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A função de terceiro sexo não é senão multiplicar a potência dos dois primeiros. Quanto mais voltado para si, quanto mais homossexual, mais desgastado, menos legítimo. O terceiro sexo necessariamente demanda uma negação de si mesmo. Porque o desejo mais pungente do homossexual masculino é pelo homem mais autêntico, assim como do homossexual feminino é pela mulher mais autêntica. Tal desejo implica a busca de um não-igual. Aponta para um resíduo excessivo de insatisfação que resgata, na própria maldição, a potência de um desejo mais visceral, para além do terceiro sexo, incluindo os outros dois: a precariedade dependente de um milagre, que é a essência do desejo — o segredo da divisa de Vigny: la femme aura Gomorrhe et l’ homme aura Sodome. O desejo não é senão o imperativo da união extremamente improvável do que se encontra mais afastado. Uma mulher que em corpo de homem, tem fadada ao insucesso sua busca por um homem verdadeiro, que sendo verdadeiro não responderia senão à mulher verdadeira, mulher em corpo de mulher. Mas no fundo exatamente porque a mulher que em corpo de mulher busca, numa probabilidade cem por cento garantida, o homem em corpo de homem, só padece de um desejo legítimo enquanto tais pólos se sustentem, em absurda tensão, os mais afastados. A identidade mais secreta de Marcel é Morel, e a de Agostinelli, Saint Loup. Foi isso o que fundamentalmente revelou a Olek o paradoxo do “rompimento” de Nietzsche com Vaginer. Não há qualquer dúvida de que fossem antípodas. Para Vaginer, o mais admirável em Nietzsche era sua cor de outono tardio, e sua voz de meias-noites arcanas, inquietantes. Mas esses atributos, Nietzsche os degradava, por demais expressivo, em poses, que Vaginer não podia suportar, senão fazendo uso de pastilhas Gérandel. E ao invés de tirá-lo para dançar, Nietzsche ainda lhe propôs um mergulho. Embriagado, aturdido, Vaginer ao invés de nadar debatia-se, como pretendendo dançar no meio do oceano. O sofrimento assim lhe vinha não de uma superabundância, mas de um esgotamento de vida, a impor-lhe uma necessidade de ser salvo, entretido. Melhor que tivessem permanecido na opulência de um deserto, que lhes possibilitasse dançar de verdade. Eis que quando Nietzsche, obscuro, quis de novo enfeitiçá-lo, Vaginer resguardou-se em saudável desconfiança. Por fim afastou-se, sereno, deixando Nietzsche vestido, ao longo de uma superfície profunda, em que deslizou. |
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ALESSANDRO ZIR – Professor do Departamento de Filosofia da Universidade de Caxias do Sul (Brasil). Bacharel em Filosofia (UFRGS/Brasil), Bacharel em Comunicação Social (PUCRS/Brasil) e Mestre em Psicologia Social e Institucional (UFRGS/Brasil).
Membro do Grupo Interdisciplinar em Filosofia e História das Ciências do Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados da UFRGS. Actualmente no Canadá, a preparar o doutoramento. E-mail: azir@zaz.com.br . URL: http://aletche.blogspot.com/ |