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Revista TriploV
de
Artes, Religiões e Ciências |
ISSN 2182-147X |
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Carlos A. Filgueiras
(Universidade Federal de Minas Gerais) |
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A EVOLUÇÃO DA QUÍMICA DO SÉCULO
XVI AO SÉCULO XIX
ATRAVÉS DE TEXTOS ORIGINAIS |
2ª PARTE: A QUÍMICA EM LÍNGUA
PORTUGUESA |
INDEX |
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CAPÍTULO
IV: A DIVULGAÇÃO DA CIÊNCIA EM PORTUGAL NO SÉCULO XVIII |
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A química moderna, bem como as outras ciências, como
a física e a história natural, foram institucionalizadas em Portugal com
a grande reforma efetuada na Universidade de Coimbra pelo Marquês de
Pombal em 1772. Isto não significa, como muitos já sustentaram, que não
houvesse qualquer manifestação científica no país. No reinado do D. João
V (1706-1750) alguns tópicos científicos foram ativamente estudados,
sobretudo pelos militares, como essenciais á demarcação, posse e defesa
dos imensos territórios portugueses no ultramar. Desta maneira, a
matemática, a astronomia, a geodésia, a balística, a metalurgia, o
fabrico e o uso da pólvora foram assuntos da maior importância que
vários engenheiros militares, sobretudo, perseguiram com denodo.
Pode-se muitas vezes vislumbrar o que está ocorrendo
lançando mão de evidências indiretas, como a divulgação científica
disponibilizada para a população. Por isso, este relato tratará
inicialmente deste item, ou seja, mostrará por meio de alguns exemplos
como a ciência era divulgada entre a população leiga. Em seguida se
mostrará como se deu o desenvolvimento da ciência acadêmica. Os
primeiros exemplos são de divulgação popular da ciência, ou daquilo que
se acreditava fosse ciência. Em seguida veremos a divulgação da ciência
erudita.
A figura 44 mostra à esquerda o frontispício de um
livro curioso publicado em 1759 sob forma de 15 fascículos, aqui
reunidos num único volume. Ele é um tipo daquilo que poderíamos chamar
de pseudo-ciência, pois, sob o manto de invocar autoridades do passado,
divulga crendices e superstições de todo tipo. O autor, José Ângelo de
Moraes, publicou a obra sob o pseudônimo de José Maregelo de Osan, um
anagrama óbvio de seu nome. O texto consta de perguntas em verso do
discípulo ao mestre, que também responde com versos. Em seguida,
seguem-se citações de autoridades antigas, que o mestre invoca para
apoiar suas respostas, por mais estapafúrdias que sejam. À direita da
Figura 44 vê-se um exemplo de dúvida do discípulo, neste caso
correspondendo à 14ª semana, assim como a resposta do mestre.
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Fig. 44. José Maregelo de Osan (José Ângelo de Moraes),
O Discípulo Instruído pelos Mestres mais Sábios nos Segredos Naturaes
das Sciencias, Lisboa, 1759, frontispício e diálogo entre discípulo e
mestre na 14ª semana de estudos |
O livro seguinte foi publicado no mesmo ano de 1759.
Seu autor foi Pedro Norberto de Aucourt e Padilha, e ele se intitula
Raridades da Natureza e da Arte, Divididas pelos Quatro Elementos. A
obra é dedicada ao Rei D. José I. A maior parte das "raridades" são
aquelas da terra, seguindo-se as da água, do ar e do fogo. Ao final há
dois capítulos sobre Magia Natural e Magia Artificial, respectivamente.
Alguns dos relatos são interessantes. Por exemplo, na seção sobre o ar
há a primeira menção, embora sucinta, publicada em Portugal sobre os
experimentos de Bartolomeu Lourenço de Gusmão com os balões de ar
quente, executados cinquenta anos antes. O tom geral do livro, todavia,
é de muita crendice e superstição, o que o torna também interessante
como fonte de informação preciosa sobre a mentalidade da época. A Figura
45 mostra seu frontispício. |
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Fig. 45. Pedro Norberto de Aucourt e
Padilha, Raridades da Natureza e da Arte, Divididas pelos Quatro
Elementos, Lisboa, 1759 |
A Figura 46 mostra, à esquerda, a dedicatória do
autor das Raridades ao Rei D. José, e à direita a curtíssima menção a
Bartolomeu Lourenço de Gusmão. A razão de se inserir aqui a dedicatória
ao Rei ficará clara um pouco mais adiante. |
Os |
Fig. 46. Pedro Norberto de Aucourt e Padilha, Raridades da Natureza e da
Arte, dedicatória a D.José I (à esquerda) e menção a Bartolomeu de
Gusmão (à direita) |
Os próximos exemplos retratam a divulgação científica
de natureza erudita, refletindo em muitos aspectos o estado de
desenvolvimento científico da Europa da segunda metade do século XVIII.
Estas publicações são, portanto, completamente distintas das duas
mostradas anteriormente. A primeira delas é a Recreação Filosófica, ou
Diálogo sobre a Filosofia Natural, para Instrução de Pessoas Curiosas,
que não Frequentaram as Aulas, em 10 volumes, de autoria do Padre
Oratoriano Teodoro de Almeida. Esta é uma obra de enorme importância
para o Portugal do século XVIII, e sobre ela muito se tem escrito. A
Congregação do Oratório, fundada na Itália por São Filipe Néri, dava
enorme importância ao estudo da ciência, cujo estudo serviria de base à
própria fé cristã. Esta postura contrapunha os oratorianos aos jesuítas,
para os quais a fé precedia tudo, mesmo que muitos jesuítas também
tenham sido grandes cultores das ciências. Em Portugal, todavia, o
confronto esteve sempre latente, até a expulsão dos inacianos em 1759.
Mais tarde os próprios oratorianos também entrariam em choque com o
despotismo pombalino.
A Recreação Filosófica é uma obra de muito interesse,
pois foi das primeiras publicações a introduzir a ciência moderna em
Portugal, como, por exemplo, a física newtoniana, que é bastante
discutida e explicada por Teodoro de Almeida. A publicação dos dez
volumes se estendeu de 1751 a 1800, com várias edições e reedições. A
coleção aqui tratada vai de 1786, que é a data do primeiro volume, a
1800, que marca a publicação do décimo tomo, embora o 3º e o 4º tomos
ostentem a data de 1803, e o tomo 7 a de 1805, tratando-se evidentemente
de reimpressões, embora todos os volumes tenham exatamente a mesma
encadernação de época. O texto é apresentado sob a forma de diálogos
filosóficos, que se desenrolam sempre à tarde, entre várias personagens,
como Eugênio e Teodósio, presentes no primeiro volume, e outras que
depois se acrescentam. Os diálogos compreendem 50 tardes, seguidas de
mais 19 que ocupam os dois últimos volumes e se ocupam de assuntos de
religião, moral e teologia.
A Figura 47 apresenta as duas páginas de abertura do
primeiro volume da Recreação, mostrando um retrato do autor e o
frontispício da obra. É curioso que a data de publicação do volume é
1786, mas a legenda sob o retrato de Teodoro de Almeida dá seu ano de
morte, 1804. Então, ou o retrato foi adicionado posteriormente, ou o
volume é uma reedição do início do século XIX, mantendo-se a data
original do frontispício, o que talvez seja mais provável. |
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Figura 47. Recreação Filosófica, com o retrato do
autor, Teodoro de Almeida, e o frontispício do primeiro volume, Lisboa,
1786 |
A Figura 48 mostra a dedicatória
presente ao Rei D. José I no primeiro volume da Recreação Filosófica,
que tem a data de 1786. Aqui ocorreu uma curiosidade muito interessante.
A vinheta com a efígie de D. José é a mesma que havia aparecido na
dedicatória do livro de Pedro Norberto, de 1759, mostrada pouco atrás,
27 anos antes da presente publicação (Fig. 46). A Figura 49 apresenta
uma confrontação das duas vinhetas lado a lado. |
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Figura 48. Teodoro de
Almeida, Recreação Filosófica, dedicatória a D. José |
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Figura 49. Comparação entre as vinhetas com a efígie
de D. José I
nos livros de Pedro Norberto de Padilha (1759) e de Teodoro de Almeida
(1786) |
As Figuras 50 a 53 reproduzem
algumas das belas gravuras que ilustram a obra de Teodoro de Almeida |
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Fig. 50. Recreação
Filosófica, vol. 1, 1786, estampa 2: roldanas, atrito, força dos ventos,
etc |
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Fig. 51. Recreação Filosófica,
vol. 2, 1787, estampa 2: experimentos de óptica |
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Fig. 52. Recreação Filosófica,
vol. 3, 1803, estampa 4: experimentos de hidrostática |
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Fig. 53.
Recreação Filosófica, vol. 4, 1803, estampa 2: experimentos de óptica,
incluindo o esquema de um microscópio |
O último exemplo de obra de divulgação científica de
natureza erudita é o Jornal Enciclopédico, que começou a ser publicado
por Félix Antonio Castrioto em 1779. Após este primeiro ano ele foi
interrompido e só voltou a sair em 1788, sob a direção do médico,
farmacêutico e químico Manoel Joaquim Henriques de Paiva (1752-1829). O
volume constante desta mostra engloba estes dois anos, 1779 e 1788. O
Jornal Enciclopédico procurava dar notícia de tudo o que ocorria na
Europa em relação às ciências, e também se ocupava bastante das
publicações científicas e dos progressos havidos em Portugal. A Figura
54 apresenta a bela portada e o frontispício do primeiro número do
Jornal. |
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Fig. 54. Portada e frontispício do
primeiro número do Jornal Enciclopédico, Lisboa, 1779 |
No número correspondendo a 1788 Manoel Joaquim
Henriques de Paiva inseriu uma crítica cruel ao livro de estréia do
jovem químico brasileiro Vicente Coelho de Seabra Silva Telles,
publicado no ano anterior, a Dissertação sobre a Fermentação em Geral e
suas Espécies. Embora o livro seja uma obra pequena e despretenciosa,
esta crítica ferina gerou uma profunda inimizade entre os dois. A
crítica ocupa quase duas páginas do Jornal Enciclopédico, que estão
reproduzidas na Figura 55. |
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Fig. 55.
Resenha bastante crítica do livro de estréia do químico brasileiro
Vicente Coelho de Seabra Silva Telles, cujo nome está grafado numa
variante, pelo editor do Jornal Enciclopédico Manoel Joaquim Henriques
de Paiva, publicada em 1788. |
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Engenheiro químico, UFMG (1967), com
doutorado em química, Universidade de Maryland (1972), pós-doutorado
também em química, Universidade de Cambridge (1980-81), estágios curtos
em várias universidades de diversos países. Foi professor titular de
química inorgânica na Universidade Federal de Minas Gerais (1968-1997) e
na Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997-2010). Atualmente é
pesquisador da UFMG. Dedica-se á pesquisa em química de coordenação e de
organometálicos, como também ao ensino da química e à pesquisa e
ensino em história da ciência. Tem publicado ao longo desses anos em
todas essas áreas. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Química no
biênio 1990-1992.
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