ISSN 2182-147X

 

 

 

 

 

 

Carlos A. Filgueiras
(Universidade Federal de Minas Gerais)

A EVOLUÇÃO DA QUÍMICA DO SÉCULO XVI AO SÉCULO XIX
ATRAVÉS DE TEXTOS ORIGINAIS

2ª PARTE: A QUÍMICA EM LÍNGUA PORTUGUESA

INDEX

CAPÍTULO V:
O terremoto político que abriu as portas à ciência moderna em Portugal

Este curto capítulo foi inserido para contextualizar um fenômeno de importância capital para Portugal e para o Brasil, que foi a institucionalização da ciência européia contemporânea no Portugal da segunda metade do século XVIII.

No reinado de D. José I Portugal foi sacudido pelo devastador terremoto que destruiu Lisboa, em 1755, e pelas profundas reformas introduzidas pelo todo-poderoso ministro do Rei, Sebastião José de Carvalho e Melo, que se tornaria em 1759 Conde de Oeiras e dez anos depois Marquês de Pombal. Havia dois enormes obstáculos no caminho de Carvalho e Melo em seu projeto de modernização do país e implantação do regime político que se tornou conhecido por "despotismo esclarecido". Este dois obstáculos eram a nobreza e a Companhia de Jesus. A nobreza precisava ser dominada, eliminando quaisquer resquícios feudais, de forma a que se consolidasse o poder absoluto do Rei e a primazia do Estado. A Companhia de Jesus detinha uma riqueza e um poder consideráveis, tanto no Reino como no Ultramar, constituindo-se assim num grande empecilho ao projeto político de Carvalho e Melo. Os dois obstáculos foram resolvidos no mesmo ano, 1759. No ano anterior D. José I havia sofrido um atentado a bala, em que estariam envolvidas algumas das famílias mais nobres e antigas de Portugal, os Duques de Aveiro e os Marqueses de Távora. Não cabe aqui entrar em pormenores sobre este episódio, apenas dizer rapidamente que, após um processo sumário, os nobres, suas famílias e até vários de seus serviçais foram julgados e condenados, seguindo-se uma execução infamante dos réus, num espetáculo público com requintes de barbarismo e crueldade. Este episódio desferiu um golpe de morte nas pretensões de poder dos nobres. A denúncia de uma associação dos jesuítas com a tentativa de regicídio foi o pretexto para finalizar uma campanha anti-jesuítica que já vinha de algum tempo. Finalmente, no mesmo ano de 1759, todos os jesuítas foram expulsos sumariamente de Portugal e suas colônias. Agora Sebastião José, aquinhoado por seu soberano nesse mesmo ano com o primeiro de seus títulos de nobreza, estava livre para empreender suas reformas. Estas atingiram praticamente toda a vida do país. Do ponto de vista que nos interessa aqui, o ensino, que antes se concentrava pesadamente nas mãos dos jesuítas, pôde ser profundamente reformado, a começar pela Universidade de Coimbra, onde a ciência moderna havia sido até então anátema. A Universidade foi profundamente alterada, criando-se novos estatutos que buscavam inseri-la num contexto europeu moderno. Carvalho e Melo criou uma nova Faculdade na Universidade, a de Filosofia, entendendo-se por este nome a Filosofia Natural, compreendendo a Química, a Física e a História Natural. Vários professores estrangeiros foram trazidos para tratar desses novos assuntos. A nova Universidade reformada abriu suas portas em 1772, e foi nela que um numeroso grupo de brasileiros notáveis estudou e pesquisou as ciências, notadamente as ciências da matéria, nessas décadas finais do século XVIII e nas primeiras do século seguinte.

A Figura 56 mostra um documento que não é de ciência ou tampouco um livro. Trata-se da primeira e da penúltima páginas de um alvará impresso original, firmado pelo Rei e por seu ministro, recém-promovido a Conde de Oeiras, com a data de 3 de setembro de 1759. Este alvará, assim como vários outros da época, da lavra de Carvalho e Melo, mostra a linguagem virulenta e insultuosa que se cultivava nos documentos oficiais contra os jesuítas.

Fig. 56. Alvará de D. José I, de 3 de setembro de 1759, em que o Rei ordena que se recolham à Torre do Tombo, em Lisboa, e em diversos outros locais do Reino, papéis que sirvam para lembrar à posteridade as iniquidades imputadas aos jesuítas. A virulência da linguagem é impressionante, mesmo com os jesuítas já expulsos de Portugal e de seus domínios.

Engenheiro químico, UFMG (1967), com doutorado em química, Universidade de Maryland (1972), pós-doutorado também em química, Universidade de Cambridge (1980-81), estágios curtos em várias universidades de diversos países. Foi professor titular de química inorgânica na Universidade Federal de Minas Gerais (1968-1997) e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997-2010). Atualmente é pesquisador da UFMG. Dedica-se á pesquisa em química de coordenação e de organometálicos, como também ao ensino da química e à pesquisa e ensino em história da ciência. Tem publicado ao longo desses anos em todas essas áreas. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Química no biênio 1990-1992.