorizadas por hua antiguidade? Porem se com toda esta multidão de noticias eu me tenho demorado, foi talvez em couzas menores do que vou a dizer.

Hera nos primeiros seculos do tempo, quando os Phenicios primeiro que todos principiarão a povoar as costas do mediterraneo navegando os mares de que herão vezinhos. A Africa e a sua Carthago; e Europa e a sua costa de Hespanha lhe devem seos primeiros povoadores, seos nomes dos rios, montes, e terras, que o tempo sempre respeitou com igual fortuna dos seos dinheiros, e pedras que fazem a honra dos dias prezentes. Dias augustos, em que descobrimos armas de bronze dos mesmos Phenicios! Que testemunho mais sincero \autentico/ quando a verdade evidentemente approva!

Mas que necessidade tenho de louvar as cousas antiguas quando de mais perto dellas recebemos influencias puras e luminosas dos primeiros Xéfes que as communicarão athe o dia de hoje em que renovo sua memoria?

Taes são, Sñs, as pedras Phenicias onde se contem o que há de mais maravilhozo para formar a historia do principio Legislativo da nossa Nação, e conhecer a origem pura de muitos /fl. 6/ custumes actuaes, divizão das Jurisdições, autoridade e poder dos conselhos, ou camaras nos seos territorios, e o principal cuidado e obrigação que nelles exercião.

Apartai, Srs, de vossos entendimentos aquellas ideas que {que} a Justiça tirana e depravada por ambição se fáz horrorosa, impia, e veneravel. Deixai aquelle cruel monstro e aborto vestido de cordeiro, que com pretexto de defender a inocencia, he o seo mais feróz aggressor.

Vede agora a candura da primeira humanidade, a inteireza da sua vigilancia, e o dezapego de se nutrir com as dezordens dos homens. Que humanas intenções! Que páz publica? que segurança! e que efficacia em conservar o socego!

Ex aqui a primeira lingoa do homem hoje nos clama os primeiros juizos e decretos da natureza. A felicidade publica he a primeira Lei-Salus publica prima Lex-sit Lei fundamental que inda o Gentio não renunciou

Sim, com mais prov[[j]]encia ella está gravada em hum grande padrão mandado fazer pelo Concelho que prohibe altercar ou bulhar nos ajuntamentos da gente na jurisdição dos seos montes. Ah Srs. não vos parece este o caminho para chegar ao fim que se dezeja? Como se conseguirão o sossego publico sem se precaverem os meios \que o arruinão?/ Respeitaveis Legisladores, vós \praticos/, soubestes conhecer por onde se chegava ao fim do socêgo do homem; prevenistes, as occaziões, e conservastes vossos montes tam graves, que muitas cidades que hoje usurpão o nome de polidas, para bem o merecerem, inda lhe falta imitarvos. Que gente aquella, Sñrs.,! Gente Civil, e cortêz que praticava nos montes, o que hoje se não conhece \muitas vezes/ nos nossos lugares Sagrados Lugares. E se cuidará inda que os primeiros homens herão simples? Não, Sñs., as suas Leis não estavão escondidas, nem se vendião; elles as fazião publicas e eternas nos dias dos Seculos, e todos as vião assim como as vião, tambem sabião ler para as guardar.

Athequi chega o zello dos Legisladores quando só pertendem que o homem seja feliz, e não fazello injustamente Reo de hũa Lei escondida (riscado) e e[[mbrulhada]] em [[sombras]]. [[O]]s primeiros homens mais illustrados, e menos /fl. 6v/ e menos presumidos, mostravão assima a todo o passageiro nas entradas dos respectivos districtos as Leis dos seos territorios. Governos praticos, quanto differia daquelles filozofos que não sabendo arranjar suas cazas querem desgovernar as de todos!

A segunda pedra contem outra Lei em que se manda aos que transportão fazenda ajudem a aplanar o caminho do monte. Nella se vê como os Phenicios seriamente cuidavão na publica felicidade zelando os caminhos para a communicação dos homens, o que prosseguirão os Romanos, sem que extorquissem dinheiro dos pobres para outro fim o dinheiro das gentes debaixo de hum pertexto que nunca se cumpre.

Não herão Senhores, estes primeiros homens gende de provar a paciencia nem nos despachos de requirimentos; não pertendião que o aggressor tivesse algum direito de offender, e o agravado o perdesse na propria defeza ou na honrada sociedade humana. Portanto mandavão ali prender Deter logo qualquer criminozo o que hera indigno da \não merecia ter/ liberdade Vede Senhores que antigo he mandarem os Superiores e o obedecerlhe. Envergonhense aquelles delirantes que hoje no mundo [...] o systema de igualdade, e não contentes com a sua sorte envejão a dos mais, pervertendo o respeito da natureza, a veneração as Jerarquias da Jgreja, e republica, o decoro ao mericimento, a estimação as pessoas, a caridade ao proximo, em hũa palabra querem fazer hum mundo filozofico povoado de confusões, e governada por dezordens.

Entre estas leis eu ajunto outra da humanidade seria que se ve escrita em hũa pedra onde \debaxo da qual havia hum estoque de bronze/\e nella/ se gravou hũa seta e dis que o concelho militar daquelles montes por aquelle sepulchro a hum benemerito Militar Thenham (?). Já he claro que cada concelho \districto/ tinha os seos militares sua tropa para defender e servir promptamente.

Conhecimentos pomposos, especies brilhantes nada falta para nobrecer a antiguidade destas pedras quando outra do primeiro Grego inda \mixto/ com alguns caracteres Phenicios dis que Beja foi cultivada \e povoada/ pelos A[[ssy]]rios.

Ex aqui hum sabio \autentico/ resto do governo do primeiro genero humano tam Sabio que em padrões publicos gravava as Leis para todos as verem. Leys de estillo tam puro, que os mesmos Romanos o imitarão nas suas 12 Taboas

E que fizerão estes homens que escreverão para sèculos e milhares de annos, se ninguem os entendesse? Não, Srs, o ardor do seo espirito não podia subministrar rasgos mais nobres e magnificos para a posteridade respeitar o maravilhozo modo com que se governarão os primeiros homens no mundo.

/fl. 7/ \pensamento sonhado/ Eu me honrei thegora honrando a antiguidade, e deixo este seculo á posteridade, e a posteridade neste seculo.

Agora, Srs., demoremosnos naquelles primeiros dias superiores aos que lhes succederão, no ingenho das Artes, na perfeição das Jnscripções, das noticias dos Governos, riqueza e fortuna do paiz, das cerimonias dos Ritos, da precioza Memoria dos Martyres, e da vitoria da Religião. Aqui, Snrs., aqui que notavel traço da antiguidade desta florentissima cidade me contribue materia para hum magnifico quadro se o tempo e as forças do meo ingenho me não faltarem?

Eu falaria de huns homens que nas suas obras verão \antevirão/ de longe os dias de muitos seculos, e que para elles se preparavão com ingenhozas artes. Eu vejo estas ruinas subterraneas que fumegão grandeza na idea, perfeição na arquitectura, riqueza no adorno, em que se pode estudar o uzo das artes, e para recopilar tudo junto: esta Beja inda rica de preciozos monumentos de inscripções, e estatuas, e edificios, e que há muitos mil annos inda não cança em as amostrar. Cidade affortunada que deve toda a sua grandeza ao cuidado com que S Exa. guarda seos restos, em que se admira o passado, e estimasse o descuberto, e dezeja-se o que se não goza. Suas maravilhas interrompem seos elogios. As couzas preciozas se perdem quando se não estimão, e confundem com as despreziveis. Oh quizesse o Ceo que a esta franqueza correspondesse a curiozidade dezenteressada buscando os escondidos despojos.

Beja, não disse couza algũa da tua grandeza sepultada, se algum dia te vir a lúz, então folgue minha alma, se houver quem avance esta barreira.

Porem tempo he ja, Sñrs., de que na lição das Jnscripções não só se \conhece a historia/ se conhece, a verdadeira ortographia de escrever; mas tambem a fabula do Paganismo pela qual se illustrão muitos lugares da Escritura. O nome do Seholo Thamuz em Ezechiel, S. Jeronimo o tira da fabula de Adonis, e da mesma vertem Theodocreto (sic), e S. Cyrillo o Capuit. 18 de o texto do Capit. 18 de Jsaias = qui mittit in mare legatos, et in vario papiri super aquas. o que inda no tempo deste ultimo Padre praticavão os Alexandrinos. S. Jeronimo na carta a Magno orador prova que na Escritura há muitos lugares tirados pela noticia dos Gentios. Nomes mo convem Theodoreto nos 10 Li[[v]]ros do Cuidado dos Estudos Gregos, e Euzebio, e Sto. Agostinho nos livros

/fl. 7v/ Eu falo aqui de hum verdadeiro Christão que não tem outra guia mais que a Religião, que não segue outras Maximas que as do Evangelho e que seguindo não o seo interesse, mas a sua obrigação, e referindo todas as couzas ao seo principio conserva a Religião pura, e acha a Deos pois o busca por elle mesmo. Se vos lembrares do povo de Jsrael direi com a sagrada Escriptura que não só detestava os Jdolos do Egypto; mas tambem levou o ouro e alfaias por authoridade Divina para o serviço do Deos verdadeiro. Assim não há só na Gentilidade mentiras e fingimentos que devemos detestar; mas tambem artes liberaes para o uzo da verdade, e uteis preceitos morais, em que se achão alguns a respeito de adorar hum só Deos. Estes deve o Cristão recolher para o uzo do Evangelho, como preciozo ouro e prata, não feito por elles, mas depurado dos metaes que a Divina providencia semeou por todas as partes, e que elles injuriozamente abuzão para obsequiar o Demonio.

Que dourada eloquencia em S. Cypriano alma da erudição e Martyr de Christo. Quanta brilha em Lactanceo? Victorino, e Hylario? Moyséz mais antigo \que sendo/ instruido em toda a siencia dos Egypcios \caminhou para a contemplação de Deos/ faz concluir que se não ha de regeitar a externa erudição da Escriptura.

Os tres Mancebos, [[c]]omo refere Daniel, \e elle mesmo/ forao eminentes nas siencias a todos os chaldeos sem deixarem de penetrarão as doutrinas Divinas.

Origenes asim empenha todo o seo zelo na Homil. 2ª do Exod.

Eruditio ista communis rationabilis scientiae omnes instruit, omnes fovet, siquis in ea virilis animi fuerit, et voluit coelestia qu [[ae]](?) rere, et Divina sectari, veluti medicatus et fotus per ejus modi eruditiones, ad divinorum intelligentiam paratior venit.

Deixo aos estudiosos S. Jeronimo na expozição do filho prodigo, e passando a S. Basilio na expozição de S. Paulo aos Corinthios cap. 8. v. 1. podereis sondar nelle suas intenções.

/fl. 8/ Jn libris gentilium, veluti in umbris quibus dam et speculis, oculos nostros aliquandiu exercitabimus, eos immitantes qui in gymnasiis se exercent, et manu pede que instructi, postrorodum utilitatem, ex qjus artis disciplina, legitimo certamine reterunt: et nobis quoque proponi certamen maximum arbitrari aportet, et omnibus viribus ad hujus preparationem laborandum.

Por tantos motivos devemos uzar de todos os escritos donde para a edificação do espirito nos provenha utilidade.

A immitação dos tintureiros \como dis hum Sabio/ que com certos preparos compostos dispoem para a cor: assim nós primeiro dispostos com taes exteriores, facilmente entenderemos varias couzas sagradas. Hũa profunda intelligencia faz ver que hinda que não concordemos com os gentios a sua noticia muito aproveita; \e ao menos/ poes conferindo-os, se pode distinguir a differença; por que a comparação do inferior para o milhor não he de tam pouco quando muitas vezes as couzas pequenas juntas fazem ornato ás maiores.

Estas reflexões duplicão o ardor da materia ao modo das folhas que ornão os ramos, inda que destes pendão fructas formozas. A mesma \siencia/ alma que he o mais delicado fruto, sendo rodada de \erudição/ siencia exterior, esta como ramos e faz agradavel a vista.

De tudo isto, Srs., conheço que não vos posso dar mais nobres ideas das que vós mesmos tereis formado destes Heroes. Elles abrirão o caminho mostrando-nos a certeza do fim sem se depravarem nas siencias. Como abelhas que utilmente vizitão as flores tirando só dellas o seo melificio, assim devemos uzar do estudo da fabula que nos for proveitoza, rejeitando o innutil, como espinhos das flores que colhemos.

E que util he ler os Escritos dos Gentios para com elles confirmar [[San]]tas verdades, e tirar provas dos inimigos a nosso favor? Desta sorte como dis S. Bazilio a Religião Christam se \autoriza/ nas siencias externas, como as vides em diversos esteios. Tal he a [[Car]]ta de Plinio a Trajano 2; 6. 10. (?) a respeito do carater do christianismo em \onde/ descreve aos Christãos ligados com sacramento para não fazer mal, nem furtos, [[ou]] latrocinios, adulterios, perfidias, ou negar suas dividas [[a]] seos acredores. Que victoriozo credito dado pela boca da Sagrada \nossa/ Religião tirado da confição escrita p[[or]] nossos \seos/ inimigos? (2)

/fl. 8v/ Que admiravel estudo das Jnscripções dos Gentios! Em cada hũa dellas se encontra hũa faisca da rezão natural. Que Luminozas impressões fazem na alma, e que fecundidade nos pensamentos os Epitaphios sepulcraes! Nelles se ve arraiar a [[L]]u[[z]] da immortalidade da alma, e a existencia da Divindade que lhe prezide. Ali aparece o premio figurado nos campos Elisios, e o suplicio no Tartaro, como disse Virgilio.

Haec Manes veniet mihi fama subimus

Ali recalca a expiação e suffragios pela alma do cadaver a quem o respeito natural, o amor mais firma, a gratidão mais reconhecida, e a caridade mais terna \a saudoza/, eternizasão do modo mais grande reciprocas Memorias desde as entranhas athe a face da terra.

Já vedes, S<r>s, brilhar nestas pedras os fundos de Religião unida com os effeitos da natureza mais santa pura.

Zombe Voltaire das sagradas expiações confundindo-as com as dos incircumcizos; que se \estes/ errarão pelas não saber santificar: eu me compadeço mais de hum homem que não se conhecendo, nem vio entre si a Luz que o cercava. Cegueira fatal deste seculo, que athe arruma os espiritos insensatos no triste estado \canto/ de serem criticos dos talentos alheios sem conhecer a fraqueza dos proprios. Fraqueza em tudo desprezivel sem talento para conhecer os talentos provados. Mas deixemos lhe a gloria de quererem por afrontarem \deshonrarem a mesma gloria/

Talvez, Snrs., \§/ cuidareis que está distante o triunfo da Jgreja pelo testemunho dos Martyres? Entremos nos seos retiros, e a[[all]]osheis sempre victoriozos. Esses Jmperadores carniceiros, Monarchas Jmpios, homens dissolutos tudo maquinarão, nada se lhe escondeo para extinguir o Christianismo. No meio desta presumpção, levantão padrões gravando nelles imaginarias victorias, e consum[[ão]] seu erro com sacrificios horrendos.

Não se vos figure, Snrs, que a Jgreja estava extinta ou tam pobre como hoje seos filhos ingratos a dezejão fazer. Esta alma casta nunca teve mais certa sua victoria do que no mais cruel perseguição \sanguinolento combate,/ nem será mais rica e opulenta do que a inveja, e ambição tentar saquealla. Ah! ex aqui a abominação no lugar Santo. Qual he o delicto que cometeo nossa May? Acazo he por nos lavar da mancha, recebernos nos seos braços apenas nascemos; ensinarnos a Ley da Salvação, e orar por nossas fortunas e almas, e socorre[[r]]nos nas \em/ nossas nececidades, a cujas portas então sempre himos bater? Se fosse hum inimigo, hum Jdolatra sobre quem não resplandeceo a luz do Evangelho que fizesse esta affronta o golpe não seria tam sensivel: mas os geradores na Jgreja,

/fl. 9/ filhos da adopção, e herdeiros do ceo, e participantes da graça: aquelles a quem Christo fez carne da Sua Carne, ossos dos seos ossos, e Sangue do Seo Sangue, e se os membros para os unir mais inteiramente a si! He possivel que sejão estes os que tentem reduzir a mizeria os Ministros que sempre orão por elles, e são os instrumentos e medianeiros por quem o Sñr. chama a todos para o seo Reyno! Ex aqui o que me fez interromper as persiguiçoes antigas da Jgreja minha cara May, que vou continuar. Depressa o Jmperador Diocleciano Solicita deixar á posteridade hũa eterna Memoria do seo engano gravando a vam gloria de ter extinctos os Cristãos. Este padrão que faz mais honra \ao cristianismo/ do que fez de improperio \vilipendio/, nós [[o]] devemos aos Antiquarios, que acrescentarão novo splendor a Religião onde se conhece o que o ceo fez pella Jgreja, e esta por elle. Na verdade o sangue dos Martyres sempre foi semente do Christianismo. E se o tempo, e depravação de doutrinas tentão offuscar verdades Santas, os Antiquarios, como Anjos de Deos deputados para renovar sua gloria, buscão, descobrem, e guardão preciozos momentos tam duraveis como os dias do mundo.

Adoravel expectaculo me offrece o cuidado dos dias de hum Antiquario! Sigamos com effeito os passos que se encaminhão a saber as couzas occultas, e a resplandecer a Religião Sagrada. Vejamos quando esta alma privilegiada na sua carreira entre muitos sepulcros abre hum onde descobre inocentes ossos penetrados de ferros, o vazo com sangue, e os instrumentos da final separação postos aos péz. Elle ve tambem as pedras, reconheceas, e lendo a Memoria, se arrebata com suspiros \prazer/ dá graças ao ceo pelo deixar descobrir hum gloriozo cadaver em que o cheiro da santidade se gosta. Taes dão os sepulcros dos Martyres onde se pode estudar o preço \da vida eterna,/ a decencia e zelo, que honra aos que deixarão estes sagrados depozitos, cujo [[preço]] reconhecem os Sabios, e he recompensado por Deos. Eu, Snrs, confirmo este pensamento com o que vi em Roma deste genero de descobrimentos asim da antiguidade sagrada, como profana. Mas não hes tu unica Roma, hũa nova vai edificando S. Exa. nesta cidade de Beja onde ja \dois/ antigos padrões se lem em que se faz piedoza Memoria de Sacerdotes recomendaveis Sacerdotes. Nunca ficarão, Srs., sem satisfação do Ceo tam saudaveis diligencias Ah, Sns., neste paiz onde, sem affetação, direis que podemos beijar o chão, muitas e muitas vezes regado com o sangue de Martyres, que em tantas sanguinolentas perseguições o derramarão: quantas destas maravilhas Sagradas terão sido desconhecidas por falta de curioza diligencia?

/fl. 9v/ A ignorancia não guarda tudo o que pertence a Jesus Christo, e a Seos Santos, a Seos Altares, e a seos Ministros; os quaes ordinariamente o mundo só estima por qualidades bem fracas, olhando muitas vezes por innuteis, abatendo asim o Sacerdocio de Jesu Christo, e passando assim da pouca estimação do Ministro ao pouco respeito do Ministerio \, e desprezo das couzas Sagradas./

Eu não me atrevo a vista de hum sepulcro, fatal jazigo das cinzas humanas, a face do ceo e da terra Tirar vaidades do seculo, mas sim instrução para os costumes e siencias, dezengano da vida, e [[gloria]]à Religião. Nestas curiozas \uteis/ solicitações aparecem monumentos de tal arte e siencia; que quanto mais engenhoza em se occultar, tanto mais os curiozos devem ser attentos em as descobrir.

Eu bem sei que a S. Exa. se deve há muito tempo, o ouvir retumbar com respeito o nome da Antiguidade no Alentejo. As suas diligencias fazem admiração na Europa, e queira Deos que todos se imflamem em a descobrir attentamente sem que os tenhão intereçadas intenções, que com sinistros pretextos soffocão grande honra de Portugal, e esplendor da Religião.

Eu devera tambem tratar da outra parte d[[o]] estudo do Museo que he a Natureza. Mas depois de S. Exa. ter escrito com a mais alta Sabedoria sobre os estudos Fizicos do seo Reverendo Clero, tenho a honra de repetir compendiozamente a sua \Descobre a cabeça/ a Sabia e Religioza vóz = A natureza tudo fala entre si com consonancia, que bem merece toda ella nossos cuidados. O entendimento nestes assumptos he gloria para Deos, he ruina da ociozidade, Sabedoria que recomenda as pessoas dotadas desta virtude, e utilidade para o publico. Justamente se emprega que ve pela natureza, e respeita a providencia Divina. S. Bazilio dis que hum feno e qualquer herva, pode exercitar toda a alma meditando sobre a arte que a produzio. Os homens Apostolicos tam bem uzão de conhecimentos naturaes para servirem a seos pensamentos de doutrina Religioza = Esta vóz de S. Exa. eu lhe chamo voz prodigioza: vóz que depressa se faz ouvir no meio do fundo do coração humano: vóz formidavel que, fará desmaiar toda a contradição. O estudo das produções /fl. 10/ da natureza depois de ter sido hũa virtude util, passa tambem a ser hum exemplo de zello. Assim se evita a Jgnorancia em huns, e a superstição em outros. O povo groceiro se submerge na ignorancia por que não sabe: os ricos perguiçozos se entregão ao ocio tanto mais livremente quanto menos sabem. Porem o Eccleziastico que conserva o seo esplendor, já não ama couza mais respeitavel que os descobrimentos \da oculta/ verdade. oculta. Pela siencia da Natureza o Eclesiastico se prepara para aparecer no mundo. Ex aqui hum homem cujo coração he o centro do saber. Nelle se vem dois corações unidos, que só a ignorancia sepára. Lembrando do que deve a si mesmo, não se esquece do que deve ao proximo. Os seos dezejos ordenados são a regra da sua conducta; e por que hum util trabalho lizongea seos cuidados; elle se faz autorizado para os fertilizar. Elle produzirá aquelle segredo que está nos Lyrios do campo, que crescem com natural liberdade. No silencio do seo estudo ouve a maravilhoza natureza; nada se demora em lhe aparecer, tudo vem a sua prezença. Que expectaculo! Aqui vejo hum homem zelozo que trabalha em entender o que vê, hum amigo da vida que ajuntando em si reflexões de experiencias, avança pela numeroza siencia da vida. Já com hum concelho maduro descobre desconhecidos segredos do bem e do mal. Que falta, Srs,! Se não que vos peça o mesmo que a natureza vos está rogando.

A que alegre narração me conduz naturalmente o meo objecto!

A verdade declara-se, e a rezão triunfa. Que maravilha! Quebremse, quebrense as prizões que hũa afrontoza ignorancia faz olhar com desprezo a siencia da antiguidade Natureza, e Antiguidade Deos Jmmortal! Esqueça-se a minha mão direita que isto escreve, se eu me não lembrar de vos.

Eu bem digo ao creador pelos conhecimentos que alcanço das suas esculturas admirando as graças e enLeios com que tece a Lei da Natureza, e por ella reconheço hum Deos que adoro.

Quanto minha alma me arrebate nos immensos espaços do ceo que me cobre, tanto se abysma admirada no contrahido mais minimo que prizão meos pés. Tudo o mais miudo na sua combinação e contextura me experta a idea de grandeza infinita. Eu bem digo ao Creador pelas suas creaturas admirando as graças e enLeios com que teceo a Natureza, e por ella reconheço a existencia de hum Deos que adoro.

Quando vejo os Jdolos quebrados e mudos, então bemdigo o meo Redentor, e respeitando seos Divinos prodigios os instrumentos da firmeza dos Martyres, os monumentos dos prodigios da Religião, e da confuzão de seos inimigos: /fl. 10v/ de seos inimigos, então por eu não nascer entre Nações cegas, e viver na Jgreja com tam grandes Luzes, agradecido a tantos bens bemdigo o meo Redemptor.

Quando noto nas Jnscrições dos antigos Barba [[ro]]s a Luz da Divindade, a esperança da vida eterna, a industria das siencias Naturaes, e suas bellas Artes, e virtudes moraes, e tudo isto escutado da natureza que Deos deo ao homem para se justificar: então eu bemdigo ao Eterno por abençoar suas obras que todas mostrão \apregoão/ a gloria de Deos. \Levantado/

A vista de tudo isto eu lhe rendo infinitas graças por tão prodigiozos conhecimentos com que me illustra que confeço dever só á sua piedade. Que incomprehensiveis vossos Decretos! Eu adoro nelles impenetravel providencia, só por este instante que desde a vossa eternidade marcaste no circulo do tempo, para eu vos louvar no prezente.

Logo, Srs., vede se justamente devemos abraçar o estudo onde a instrução do entendimento, o esplendor da doutrina, e o triunfo da Religião tem a conveniencia mais util. Aproveitaivos, Sr., de hũa occazião que a grandeza de S. Exa. vos offrece. A vossa diligencia decidirá a recompensa de hum bem de tanto proveito. Deixai ao espirito levarse aos ultimos conhecimentos, e ver com hum gosto virtuozo aquella historia da antiguidade, descobrir novas verdades, penetrar segredos, e conhecer a industria do engenho humano engenho. Deixai a rezão aplaudirse da sua vitoria, afirmarse nas santas verdades do triunfo da Religião, levantar os seos trofeos sobre os inimigos vencidos. Deixai a creatura conhecer o seo Creador pelas maravilhozas luzes da natureza nos brilhantes dos seo<s> chrystaes, na sua armonia, e naquelles descuidos onde a negligencia mais casual contem maiores admirações onde o mesmo desfigurado he a mais engraçada e encantadora figura. Hum descobrimento prodúz mil descobrimentos. Hũa utilidade Lizongea. Hum trabalho recompensa

Sagrado Prelado que na cadeira Apostolica com viva e Evangelica eloquencia consagra disvellos immortais pella instrução da sua Dioceze, V. Exa. purificará os erros do meo Discurso.

Ouvintes Pacenses que experimentais os effei paternais effeitos do seo exacto zelo, entoai canticos de aplauzos [[já quanto]] tão bem \para vós/ encaminha suas ideas.


NOTAS

1 Segue-se um parágrafo completamente riscado e de impossível leitura.
2 Segue-se linha e meia completamente riscada e de impossível leitura.

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Alexandra Nascimento é Assistente da Área Departamental das Ciências da Natureza
da Escola Superior de Educação de Beja, Instituto Politécnico de Beja
Rua Pedro Soares, 7800-295 Beja, tel 351.284315000, fax 351.284326824,

Colaboradora do Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade
da Universidade de Lisboa (CICTSUL)
Instituto de Investigação Científica Bento da Rocha Cabral
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