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BENTO CARQUEJA |
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BENTO CARQUEJA Radiografia sentimental de um grande homem Por Maria Elisa Pérez |
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Separata de "O Tripeiro", 7ª série, Ano XIII, nº 8-9, Porto, 1994 |
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Seu pai, também Bento de Sousa Carqueja, homem cheio de interesse devido às suas qualidades morais, exerceu vários cargos públicos e foi um exímio actor em festas familiares. Era irmão de Manuel e Francisco Carqueja, fundadores de "O Comércio do Porto». A mãe de Bento Carqueja, Amélia Soares de Pinho, descendia de uma família nobre, cuja casa brasonada em que vivia se situava do outro lado da praceta.
Quando começou a namorar com o dono da mercearia, foi um grande
desgosto para a família, por não ter escolhido um fidalgo para marido.
Contudo, as qualidades deste HOMEM BOM rapidamente conquistaram o Desde pequeno, o meu avô mostrou interesse por tudo, não se contentando com meias palavras quando pedia alguma explicação. O seu jogo fisionómico e os seus olhos azuis revelavam uma enorme vivacidade de espírito. O professor primário aconselhou os pais a mandá-lo estudar para a cidade, porque o "Bentinho" podia tornar-se alguém na vida.
É «enviado» para o Porto em 1870, acompanhado por um recoveiro,
para casa dos tios, Paulina e Francisco Carqueja, irmão de seu pai. Continua os estudos no Colégio de Nossa Senhora da Glória, onde teve por
companheiro Luís de Magalhães, filho do grande tribuno José Estevão, cuja
No colégio, cedo revela dotes de oratória e escrita, sendo notado pela leal camaradagem com os colegas. |
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Vive num meio culto e o jornalismo depressa domina o seu espírito. Com apenas 15 anos publica o seu primeiro discurso feito no colégio e no ano seguinte a primeira «reportagem do exterior» a propósito da Santinha da Arrifana. Ávido de saber cada vez mais, estuda Economia, Física, Agricultura e Filosofia, tornando-se um verdadeiro pedagogo. Possui uma memória prodigiosa e enorme facilidade em falar de qualquer assunto. Em 1881 é nomeado professor na Escola Normal do Porto e nessa mesma época entra para co-proprietário de «O Comércio do Porto». O seu lema dentro e fora do jornal é defender os interesses da Cidade e da Pátria. Não se deixa influenciar por ideias políticas, revelando-se sempre uma pessoa íntegra, procurando servir e ajudar aqueles que o rodeavam. A sua facilidade em se exprimir e o lugar de destaque que vai ocupando como homem do Porto, levam-no a discursar ao lado do grande tribuno António Cândido, no Teatro de São João, no IV Centenário da Descoberta do Brasil. Nessa altura já é casado com a sua prima, Elisa Maria Kunhartd de Sousa Carqueja, senhora que organizava, com outras damas da sociedade do Porto, festas de caridade a favor dos desprotegidos e das vítimas da Guerra.
Quando o Conde de Paçô Vieira o convida para entrar para o Governo,
a fim de integrar o Conselho Superior da Agricultura, recusa o cargo
afirmando: « - Desejo não ser nada no meu País, além do meu lugar de É também convidado para a Academia Real das Ciências, em Lisboa, cargo que aceita dado tratar-se de um centro de cultura. Foi um dos membros mais activos e assíduos - com inesperadas e interessantes intervenções. Ia de 15 em 15 dias às sessões que se realizavam à quinta-feira. Partia do Porto de véspera, no Sud, chegando à Estação de S. Bento sempre à última hora. O chefe, que já conhecia esse hábito, esperava que ele entrasse para anunciar a partida do comboio. Como já não era novo, minha mãe muito se preocupava com estas correrias. Um dia, para lhe agradar, vai cedo para a estação. Encontra o seu amigo Clemente Menéres e põe-se na conversa. O chefe, como o tinha visto chegar, manda partir o comboio e ... Bento Carqueja ficou em terra!... Em 1925, é novamente convidado para assumir um cargo no Governo. A esse convite, responde: «Quero ser uma pessoa independente para servir livremente o meu País». |
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O seu grande amigo Veloso Salgado pinta o seu retrato. Durante essas sessões dizia-lhe: «Fala comigo porque a falar é que te quero pintar». E assim saiu uma obra prima desse mestre, em que Bento Carqueja parece estar a comunicar connosco.
Vai ao Brasil, à Argentina e ao Uruguai realizar conferências. Um dia,
quando estava a almoçar - coisa rara, sozinho - num hotel em Buenos
Aires, recebe um telegrama que lhe anuncia o nascimento do seu primeiro
Foi também professor catedrático na Faculdade de Ciências do Porto.
Ao dar a sua última aula, levam-no ao Salão Nobre onde o reitor, outras
individualidades e os alunos prestam uma sincera homenagem ao Homem |
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Nunca recebeu qualquer salário pelas aulas que ministrava, entregando-o na totalidade ao Instituto de Investigação Científica de Ciências Económico-Sociais para as suas pesquisas. O ensino era para ele um enorme prazer. Era com satisfação que esclarecia e formava pessoas. Tem um desgosto enorme quando deixa de leccionar, desgosto esse que lhe custa a superar. Nunca reprovou ninguém. Dizia ao aluno: «Não será melhor vir na próxima época?...». Entre as aulas, as conferências e o jornalismo decorreu a sua vida. A "O Comércio do Porto" dedicou-se com alma e coração. Nessa época, tanto na cidade como na província comentava-se: «Vinha n' "O Comércio do Porto"... «"O Comércio do Porto" dizia...». As suas páginas de verdade, sem sensacionalismo, eram como escrituras que chegavam a todas as classes sociais. O grande número de assinantes que tinha espalhado por todo o País, como por exemplo os brasileiros e os capitalistas, muito apreciavam as notícias que os punham a par do que se passava por esse mundo fora. As senhoras e as jovens deliciavam-se com os folhetins. O jornal "o Lavrador" foi editado a pensar nos homens da terra, que tanto precisavam de ser esclarecidos com as novas técnicas da lavoura, tornando-se para eles um "breviário". Desde criança que a vida de Bento Carqueja foi a de um homem que lutou e trabalhou para ser livre, servir o próximo e a Deus.
Era uma pessoa calma,
com maneiras fidalgas, mas se fosse preciso assumir uma posição rígida
vergava qualquer um. O seu bom-senso, a sua justiça, a sua coragem, levam-no
a vencer as maiores dificuldades e
Era um filantropo, e
acima da vida intelectual e profissional o que mais amava era a família e o
seu torrão natal: Oliveira de Azeméis. Podia estar muito ocupado no jornal,
mas se algum conterrâneo o procurava,
Nunca deixou de
responder a uma carta. Quando o pai de Joaquim Alberto Pires de Lima, que
foi catedrático da Faculdade de Medicina do Porto, lhe escreveu dizendo que
tinha cinco filhos, era professor primário Quantas e quantas pessoas através dos seus actos de benemerência venceram na vida e foram alguém!
Para Bento Carqueja não
existiam impossíveis. Ao resolver construir o edifício de «0 Comércio do
Porto», situado na esquina da Rua Elísio de Melo com a Avenida dos Aliados,
chama o arq. Rogério de Azevedo - Rogério de Azevedo, acompanhado por dois desenhadores, concebe o projecto e a memória, facto quase impossível de acreditar! ... Em consequência do desgaste provocado pela realização dessa tarefa fica um mês de cama. Quem colaborou nos cálculos foi o engenheiro e arquitecto Baltasar de Castro. Na casa de seus pais, em Oliveira de Azeméis, vivia a irmã de Bento Carqueja, Amélia Laura Carqueja de Lencastre Abreu e Lima, que estava sempre pronta a recebê-lo e aos seus inúmeros amigos com deliciosas refeições. Meu avô apreciava comida portuguesa, principalmente taínhas da ria, trazidas ainda a saltar pelas varinas, e lampreias de Entre-os-Rios. Também da sua predilecção eram os doces de ovos e os ovos em fio, feitos pelas freiras do Convento de Arouca, e mais tarde pela Aninhas Doceira, em Oliveira de Azeméis, cuja mãe fora educada nesse Convento e lhe ensinara o segredo. No dia dos seus anos a irmã trazia-lhe uma grande taça cheia de ovos em fio.
No Casinhoto de
Ferreiros, em Oliveira de Azeméis, passava as suas férias. Nessa casa,
situada no meio das serras - cuja planta fora feita pelo seu amigo arq.
Marques da Silva -, existia uma linda varanda de pedra Gostava de vestir calças de estopa e casaco de alpaca por serem peças frescas nessa época do ano. Para dar a volta à quinta, colocava um chapéu de panamá e na mão um bordão feito de cana da Índia tendo em baixo um espigão de ferro, e em cima uma argola de prata com as suas iniciais. Normalmente eu acompanhava-o nesse passeio e foi assim que aprendi as primeiras luzes sobre botânica. Como era um apaixonado pela terra, essa terra dava-lhe um enorme prazer e bem-estar. Quando o Rei D. Manuel II se deslocou a Oliveira de Azeméis, recebeu-o em sua casa. Ao descerem para o largo, estalaram tiros de morteiro, o que fez o jovem Rei - ainda marcado pela recente morte do pai - agarrar-se ao braço de Bento Carqueja e dizer: «Ó Carqueja, estou seguro?! ...».
No Porto, na sua casa
da Rua da Alegria, 953, costumava jogar bilhar uma vez por semana com o
bispo D. António Barroso - a quem minha mãe servia rebuçados de avenca numa
tacinha de prata -, com Ferreira Já no meu tempo vinha jantar connosco, aos domingos, o Comendador Francisco Bernardino Pinheiro de Meireles - homem dedicado a instituições de caridade e mesário da Misericórdia. Com Bento Carqueja organizava, no Ateneu Comercial do Porto, a festa anual do Prémio Xavier da Mata para distinguir o melhor aluno e operário das fábricas do Porto e arredores, bem como dos asilos. Enternecia ver esses dois homens de idade ainda se tratarem como no tempo da meninice: «Ó Bentinho», «Ó Francisquinho». Wenceslau de Lima, Clemente Menéres, Vasconcelos Porto, Fernando Vaz Cerquinho, Teixeira Lopes, Luís Costa (seu primo), Tito Fontes (seu médico) e tantas outras figuras da cidade fizeram parte do seu leque de amigos!
Uma vez foi atacado
publicamente. Perguntaram-lhe por que não deu qualquer resposta. O seu
comentário foi simplesmente o seguinte: «Não perco o meu tempo a ripostar às
pedradas dos inimigos. Só os inimigos
Quando lhe perguntaram
o que era um jornal, respondeu: «Um jornal tem de rejuvenescer à medida que
avança na idade, porque a vida social transforma-se a cada momento e não faz
sentido que a imprensa não |
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«O Comércio do Porto» era mais velho do que ele seis anos.
Após a sua morte, uma
morte serena de um HOMEM BOM, na Rua do Molhe, à Foz do Douro, na manhã do
dia 2 de Agosto de 1935, o Conselheiro Luís de Magalhães, seu companheiro de
colégio, escreveu: «A
Também Júlio Dantas
nesse momento o descreve assim: «Não sei o que mais admirar em Bento
Carqueja. Se a sua inteligência penetrante, se o seu rasgo cheio de
iniciativa, se o seu perfeito aprumo moral, a sua autoridade, os seus juízos
cheios de bondade comovedora, a sua lealdade exemplar, a sua certeza, a sua
tolerância, qualidades mestras dos chefes, hoje tão em decadência por todo o
Mundo». E acrescenta ainda a frase de um velho poeta italiano: «Se queres
tornar bela uma cidade ergue uma estátua a um cidadão |
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