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Revista TriploV
de
Artes, Religiões e Ciências |
ISSN 2182-147X |
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Carlos A. Filgueiras
(Universidade Federal de Minas Gerais) |
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A EVOLUÇÃO DA QUÍMICA DO SÉCULO
XVI AO SÉCULO XIX
ATRAVÉS DE TEXTOS ORIGINAIS |
2ª PARTE: A QUÍMICA EM LÍNGUA
PORTUGUESA |
INDEX |
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CAPÍTULO VI: A QUÍMICA MODERNA EM
PORTUGAL |
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A química não era
ensinada na Universidade de Coimbra antes da reforma pombalina. As
publicações que versavam sobre química até então eram as obras médicas e
farmacêuticas. Um sobrinho e seguidor do famoso químico francês Nicolas
Lémery, já abordado anteriormente, instalou-se em Portugal e publicou
uma sequência de livros de farmácia e química medicinal na primeira
metade do século XVIII. Seu nome foi aportuguesado e ele se assinava
João Vigier (1662-1723). A Figura 57 mostra à esquerda o frontispício de
um de seus livros, o Tesouro Apolíneo, de 1745. No subtítulo o autor
mostra sua inclinação: Tesouro Apolíneo Galênico, Químico, Cirúrgico,
Farmacêutico, ou Compêndio de Remédios para Ricos e Pobres. Na Figura 57
à direita está reproduzida uma página do livro em que o autor apresenta
uma série de remédios para ulcerações, boa parte dos quais sintéticos e
contendo metais, dentro da tradição iatroquímica. João Vigier também dá
em seu livro uma grande ênfase a medicamentos de origem vegetal,
incluindo muitos materiais provenientes de possessões do Ultramar, como
o Brasil. |
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Figura 57. João Vigier, Tesouro Apolíneo, Lisboa,
1745: à esquerda se vê o frontispício do livro e à direita uma lista de
remédios sintéticos iatroquímicos |
Como a Universidade de
Coimbra nunca havia tido química em seu currículo, importou-se de Pádua
o Professor Domingos Vandelli (1735-1816), químico e naturalista.
Vandelli inaugurou seus trabalhos na Universidade reformada a partir de
1772. Ele teve como incumbência implantar o ensino de química e de
botânica, além do Jardim Botânico da Universidade, ao qual se somou mais
tarde o Jardim Botânico do Palácio da Ajuda, em Lisboa. Vandelli foi um
professor extraordinário, capaz de motivar e entusiasmar seus alunos,
mesmo nunca tendo sido um químico notável no que se refere ao trabalho
de investigação. Ele também esteve presente na fundação e na condução
por vários anos de muitas atividades da Academia Real das Ciências de
Lisboa. Dele se diz que sempre foi mais naturalista que químico, mas
esta é uma acusação injusta que só leva em conta as realizações de um
pesquisador. Vandelli foi sobretudo um grande professor. Basta dar os
nomes de alguns de seus alunos que se destacaram para isto ficar claro,
como os brasileiros José Álvares Maciel, Vicente Coelho de Seabra Silva
Telles, José Bonifácio de Andrada e Silva, Manoel Ferreira da Câmara
Bittencourt e Sá e vários outros, além de muitos portugueses de carreira
científica ilustre, como Thomé Rodrigues Sobral, seu sucessor e
continuador na cátedra.
Vandelli publicou
inúmeras comunicações nas Memórias da Academia Real da Ciências de
Lisboa, sobre os assuntos mais variados. Também publicou livros de
história natural e botânica, mas nenhum de química. Isto seria feito por
seus discípulos.
Como exemplo do que foi
dito, a Figura 58 apresenta a dedicatória à Rainha D. Maria I e o
frontispício de um livro de Vandelli, publicado em 1788, intitulado
Dicionário dos Termos Técnicos de História Natural. Trata-se de uma
compilação adaptada ao português de obra de Lineu. |
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Fig. 58.
Domingos Vandelli, dedicatória e frontispício do Dicionário dos Termos
Técnicos de História Natural, Coimbra, 1788 |
Juntamente com o
Dicionário, o volume que o contém também traz encadernado junto uma
outra obra de Vandelli, a Memória sobre a Utilidade dos Jardins
Botânicos. Este livro tem ao final um grande série de pranchas
desdobráveis com ilustrações as mais variadas. |
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Fig. 59. Domingos Vandelli, Memória
sobre a Utilidade dos Jardins Botânicos, Coimbra, 1788 |
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A Figura 59
mostra a página de abertura da obra, que não apresenta um
frontispício tradicional. Já a Figura 60 reproduz uma das
pranchas do final, com ilustrações de insetos. Um dos discípulos
mais notáveis de Vandelli foi o brasileiro Vicente Coelho de
Seabra Silva Telles (1764-1804), referido anteri-ormente. Ele
publicou vários livros, dos quais os três mais importantes serão
aqui mostrados. No ano de sua formatura em Coimbra, 1788, ele
deu à luz a primeira parte dos Elementos de Química, obra
dedicada à Sociedade Literária do Rio de Janeiro, uma associação
científica que havia sido fundada na capital do Brasil em 1786
pelo Vice-Rei D. Luís de Vasconcelos. |
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A segunda parte do
livro foi publicada dois anos depois, em 1790. O autor variou bastante a
forma de grafar seu nome, como se pode ver nos frontispícios das duas
partes do livro, mostrados na Figura 61.Os Elementos de Química são o
primeiro livro de química escrito por um brasileiro, e o primeiro em
língua portuguesa a retratar a nova química do final do século XVIII. |
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Fig. 60. Domingos Vandelli, obra citada, Coimbra,
1788 |
O livro de Seabra
Telles reflete bem a química da época, revelando um conhecimento extenso
da literatura corrente e um pendor para a execução de experimentos de
laboratório. O texto abrange toda a química e é redigido de forma clara
e direta, podendo ser seguido sem qualquer dificuldade por um leitor
moderno. No mesmo ano em que saiu a primeira parte, o autor também
publicou sua Dissertação sobre o Calor, dedicada a seu colega e amigo
José Bonifácio de Andrada e Silva, cuja fama científica futura
eclipsaria Seabra Telles. Este nunca teve seu talento reconhecido e
morreria prematuramente antes de completar 40 anos. |
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Fig. 61.
Vicente Coelho de Seabra Silva Telles, Elementos de Química, Coimbra,
1788-1790. Frontispícios das Partes I e II, respectivamente |
Na Dissertação sobre o
Calor, que normalmente é encadernada junto com os Elementos de Química,
Seabra Telles faz cálculos interessantes nos quais utiliza
implicitamente conceitos ainda não formalizados na ciência de sua época,
que são o Primeiro Princípio da Termodinâmica e a Lei de Hess, ambos
explicitados apenas em meados do século XIX. A Figura 62 mostra o
frontispício da Dissertação. |
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O
terceiro livro de Vicente Seabra Telles aqui presente é a
Nomenclatura Química Portuguesa, Francesa e Latina, publicado em
Lisboa em 1801, na Casa Literária do Arco do Cego, dirigida pelo
famoso botânico brasileiro Frei José Mariano da Conceição
Veloso. Este livro de Seabra Telles é uma adaptação para o
português da nomenclatura lavoisiana de 1787, já relatada neste
texto. O livro do químico brasileiro foi inteiramente calcado
naquele dos quatro químicos franceses. Ele tem uma enorme
importância, pois legou à língua portuguesa boa parte dos termos
inorgânicos que usamos até hoje, Se dizemos sulfato e sulfito,
por exemplo, é porque estes termos foram introduzidos pelo livro
de Seabra Telles. Para o que chamamos sulfeto ele escrevia
sulfureto, forma que mais tarde se modificou para a atual. |
Fig. 62. Vicente Coelho de Seabra
Silva Telles, Dissertação sobre o Calor, Coimbra, 1788 |
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A Figura 63 mostra o
frontispício e uma página do livro, com os termos químicos em português,
francês e latim, bem como, quando existiam, os nomes antigos. |
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Fig. 63.
Vicente Coelho de Seabra Silva Telles, Nomenclatura Química, Lisboa,
1801. Frontispício e página do livro |
O sucessor de Vandelli
na cátedra, Thomé Rodrigues Sobral (1759-1829), não chegou a publicar
nenhum livro de sua lavra. Como ele usou o laboratório da universidade
para fabricar pólvora a ser usada contra os invasores franceses durante
as guerras napoleônicas, as tropas invasoras atearam fogo a sua casa,
destruindo-lhe a preciosa biblioteca. Com ela teriam perecido os
originais de um compêndio de química que ele havia composto e que se
perdeu. Por isso seu único livro publicado é uma tradução do longo
verbete de Guyton de Morveau na Encyclopédie Méthodique sobre
afinidades, tradução esta dada à luz em 1793 com o nome de Tratado das
Afinidades Químicas. A Figura 64 reproduz seu frontispício. |
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Com a vinda da
Corte e do Governo português para o Rio de Janeiro em 1808,
finalmente o ensino da química, assim como muitas outras
iniciativas, foi institucionalizado oficialmente, no currículo
da nova Academia Real Militar, criada pelo Príncipe Regen-te em
1810. Para lecionar a cadeira foi trazido um professor
britânico, Daniel Gardner, que trabalhou no Rio de Janeiro até
jubilar-se em 1825. Em 1810 a nova Impressão Régia publicou um
livrinho despre-tencioso de sua autoria, o Syllabus, ou
Compêndio das Lições de Química. Este é um livro extrema-mente
raro, e consta tão somente de títulos e rápidas explicações dos
tópicos a serem abordados no curso. Ele é uma espécie de
programa comentado da disciplina. |
Fig. 64. Thomé Rodrigues Sobral,
Tratado das Afinidades Químicas, Coimbra, 1793 |
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O livro texto preconizado pelas autoridades como
compêndio de química nas aulas de Gardner é uma tradução por Manoel
Joaquim Henriques de Paiva da Filosofia Química de Antoine François de
Fourcroy (1755-1809). Esta tradução,
publicada em Lisboa em 1801, foi então o primeiro livro texto de química
usado num curso regular da disciplina no Brasil. Com este livro concluo
este longo percurso através de três séculos de química através de seus
textos. A figura 65 mostra o frontispício do livro, que merece ser
conhecido pelos químicos brasileiros. |
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Figura 65.
Manoel Joaquim Henriques de Paiva, Filosofia Química ou Verdades
Fundamentais da Química Moderna, tradução da obra de Antoine François de
Fourcroy, Lisboa, 1801 |
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Engenheiro químico, UFMG (1967), com
doutorado em química, Universidade de Maryland (1972), pós-doutorado
também em química, Universidade de Cambridge (1980-81), estágios curtos
em várias universidades de diversos países. Foi professor titular de
química inorgânica na Universidade Federal de Minas Gerais (1968-1997) e
na Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997-2010). Atualmente é
pesquisador da UFMG. Dedica-se á pesquisa em química de coordenação e de
organometálicos, como também ao ensino da química e à pesquisa e
ensino em história da ciência. Tem publicado ao longo desses anos em
todas essas áreas. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Química no
biênio 1990-1992.
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