Este curto capítulo foi inserido para contextualizar
um fenômeno de importância capital para Portugal e para o Brasil, que
foi a institucionalização da ciência européia contemporânea no Portugal
da segunda metade do século XVIII.
No reinado de D. José I Portugal foi sacudido pelo
devastador terremoto que destruiu Lisboa, em 1755, e pelas profundas
reformas introduzidas pelo todo-poderoso ministro do Rei, Sebastião José
de Carvalho e Melo, que se tornaria em 1759 Conde de Oeiras e dez anos
depois Marquês de Pombal. Havia dois enormes obstáculos no caminho de
Carvalho e Melo em seu projeto de modernização do país e implantação do
regime político que se tornou conhecido por "despotismo esclarecido".
Este dois obstáculos eram a nobreza e a Companhia de Jesus. A nobreza
precisava ser dominada, eliminando quaisquer resquícios feudais, de
forma a que se consolidasse o poder absoluto do Rei e a primazia do
Estado. A Companhia de Jesus detinha uma riqueza e um poder
consideráveis, tanto no Reino como no Ultramar, constituindo-se assim
num grande empecilho ao projeto político de Carvalho e Melo. Os dois
obstáculos foram resolvidos no mesmo ano, 1759. No ano anterior D. José
I havia sofrido um atentado a bala, em que estariam envolvidas algumas
das famílias mais nobres e antigas de Portugal, os Duques de Aveiro e os
Marqueses de Távora. Não cabe aqui entrar em pormenores sobre este
episódio, apenas dizer rapidamente que, após um processo sumário, os
nobres, suas famílias e até vários de seus serviçais foram julgados e
condenados, seguindo-se uma execução infamante dos réus, num espetáculo
público com requintes de barbarismo e crueldade. Este episódio desferiu
um golpe de morte nas pretensões de poder dos nobres. A denúncia de uma
associação dos jesuítas com a tentativa de regicídio foi o pretexto para
finalizar uma campanha anti-jesuítica que já vinha de algum tempo.
Finalmente, no mesmo ano de 1759, todos os jesuítas foram expulsos
sumariamente de Portugal e suas colônias. Agora Sebastião José,
aquinhoado por seu soberano nesse mesmo ano com o primeiro de seus
títulos de nobreza, estava livre para empreender suas reformas. Estas
atingiram praticamente toda a vida do país. Do ponto de vista que nos
interessa aqui, o ensino, que antes se concentrava pesadamente nas mãos
dos jesuítas, pôde ser profundamente reformado, a começar pela
Universidade de Coimbra, onde a ciência moderna havia sido até então
anátema. A Universidade foi profundamente alterada, criando-se novos
estatutos que buscavam inseri-la num contexto europeu moderno. Carvalho
e Melo criou uma nova Faculdade na Universidade, a de Filosofia,
entendendo-se por este nome a Filosofia Natural, compreendendo a
Química, a Física e a História Natural. Vários professores estrangeiros
foram trazidos para tratar desses novos assuntos. A nova Universidade
reformada abriu suas portas em 1772, e foi nela que um numeroso grupo de
brasileiros notáveis estudou e pesquisou as ciências, notadamente as
ciências da matéria, nessas décadas finais do século XVIII e nas
primeiras do século seguinte.
A Figura 56 mostra um documento que não é de ciência
ou tampouco um livro. Trata-se da primeira e da penúltima páginas de um
alvará impresso original, firmado pelo Rei e por seu ministro,
recém-promovido a Conde de Oeiras, com a data de 3 de setembro de 1759.
Este alvará, assim como vários outros da época, da lavra de Carvalho e
Melo, mostra a linguagem virulenta e insultuosa que se cultivava nos
documentos oficiais contra os jesuítas. |
Fig. 56. Alvará de D. José I, de 3 de
setembro de 1759, em que o Rei ordena que se recolham à Torre do Tombo,
em Lisboa, e em diversos outros locais do Reino, papéis que sirvam para
lembrar à posteridade as iniquidades imputadas aos jesuítas. A
virulência da linguagem é impressionante, mesmo com os jesuítas já
expulsos de Portugal e de seus domínios. |