Desde tempos imemoriais esta
data era marcada com muitas fogueiras que festejavam e celebravam o
retorno do sol das profundezas da escuridão, já que no norte, dependendo
da região, ele pode ficar até alguns meses sem aparecer no horizonte. É
o momento em que toda a natureza se fecha sobre si mesma, num ato de
quase reflexão, pois a Mãe Terra não está gerando seus frutos, restando
a muitos a hibernação, seja ela física ou até mesmo espiritual.
Foi no século IV, durante o Concílio
de Nicéia, que se determinou a festa do Natal próxima ao solstício de
inverno (no norte), mais precisamente à meia-noite. Tal festividade
substituía as tradições pagãs que na noite especial de 21 de dezembro
celebravam a renovação do sol. A partir do dia do solstício de inverno
no hemisfério norte (solstício de verão em nosso hemisfério sul) o sol
começa a subir na esfera celeste, e os Romanos festejavam o evento nos
templos consagrados como o "sol invicto", exatamente na colina onde hoje
está a cidade do Vaticano.
A partir de 335 D.E.C.
passou-se a celebrar o Natal em Roma, substituindo-se a “celebração
do nascimento do sol visível no solstício de inverno pela do Criador
invisível do sol", segundo Santo Agostinho, Doutor da Igreja.
Transformava-se assim a festa solar pagã do "natale invicti" em festa
cristã do "natale cristi”, do Cristo vencedor. Fazia-se coincidir os
ciclos das festas cristãs com o das festas pagãs, ciclos estes marcados
pelas celebrações ritualísticas da Luz. Com isso o sincretismo e a
permanência da nova religião fundada por Roma estaria mais facilmente
garantida, o que realmente ocorreu.
A tradição do acendimento das
fogueiras remonta aos persas, a Zoroastro, que tinham no fogo o símbolo
máximo da Divindade. A imagem de Reis Magos que vêm do Oriente cultuar
ao Deus Sol também remonta à influência da Tradição dos persas na
Igreja. A tradição judaico-cristã é uma mescla de muitas lendas, mitos
e símbolos de tradições muito mais antigas que a própria Igreja do
Ocidente.
A Luz sempre eterna que ilumina a
noite de Natal desde a aparição dos anjos aos pastores de Belém, e mesmo
nas nossas missas da meia noite, chamam como num eco a Luz da
Ressurreição que será celebrada durante a noite Pascal meses depois. O
fogo é o símbolo solar por excelência.
A natureza, até então
morta, revive para verdejar e ao renascimento do sol manifestado no
Natal, responde com o renascimento da natureza manifestado em seu auge
na Páscoa. O Cristo, morto tal como em uma árvore, ressuscita como o sol
e abre as portas de seu Reino. Os símbolos natalinos que vemos hoje em
dia e que fazem referência às árvores de Natal, à neve e a todos os
símbolos que adquirimos são a ligação do Natal com o clima do norte e o
renascimento vegetal. A neve sujeita a natureza, como já mencionado, à
hibernação. As árvores não dão frutos. Por isso nasceu a tradição de se
colocar pequenos enfeites nos galhos dos pinheiros (ou qualquer outra
árvore considerada sagrada) para que representassem seus frutos que
surgirão novamente a partir da primavera seguinte. Nosso inverno no
hemisfério sul não é tão rigoroso, mas os ciclos de nascimento e morte
também existem.
A Festa da Luz, daquilo
que renasce, é modernamente a festa do "reveillon", quando entra o mês
de janeiro ou da Deusa Janus com seus dois rostos, um olhando
para o passado (o ano que já terminou) e outro olhando para o futuro (o
novo ano que se inicia), mostrando um futuro cheio de esperanças. Estas
se renovavam em seis de janeiro quando se comemora a Festa da Epifania,
ou Dia de Reis, como conhecemos nos países de língua portuguesa.
Epifania possui etimologia grega e
significa manifestação; no caso, a manifestação do Cristo
que acabou de nascer em 25 de dezembro. É
uma súbita sensação de realização ou compreensão da essência ou do
significado de algo. Nos
primeiros séculos da Igreja ritos bem particulares ocorriam na noite
anterior, ou seja, em de cinco de janeiro. Tais ritos podem ser
relacionados com os que ocorriam no Egito nos dias cinco e seis de
janeiro quando, em homenagem a Osíris, representava-se a sua morte, além
da busca de Isis e do nascimento de Horus. No dia seguinte as águas do
Nilo deviam transformar-se em vinho, também um símbolo do sangue do
Cristo. O sol devia, por intermédio do fogo, unir-se à terra, mas também
antes devia unir-se à água para provocar a renovação da natureza no par
de opostos. A
apresentação de Cristo aos povos se dá com o episódio da visita dos Reis
Magos ao Menino Jesus. Com a reforma do calendário litúrgico em 1999, a
Igreja transferiu essa festa para o 2º domingo depois do Natal, à qual é
festivamente comemorada pelos congadeiros, com suas belas folias de
reis.
O Natal também é a festa das crianças,
o que lhe confere seu caráter de intimidade familiar e de celebração de
inocência. Mas a criancinha deitada na manjedoura do presépio deve
crescer a partir desse dia, pois este é o seu destino tal como o do sol.
Ambos são na verdade um só desde o início dentro desta representação
particular. O Papai Noel traz os presentes àqueles que tiveram um bom
comportamento durante o ano que se encerrou, ligando-se à idéia de carma
tão inerente aos místicos. O bom velhinho é um Santo (Santa Klaus do
norte) que acabou por tornar-se hoje num símbolo comercial, pois
representa a doação àqueles que nada tem (ou assim deveria ser).
A idéia de Criança-Deus é totalmente
estranha ao Islã, religião do Oriente Médio, terra de Jesus, onde Alá
identifica-se também a um "sol invictus" que estaria sempre presente no
solstício de 24 de junho, com o sol no zênite, ou seja, no meio do céu,
exigindo a fé de suas criaturas submetidas ao seu poder. Lá o sol não se
"esconde" no inverno, levando a outras adaptações da Tradição
Primordial. "Islã" significa "submissão (a Alá)". Um sol ofuscante só
pode iluminar o crente com sua luminosa evidência, assim como o sol
escaldante do deserto, sendo este o meio ou habitat daqueles povos.
O Sufismo, misticismo muçulmano, raiz
da Ordem do Templo e oriundo do Antigo Egito, encontra também nesses
símbolos meios de meditação profundos que levam a Alma humana ao êxtase,
não somente através da dança e da música, mas também com a meditação e o
retiro interior.
O Natal nos oferece outra
visão: a de um Deus que se esconde como o sol de inverno nas altas
latitudes, lá onde a cristandade devia precisamente propagar-se, sob os
climas menos ensolarados que os da Arábia, do Oriente Médio ou da África
do Norte, primeiros berços do Islã. Jesus Cristo simboliza o Deus
escondido, um Deus que se mantém humildemente à porta da alma e do
coração, um Deus que se infiltra e se insinua nos nossos momentos de
fraqueza, em nossos pontos de ruptura. Somos muito incompletos,
divididos pela fronteira que separa o animal e o homem.
Profunda insatisfação que se sente
cedo ou tarde devido a um tipo de "dívida" com relação a esta estranha
aspiração pela perfeição que constantemente habita o nosso ser interior.
É a busca da regeneração que Saint Martin nos ensina através do
Martinismo. A escuridão da noite com que se comemora o Natal nos remete
ao inconsciente, ao adormecimento da Alma que está prestes a despertar
junto à Iniciação que obtemos interiormente, quando compreendemos os
mistérios do Nascimento do Senhor.
Tanto o Oriente quanto o
Ocidente possuem em suas Tradições espirituais a convergência da idéia
de que a renúncia e a pobreza de coração são condições necessárias para
o despertar da liberdade interior, único caminho para a Reintegração ao
Amor do Eterno. Temos neste símbolo o estábulo e a simplicidade da
manjedoura em que o Mestre encontra-se deitado, sendo adorado pelos três
Reis Magos. Em nosso coração está o Templo Interior, o estábulo simples,
aquele mesmo que cultiva o símbolo do coração Crístico que acaba de
nascer e que vemos nas imagens de Jesus e de Nossa Senhora. É o Sagrado
Coração de Jesus e de Maria sempre presentes.
Reunindo-se assim as
muitas antropologias, a mensagem cristã, adogmática, é como uma semente
enterrada na noite da terra invernal: de início é pequena no coração que
está pronta a acolhê-la e só cresce pacientemente, etapa por etapa,
através das alegrias e tristezas da vida. Esta mensagem invade e investe
o ser inteiro, por um fenômeno de crescimento, por meio de uma pulsação
lenta e irresistível quanto aquela que faz a criança crescer ou que faz
o sol de Natal elevar-se no céu todos os dias.
Assim, o Natal acontece diariamente
sem que muitas das vezes nos apercebamos disso. O Deus-Sol, o Logos
Solar, Aquele Ser que nos alimenta com Sua Luz, calor e a Sua Divindade,
está sempre nos mostrando que somos capazes de vencer os obstáculos da
natureza e do próprio homem.
É certo que muitas
sementes abortam, pois é a lei que só algumas darão frutos de início,
mas malogros e insucessos pertencem àqueles que não sabem acreditar, que
não querem realmente acreditar; aos que não põe em prática a revelação
das bênçãos diárias de Deus que desafiam a lógica humana. A palavra
"prática", dita de forma profana, nada tem a ver com a prática
mística. Esta, a verdadeira, significa "praxis", que é maneira de
agir, modo de viver, de ser, é a prática Cavaleiresca, código que
pertence ao Cavaleiro que diariamente luta contra as forças contrárias
às propostas pelo Criador. Cavaleiro-Guerreiro que é o representante na
Terra do Sol Vencedor. Ou seja, somos nós mesmos.
Somos os guardiães dessa semente para
o amanhã. Temos que levar adiante a chama do Ser Maior que está em nós
desde tempos imemoriais e deixar que ela nasça todos os dias no coração
daqueles que estão preparados, de uma maneira ou de outra. E todos o
estão, num nível mais ou menos profundo.
"O caminho é estreito", nos disse o
Senhor, mas não impede que ninguém prossiga em sua missão. Dependerá
apenas de nós mesmos. |