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ALEX GONÇALVES VARELA
(Historiador e Doutorando em Educação Aplicada às Geociências DGAE/UNICAMP) |
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AS ACTIVIDADES CIENTÍFICAS DE JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA NA INTENDÊNCIA GERAL DAS MINAS E METAIS DO REINO Um Espaço de Difusão dos modernos Conhecimentos Mineralógicos Pela Sociedade Portuguesa do Início do Século XIX* |
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O propósito em prosseguir com os estudos em História das Ciências no contexto do império colonial português entre o final do século XVIII e início do XIX encontra em José Bonifácio de Andrada e Silva um campo apropriado e perspectivas fecundas de trabalho. Isso porque, em primeiro lugar, sua presença na bibliografia especializada se faz, de forma quase que consensual, principalmente em torno de sua identificação como o “Patriarca da Independência”, o que, grosso modo, corresponde ao primado concedido ao seu perfil de estadista e parlamentar. São análises portanto que enfatizam o viés político de sua trajetória histórica, deixando de incorporar sua dimensão de naturalista. No entanto, José Bonifácio notabilizou-se não apenas como homem público mas também como um estudioso e pesquisador do mundo natural. Ele participou de viagens científicas, foi sócio de inúmeras sociedades científicas européias, publicou diversas memórias no âmbito da história natural e administrou espaços governamentais portugueses ligados diretamente à mineração e à agricultura. Portanto, em que pese a densidade da bibliografia a seu respeito, há lacunas que estimulam a reflexão em novas direções. O objetivo deste trabalho é resgatar o perfil de naturalista do personagem citado durante o período em que viveu em Portugal, destacando as suas atividades no âmbito da Intendência Geral das Minas e Metais do Reino, tendo como premissa fundamental o fato de que o seu perfil de filósofo natural e homem público não pode ser estudado de forma separada, uma vez que se cruza e entrelaça, pois esse era o perfil que caracterizava o homem da Ilustração. |
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As Memórias científicas produzidas por José Bonifácio estão relacionadas com um momento bastante específico das relações entre Portugal e Brasil no final do século XVIII e início do XIX. As transformações provocadas pela Revolução Industrial e pela Revolução Francesa e a consequente crise do Antigo Sistema Colonial tornaram obrigatória a necessidade de se promover reformas profundas. Essas reformas, em Portugal e na Espanha, visavam superar a defasagem econômica frente a países como a Inglaterra, a França, entre outros. Para os homens que estavam à frente do Estado português, era imperioso superar esse descompasso frente às potências européias se Portugal quisesse manter sob o seu domínio todo o seu Império ultramarino, sobretudo o Brasil. As reformas promovidas pelo Estado português tiveram o seu início no governo de D. José I, com o seu todo-poderoso ministro Marquês de Pombal, e foram reforçadas no governo de D. Maria I, mais especificamente por meio do principal “ homem da viradeira ”, o ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Ao seu lado foram cooptados toda uma série de estudiosos, das mais diversas partes do Império ultramarino. Ganharam destaque os naturalistas da Academia Real das Ciências de Lisboa, instituição científica portuguesa que orientou as pesquisas com o intuito de reconhecer e explorar as “ produções naturais ” do Reino e de todo os eu império português. Essa articulação entre o Estado e as instituições científicas também ocorreu por meio da Universidade de Coimbra, que ajudou a difundir as “ luzes da razão e do progresso ” pela nação lusa. Entre os naturalistas da Academia Real das Ciências de Lisboa que foram cooptados pelo Estado português para desempenhar papel ativo nessa política de reformas encontra-se José Bonifácio de Andrada e Silva. Esse “ português natural do Brasil ” formou-se em Filosofia e Leis pela Universidade de Coimbra, passando a integrar a “ elite do conhecimento ” formada naquela instituição após a reforma pombalina. Após receber o grau de bacharel, conseguiu entrar para a Academia Real das Ciências, sendo logo agraciado com uma pensão real para participar de uma “ viagem filosófica ” por diversos países da Europa Central e do Norte com o intuito de obter os modernos conhecimentos mineralógicos. Essa viagem complementou a formação recebida em Coimbra e especializou as atividades profissionais do personagem tornando-se, como ele próprio afirmava, um “ metalurgista de profissão ”. Cabe relatar que, no âmbito desta viagem, Bonifácio passou a pertencer a uma série de sociedades científicas, destacando a Academia de História Natural de Paris, teve aulas com os mais renomados estudiosos da época, como Werner e Fourcroy, e publicou vários estudos científicos, honrando assim o seu nome para o mundo de “português e acadêmico”. Ao retornar a Portugal, José Bonifácio centrou as suas atividades de pesquisa científica no âmbito da Academia Real. Neste espaço, realizou diversos estudos sobre as “ produções naturais ” da colônia e do Reino, que deram origem à importantes Memórias científicas. Todo esse seu empenho como estudioso, juntamente com o investimento feito pelo governo para a complementação da sua formação e profissionalização no âmbito das atividades mineiras, levou D. Rodrigo de Sousa Coutinho, um dos mais importantes “ homens da viradeira ”, a arregimentá-lo para ocupar um cargo de extrema importância: a direção da Intendência das Minas do Reino, sendo que junto deveriam ser administradas as matas e bosques. Portanto, a partir deste momento, o seu perfil de filósofo natural tornava-se indissociável do perfil de homem público. A maior parte de suas memórias científicas está centrada nos estudos sobre a mineralogia, o que já aponta para uma especialização da atividade científica do personagem. Contudo, outros assuntos também foram objeto de suas pesquisas, como a pesca das baleias e a sua importância, as quinas e a sua virtude febrífuga, a história da Academia Real, a avaliação sobre o verdadeiro método de desinfectar as cartas vindas de países estrangeiros, entre outros, que deixaram transparecer o saber enciclopédico do estudioso, típico dos homens da Ilustração do século XVIII, e, portanto, inserido no clima de opinião típico da Ilustração setecentista. No âmbito da Intendência, Bonifácio realizou inúmeros trabalhos de pesquisa e lavra de minerais, como o ouro, a prata, o ferro, o carvão, entre outros. Eles ocuparam as páginas de importantes Memórias produzidas pelo filósofo e apresentadas à Academia Real das Ciências de Lisboa. Nelas, o autor relatou as suas atividades práticas de mineração nas regiões onde pesquisava, descrevendo pormenorizadamente os minerais encontrados e a sua localização. A Intendência das Minas constituía-se como um espaço de produção científica em Portugal que, ao lado da Academia de Ciências, tinham um papel central na difusão dos modernos conhecimentos científicos pela sociedade portuguesa. Por meio das suas memórias científicas e pelos relatórios e cartas enviadas aos homens do governo, José Bonifácio ajudou a criar e a sustentar uma rede de informação (1) que permitiu ao Estado burocrático do período da “ Viradeira ” conhecer de forma mais aprofundada e precisa todo o território português, ou seja, reconhecer os limites físicos dessa soberania, bem como as potencialidades econômicas do território administrado. Todas as informações fornecidas pelo naturalista e recebidas pelos dirigentes do Estado deveriam contribuir para o conhecimento global do espaço luso. O conjunto de informações presentes nas memórias do naturalista José Bonifácio não se destinavam a fins meramente administrativos, nem alimentariam uma ciência especulativa ou teórica. O saber científico tinha um caráter eminentemente prático, pois a ciência que ele praticava tinha como fim ser útil. As descrições e amostras de produtos, sobretudo os minerais, que foram recolhidos durante as suas viagens de campo por diversos pontos do território português destinavam-se não só à inventariação, catalogação e classificação das espécies ou ao reconhecimento das potencialidades naturais, como deveriam contribuir para o desenvolvimento econômico do Reino, para o incremento das indústrias, manufaturas e do comércio, entre outros fatores. O conjunto de informações científicas contidas nas Memórias de Bonifácio estavam todas baseadas na observação e na experimentação. O conhecimento científico, para ele, tinha que ser prático e experimental. A ciência que o entusiasmava era aquela que tinha como função resolver problemas práticos. A essa característica juntava-se o fato de sempre fazer análises prospectivas em seus estudos e propor a necessidade de utilizar os recursos naturais de forma planejada e racional, pois eles continham grandes potencialidades econômicas para o Estado português. Dessa forma, pode-se afirmar que o conhecimento científico estava integrado a um programa que, desenvolvido em uma instituição sob a tutela da Coroa portuguesa a Academia Real das Ciências -, tinha repercussões na ciência, na economia e na política. As Memórias elaboradas pelo autor se referiam a trabalhos práticos concretos, descritos nos menores detalhes. Elas explicitavam como essa política portuguesa de aproveitamento racional dos recursos naturais, sobretudo os minerais, foi efetiva e posta em prática pela Intendência das Minas, órgão estatal dirigido por José Bonifácio. As memórias mineralógicas constituíram-se em verdadeiros estudos analíticos das potencialidades minerais do país, através de exames cuidadosos de detalhes, de trabalhos de campo, de mapeamentos acoplados às informações históricas obtidas tanto de documentos de arquivos como de ruínas arqueológicas - que muitas vezes datavam da ocupação romana do território português ou dos antigos reinados outras do conhecimento empírico acumulado pelos lavradores, “ rústicos ” do local, ou seja, a política da Intendência parecia priorizar as regiões de algum modo já conhecidas sob possibilidades de potencialidades minerais a serem checadas, confirmadas, e exploradas racionalmente. A quantidade de minerais identificados por José Bonifácio em seu trabalho na Intendência vinha ao encontro de uma política estatal que tinha como objetivo a produção mineral. Em função disso, ele examinou as ocorrências de diversos minerais, como o ouro, o chumbo, o ferro, a prata, entre outros. Quanto à prática científica de José Bonifácio, observamos que no campo da mineralogia, ele seguiu o common sense desta ciência no período do final do século XVIII e início do século XIX, tanto pelos termos que empregava como pela sua metodologia de trabalho. Ele preocupava-se em descrever, identificar e classificar os materiais minerais em seu local de ocorrência, dando ao seu trabalho um caráter geográfico, onde o trabalho de campo adquirira papel essencial. Uma outra característica da sua prática científica foi a ênfase do naturalista na observação das regularidades permanentes, integrando-se a uma tradição de estudos que tinha em Buffon um dos grandes representantes. A observação e a descrição de regularidades permanentes, enquanto consequências de processo são bastante presente em seus trabalhos. Quanto às reflexões teóricas sobre a formação da crosta terrestre, essas quase não tiveram espaço em suas Memórias. O que mais lhe interessava era saber a potencialidade econômica dos minerais, para assim ajudar a resolver os graves problemas econômicos que Portugal enfrentava naquele momento. Como outros estudiosos da mesma geração, citando por exemplo José Vieira Couto (2), José Bonifácio foi um naturalista que se caracterizava por ser eclético e pragmático. O ecletismo e o pragmatismo eram características do pensamento Ilustrado do século XVIII, uma vez que o próprio Voltaire afirmava meu amigo, sempre fui eclético. E, assim também agia Bonifácio, que bebia em todas as fontes e tirava delas sempre o melhor, deixando de lado aquilo que não considerava de utilidade imediata. Um exemplo claro desse ecletismo era a utilização pelo autor de diferentes sistemas de classificação dos minerais, como o de Linneu, o de Wallerius e o de Werner. A recorrência a diversos sistemas era necessária para que ele pudesse conhecer e identificar os produtos minerais úteis aos interesses da Coroa portuguesa. Esse naturalista português natural do Brasil trabalhou intensamente para a Coroa portuguesa, atraído pela idéia de construção de um Império luso-brasileiro. O fato de ter sido cooptado pelo discurso imperial fez com que, em nenhum momento, em seus escritos científicos, o autor pensasse em independência e separação. Fez críticas à coroa, sobretudo ao monopólio comercial (3). Via a defasagem de Brasil e Portugal em relação ao mundo moderno, sobretudo à França, Inglaterra, Holanda e Itália, e queria começar reformando Portugal. Lembremos que inúmeras foram as suas atividades em Portugal, destacando os cargos político-administrativos que ali ocupou, como também a amizade que tinha com D. Rodrigo e o Duque de Lafões. Após a vinda da Família Real para o Brasil, parece identificado com a idéia de um grande Império português, centralizado na América. Imbuído de idéias reformadoras, mas sempre no intuito de orientar a Coroa e não romper com ela. Estadistas como D. Rodrigo tinham como missão precípua a fundação de um novo império que teria como sede o Rio de Janeiro e que deveria impor-se sobre as demais capitanias (4). E para este trabalho contaram com a colaboração e o empenho dos Ilustrados portugueses naturais do Brasil, destacando-se dentre eles José Bonifácio (5). A idéia de reformar o Reino somente seria abandonada anos depois da vinda da família real, quando se acentuaram as diferenças de interesse entre brasileiros e portugueses; no momento em que a união se tornou incômoda demais, sobretudo após as medidas tomadas pelas cortes portuguesas que visavam reconduzir o Brasil à situação colonial anterior às medidas decretadas por D. João VI no ano de 1808, e somente então, aceitariam a idéia de uma separação. José Bonifácio de Andrada e Silva, naturalista ligado aos interesses do Estado, desprendeu um grande esforço para contribuir para o processo de institucionalização das ciências naturais em Portugal, ao atuar em instituições de pesquisa e universitárias. Suas Memórias científicas foram o exemplo maior dessa contribuição. Por outro lado, tentou modernizar a administração das minas e das matas e bosques, buscando tornar a Intendência das Minas do Reino de Portugal uma empresa competitiva e capaz de funcionar como aquelas presentes em regiões da Saxônia, Freiberg, França, Itália, entre outras. Tudo isso foi feito tendo sempre em mente ser o “ mais humilde e fiel súdito português ”. |
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NOTAS | |
1 Sobre o processo de criação e sustentação dessa rede de informação ver com maiores detalhes o texto de: Ângela Domíngues. Para um melhor conhecimento dos domínios coloniais: a constituição de redes de informação no Império Português em finais de setecentos. Ler História, 39 ( 2000 ), pp. 19-34. 2 Ver a dissertação de mestrado sobre José Vieira Couto de: Clarete Paranhos da Silva. O desvendar do grande livro da natureza: as práticas geocientíficas no Brasil colonial vistas por meio de um estudo da obra mineralógica e geológica do cientista brasileiro José Vieira Couto, 1789-1805. Campinas: UNICAMP/DGAE/IG ( Dissertação de Mestrado ), 1999. 3 Ver a Memória Sobre a Pesca das Baleias (1790) produzida por José Bonifácio na Academia Real das Ciências de Lisboa. 4 Maria Odila da Silva Dias. "A interiorização da metrópole". In: Carlos Guilherme da Mota ( org.). 1822: Dimensões. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1986. 5 Kenneth Maxwell. Chocolate, piratas e outros malandros. Ensaios tropicais. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. |
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* Este trabalho foi apresentado no 9º Seminário Nacional de História da Ciência e Tecnologia e 2º Congresso Luso-Brasileiro de História da Ciência e da Técnica ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, no Museu de Astronomia e Ciências Afins, outubro de 2003. | |