Temos no TriploV os mapas das províncias de Portugal (links em baixo), a ver se aprendemos alguma geografia. Foram copiados da Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, por isso deixam muito a desejar em matéria de actualidade, mas para o caso servem muito bem, pois cidades importantes como Coimbra, Aveiro e Tomar, e praias bem famosas como a Figueira da Foz, têm resistido nos seus pontos geográficos sem arredar pé, apesar de parecer, em alguns textos científicos, que de vez em quando apanham o comboio e vão dar uma curva até ao Douro.
Bom, estou a falar outra vez do texto de Augusto Nobre, aliás um de vários, "Mollusques du Portugal", que também está em linha, porque vou precisar que as pessoas tomem conhecimento directo dele. Para o mês que vem, não me contentarei com a reprodução neste meio virtual, quero que palpem, cheirem, assimilem o que está escrito num exemplar em papel. E porquê? Porque para tomarmos consciência do que sabemos, para sabermos alguma coisa dos pés à cabeça, ainda que seja tão simples como reconhecer que Augusto Nobre está a passar-nos rasteiras imensas com noções básicas de geografia, é preciso bater com a cabeça nas paredes. "Aprende-se muito...", diz o Prof. Gallopim, com o seu sorriso angélico... Ah, pois, aprende-se muito mais com a asneira do que com a asserção correcta. Qualquer analfabeto sabe que a Figueira da Foz, Aveiro e Coimbra, ficam onde ficam, mas quando lemos um texto como o de Augusto Nobre, e para o ler não é preciso saber francês nem nada de especial sobre caracóis, basta olhar para as localidades que ele inclui em regiões como "Douro" ou "Extremadura", para vacilarmos nas pernas que começam a tremer, para duvidarmos do que julgávamos saber, mas sabíamos muito epidérmica e livrescamente. E então vamos à enciclopédia e aos atlas confirmar. Confirmamos mil vezes, até desistirmos: sim, eu sabia, Coimbra não fica no Douro! E desistimos de procurar a "Rabicha", apesar de termos a certeza de que tal terra devia existir, e porque não? É uma palavra bem portuguesa, e Augusto Nobre não foi só reitor da Universidade do Porto, não é só um dos mais lidos e louvados zoólogos de Portugal, ele também foi ministro da Instrução Pública, e é das tais coisas: os naturalistas fazem colheitas, se querem saber que caracóis há em Portugal, pegam na trouxa e vão por esses campos fora, de geografia sabem tudo, a geografia é um dos alicerces da História Natural e uma das suas mais usadas ferramentas. Portanto, se Augusto Nobre diz que há dada espécie de caracóis em Rabicha, é porque Rabicha é uma dessas inúmeras localidades campestres semeadas por Portugal. Mas ficamos na dúvida, porque não figura nenhuma Rabicha no Dicionário Corográfico de Portugal, e a Enciclopédia Portuguesa e Brasileira só conhece o termo como substantivo comum, em particular como sinónimo de rabeta...
Não vou alongar-me mais, queria só dizer o que já disse: às vezes pensamos que sabemos, mas o nosso conhecimento é só de razão, está na cabeça, não passa por outros órgãos além do cérebro. E esse conhecimento é frágil, basta pegarmos em textos gralhados como os Augusto Nobre para entrarmos em pânico, para nos sentirmos profundamente humilhados. E é quando o conhecimento passa por aí, pela paixão, pela desordem dos sentimentos, que aprendemos de facto, que assimilamos numa dimensão de profundidade, como se todo o corpo, e não apenas o cérebro, precisasse de receber a informação para tomar conhecimento dela.
Quem acredita que a ciência é uma frígida donzela que não tem emoções? Objectiva, racional, positiva como um quadrado ou triângulo? Não é, não. O texto científico pode agir muito mais sobre as emoções do que as tragédias de Shakespeare.
E que sentimento experimenta quem escreve essas barbaridades? Quando o escritor descobre novas palavras ou situações, pode rir à gargalhada. O poeta, esse, comove-se até às lágrimas com a beleza do que cria. E o cientista? O cientista morre de vergonha quando tem um deslize, os textos científicos passam de mão em mão antes de publicados, para evitar erros e gralhas. É claro que um erro colossal não queima, se eu disser que a Guarda é a capital de Paris, ninguém acredita que eu esteja a falar a sério. Mas como saber a intenção de quem escreve passados cinquenta anos ou mais? Não conhecemos as pessoas, falam-nos do unicórnio e de sereias e nós sorrimos, superiores - Coitados dos antigos, acreditavam nessas coisas! Como sabemos que acreditavam? Como sabemos que não estão a rir de nós? Leia, leia o texto de Augusto Nobre, veja se por acaso ele não estará a criar os unicórnios e os tricórnios da ciência do século XX.