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Adílio Jorge Marques |
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ADILIO JORGE MARQUES & SUSANA ZANELLA
“A Ceia do Senhor”: 1Cor 11, 17-22 |
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1 –
Perícope: 1Cor 11, 17-22 – “A Ceia do Senhor”:
“17Dito isto, não posso louvar-vos: vossas
assembléias, longe de vos levar ao melhor, vos prejudicam. 18Em
primeiro lugar, ouço dizer que, quando vos reunis em assembléia, há
entre vós divisões, e, em parte, o creio. 19É preciso que
haja ate mesmo cisões entre vós, a fim de que se tornem manifestos entre
vós aqueles que são comprovados. 20Quando, pois, vos reunis,
o que fazeis não é comer a Ceia do Senhor; 21cada um se
apressa por comer sua própria ceia; e, enquanto um passa fome, o outro
fica embriagado. 22Não tendes casas para comer e beber? Ou
desprezais a Igreja de Deus e quereis envergonhar aqueles que nada têm?
Que vos direi? Hei de louvar-vos? Não, neste ponto não vos louvo”.
Delimitando o texto, a perícope está situada no
capítulo11, versículos 17-22 da Primeira carta de Paulo a comunidade de
Corinto. O objetivo é apresentar o bom comportamento na assembléia ou
comunidade, a partilha e comunhão entre os membros como atualização da
prática de Jesus. A “ceia própria”
de cada um é posta em contraste com a “Ceia do Senhor”, exigindo
celebração comum no amor e repelindo as divisões geradas pelo egoísmo.
Um das versões antigas escritas mais antigas que se refere à instituição
e celebração da Eucaristia. Bíblia de referência: Bíblia de Jerusalém. |
2 - Contexto literário |
O texto antecedente – A conduta dos homens e das
mulheres, 1Cor 11, 2-16 - apresenta uma espécie de hierarquia: Deus
– Jesus Cristo- homem – mulher. Paulo pretende nessa passagem
salvaguardar as assembléias litúrgicas de tudo aquilo que poderia
ofender a santidade de culto,
ou ainda manter nas reuniões cultuais da comunidade cristã um clima de
decência e santidade. Para alguns autores, a passagem manifesta uma
característica machista de Paulo, outros, porém, chegam a afirmar que
esse trecho não pertence a ele, mas que seria sim uma colocação tardia
na carta.
Ao se analisar o
conteúdo, o que fica mais evidente da postura de Paulo, é que antes de
tudo, ele quer apontar que a diversidade entre homem e mulher perde a
razão de ser no Senhor,
sob o olhar de Jesus Cristo e em vista da salvação que é para todos,
onde não pode haver separação entre homens e mulheres. Com isso este
texto enfatiza que o lado humano egoísta apresenta obstáculos à comunhão
com Deus através do Senhor, como conselhos pragmáticos de boa conduta.
No texto subseqüente,
estão os versículos 23-34 do capítulo 11 – A Ceia do Senhor.
Paulo faz menção a instituição da Eucaristia. Ele começa o discurso
usando as palavras receber e transmitir, que o colocam na posição de um
intermediário numa cadeia de tradição da mensagem de Jesus a sua
comunidade.
Sublinha o caráter histórico da eucaristia ou da celebração eucarística.
Afirma a eucaristia não como um evento mítico, fora dos limites do
tempo, mas como um acontecimento real, situado dentro de um contexto
histórico e de salvação porque deixado pelo próprio Jesus. Não se trata
apenas de uma lembrança psicológica, mas de uma atualização da última
ceia de Jesus sob forma sacramental, no qual a comunidade cristã
participa eficazmente do evento salvífico da morte e ressurreição de
Jesus. |
3 - Pré-texto |
A comunidade de
Corinto era formada por vários grupos, sendo que a maioria dos cristãos
vinha das camadas mais pobres, e grande parte da população era formada
por escravos e libertos. Os cidadãos livres eram a minoria e formavam a
classe rica. São esses ricos que colocam suas casas a disposição para as
reuniões da comunidade cristã,
sendo que as reuniões nestas casas de certa forma ajudava a não levantar
suspeita perante as autoridades. No entanto esse tipo de organização
também apresenta conseqüências negativas: o dono da casa acaba por
assumir uma atitude de desprezo com os mais pobres. Apenas alguns são
privilegiados, enquanto outros não, há separação de lugar, o próprio
tratamento na mesa é diferenciado. Se não há comunhão, não há ceia e,
sem esta, não há comunidade.
Muitos membros da
comunidade de Corinto só tinham em comum o cristianismo, pois havia
diferença em nível de conhecimento e financeiro já citado, de
habilidades políticas e também em suas expectativas (até mesmo em
relação a pregação de Paulo). Alguns viam na Igreja um meio de se chegar
a outras oportunidades que de certa forma haviam sido negadas pela
sociedade. Em síntese, havia um espírito competitivo. Além dos motivos
econômicos e sociais que criavam conflitos e tensões entre os vários
grupos da comunidade cristã, havia também as questões culturais dadas
pela relação com o próprio ambiente doméstico.
Vários autores definem a comunidade de Corinto como uma comunidade
turbulenta, apesar de muito amada por Paulo.
O mal estar era grande entre os
fiéis e os não fiéis presentes, em uma comunidade onde havia uma
supervalorização dos carismas espetaculares em detrimento aos mais
simples. As reuniões tornavam-se caóticas com grande facilidade, onde o
ágape era deixado para segundo plano.
A necessidade de uma
firmeza interior aparece nesta carta, pois Paulo exorta os cristãos a
agir de forma a respeitar a consciência errônea do outro, não querendo
dizer que deva se submeter ao erro de julgamento do próximo. Isso não
significa ser estranho a experiência cristã de estar no mundo, mas sim
uma rígida obediência ao Senhor estando no mundo.
Ser fiel às tradições transmitidas leva, para Paulo, à constante
“ligação” com a corrente apostólica que une cada cristão ao Deus vivo
que está representado na Ceia do Senhor, como veremos nos versículos 17
em diante. Citar nas fraquezas humanas os aspectos sociais mostra uma
intensa preocupação paulina com os costumes humanos que podem, então,
levar ao enfraquecimento dessa fé maior. A questão do penteado mostra a
importância de se ter controle sobre a sua cabeça, estando de forma a
atender os costumes da época e a não chamar mais a atenção do que a
própria mensagem do Senhor.
Este pré-texto mostra referência
à situação cultural da mulher, propiciando o estudo de uma antropologia
feminina em Paulo,
como a participação das mulheres com a cabeça descoberta e os tipos de
cabelo. |
4 - Crítica textual |
Paulo inicia a perícope denunciando as divisões
ocorridas no interior da comunidade, por isso tem a pretensão de dar
instruções precisas. Sua maneira de intervir, apresenta ironia:
“Vocês acham que devo elogiar?” (v.17); e censura: “Não tendes
casa para comer e beber?” (v.22). Segue com vários questionamentos
que deixam a impressão de se tratar de uma pedagogia utilizada pelos
filósofos, cujo objetivo é levar a pessoa tirar suas próprias
conclusões, ou buscar a partir do conhecimento já adquirido chegar por
si mesmo a uma resposta.
A Ceia do Senhor para Paulo é um convívio com Cristo
e com os irmãos. A refeição comum é a expressão da fraternidade e do
amor, representando desse modo as novas associações de pessoas de
diferentes culturas, posição social, sexo e tradição religiosa.
É uma refeição na qual o povo de Deus come o
alimento espiritual. Neste ato, o povo de Deus aprece como comunidade da
nova aliança. A comunhão do povo implica a união com Cristo e de uns com
os outros; é uma participação koinonia no corpo de Cristo.
Por esse motivo, Paulo reprova com categoria e
decisão as atitudes tomadas no banquete fraterno, pois não se trata da
Ceia do Senhor, mas da própria ceia (v.21). Na realidade o que estão
consumindo não é a Ceia do Senhor, (= Kyriakón deípon), mas uma
ceia particular (= idion déipnon).
Desse modo, a ação se torna inválida, porque se trata de uma prática de
injustiça da parte dos participantes. No Antigo Testamento há uma
sinalização para a problemática, em Is 1,10-20, as solenidades são
declaradas detestáveis, ainda em Is 58 aparece um questionamento da
validade do jejum quando não acompanhado de uma vivencia concreta,
semelhante a isso a falta de caridade torna inválida a celebração da
Eucaristia.
A comunidade vive um momento de divisão, e é nesse
contexto, e a partir dessa realidade que Paulo critica os abusos, a
falta de decoro e sensibilidade no banquete comunitário. Em termos
concretos, aos ricos ele pediu que não privassem dos bens, mas que
partilhassem com os pobres. Há um aspecto exortativo, em que ele pede
uma revisão de conduta, todo o questionamento proposto tem a intenção de
convidá-los a retomarem o caminho. Caminho esse que na mensagem de Paulo
é o próprio Jesus morto e ressuscitado. Conclui a perícope quase da
mesma forma como começou: “Hei de louvar-vos? Não, neste ponto não
vos louvo” (v.22). Paulo afirma neste ponto, o que deixa aberta a
questão de mesmo sendo uma comunidade problemática como muitos autores a
colocam e de fato é pela proposta e preocupação de Paulo, há também
muitos aspectos positivos e que são apreciados por ele. |
5 – Exegese: |
5.1 – A censura (vers. 17 e 18): Paulo faz duras
censuras aos coríntios a propósito de suas assembléias da Ceia do
Senhor, com uma nítida avaliação negativa da práxis eucarística. Foi
informado (vers. 18) que muitas confusões comprometiam gravemente o
verdadeiro significado da Eucaristia, sobre a qual Paulo transcorrerá
nos vers. 23 a 34 deste capítulo.
Vemos como havia uma forma já ordenada na mente de Paulo de tentar
controlar as comunidades distantes através das informações que recebe.
De influência helenística clássica, Paulo transfere suas informações e
suas mensagens de origem judaica para dentro deste estilo. Escreve de
forma personalizada, sendo objetivo e falando de coisas concretas que
afligem o ser humano e que podem corromper a tradição que perpetua com
os demais Apóstolos.
Havia grupos sectários que queriam a prevalência de sua cultura sobre a
Boa Nova, quando para Paulo estava claro que era a Nova aliança que
levava à salvação (Lc 22, 14-20). Sabe-se que as divisões são
inevitáveis, apesar de ser uma forma de pecado, ainda mais em uma
comunidade heterogênea como a de Corinto.
De qualquer modo a censura dirigi-se às reuniões eclesiais onde não
estaria ocorrendo a solidariedade.
5.2 – “Em primeiro lugar...” (vers. 18): Parece que o
texto Paulino quer elencar motivos para o caos em Corinto, mas este
termo não encontra uma seqüência clara no texto seguinte. Talvez se
ligue ao versículo conclusivo do texto subseqüente (vers. 34) onde Paulo
diz que irá regulamentar a comunidade quando lá chegar.
Paulo parece mostrar a função do Apóstolo perante a comunidade,
mostrando uma dupla função (válida até os dias de hoje): comunicar a
palavra à comunidade e descobrir a palavra na vida dessa comunidade,
dando-lhe realidade e eficácia, principalmente em termos eclesiais e nos
momentos críticos.
5.3 – A virtude comprovada (vers. 19): Para Paulo os
verdadeiros cristãos deverão fazer todo o possível para manter a
unidade, que é expressa na Eucaristia. Mostra que há uma separação do
“joio do trigo”, o que também não alivia a comunidade do peso de seus
erros. Ele conhece a Palavra do AT, onde aparecem situações de injustiça
dos oferentes e participantes, como em Is 1, 10-20. O texto antecedente
mostra um vasto “sermão” Paulino, como preparação textual, sobre o
comportamento da época para homens e mulheres em uma situação cristã
como a da Ceia do Senhor. A questão dos cabelos ressalta e exemplifica
as virtudes que devem estar postas ne mesma mesa onde está a Ceia que
leva à comunhão com o Cristo. Ocorre uma exortação de que todos que
comungam com Ele estão nele, assim como o próprio Paulo e os demais que
receberam a missão apostólica.
5.4 – A ceia particular (vers. 20 e 21):
Especificamente aqui se vê manifestações do afrouxamento da união da
comunidade, no momento solene da Ceia, o que torna ainda mais grave a
situação para Paulo.
Sabia-se que nem todos se sentavam à mesa para a Ceia em comum, onde os
que tinham mais posse estavam sentando à parte. Com isso, os coríntios
estavam consumindo uma ceia particular (ídion déipnon) em
detrimento da Ceia do Senhor (kyriakón déipnon),
evidenciando uma forte antítese. O gesto exterior fica esvaziado de seu
profundo significado. “Alguns passam fome...” mostra a anulação da
convivência crística entre todos que são iguais perante Ele. A
celebração eucarística torna-se uma ilusão. Não Igreja, a eclesialidade
é quebrada, pois não ocorre a verdadeira comunhão.
É certo que a falta de caridade da comunidade impede que a Ceia seja a
do senhor, apesar de dizerem as palavras aparentemente corretas.
Ministros inadequados bloqueiam a passagem da graça sacramental.
Os coríntios estão desprezando a verdadeira Igreja divina e humilhando
aos mais necessitados. Afrontar aos pobres é afrontar a Deus.
Todos os que participavam do ato de culto traziam algo para comer depois
deste. E era justamente nesta refeição pós-assembléia de oração e culto
que surgiam as discórdias.
Celebra-se aquilo em que se acredita. A comunidade e a liturgia devem
estar unidas em prol da mesma busca. Paulo mostra que na celebração da
Palavra, da Eucaristia, expressamos sempre a nossa fé. E esta deve ser
vivida. Não se pode prestar culto a Deus, ao Senhor, ignorando a
comunidade e conseqüentemente os mais necessitados. Para os irmãos a
Palavra é dada em pé de igualdade. E é na comunidade que se vive a fé. O
que está em jogo desde a primeira Ceia é o todo da vida, e não as
particularidades, e daí a comunhão. Sem isso a assembléia não será
“memória” da Ceia do Senhor.
5.5 – A ironia (vers. 22): Em ligação direta com a
exegese anterior, através de perguntas Paulo ironiza e protesta,
mostrando sua autoridade e sabedoria em relação à situação caótica desta
comunidade. É na própria casa, particular de cada um e isoladamente, que
os coríntios podem comer e beber até a embriaguez da carne.
Exorta a não confundir as reuniões eclesiais com mera refeição do
pecado. Ceiar com o Senhor é estar com Cristo e com os irmãos. A
reunião eclesial exprime participação da graça com os demais. Paulo
oferece um profundo ensinamento eclesial e comunitário. Mais uma vez
fica claro que o desprezo e a afronta aos mais necessitados equivale a
desprezo e afronta também ao Senhor. Paulo quer chocar colocando
questões que remetem ao egoísmo particular. Não há koinônia
(comunhão) mesmo havendo diversidade na comunidade.
Fica clara a referência: temos que louvar aos homens ou a Deus? Para
Paulo, a resposta é evidente. Alguns famintos se apressavam enquanto
outros ficavam sem nada (vers. 21). Por isso Paulo pergunta: “Não tendes
em vossas casas para comer e beber?”. Como havia uma nítida separação
entre a Ceia do Senhor e a refeição final, a ironia de Paulo enfatiza a
crise que se estabelecia na comunidade mas que ninguém conseguia
controlar até a sua intervenção. A gula enquanto pecado fica evidente
aqui, pois não há partilha igual, e mantém-se a desigualdade social
mesmo após a refeição final, ou seja, a desigualdade permanece entre os
irmãos que irmãs que assim chegaram para o culto. Para Paulo era o “pão
de Judas” em detrimento aos “Lázaros da vida”.
A comunidade que não conseguisse redimir todos os seus membros não havia
realizado a sua páscoa, em processo incompleto de libertação pessoal que
deveria cotidianamente ser celebrada e relembrada através da Eucaristia.
E não há “novo êxodo” sem que se passe pela diaconia e a pequenez (Lc
22,26).
Se Jesus come com os pecadores, Paulo só pode censurar aqueles que
querem comer sós. |
6 – Hermenêutica: |
Há uma relação entre a perícope escolhida e os temas
atuais? Podemos analisar as palavras de Paulo aos coríntios como sendo
palavras que se perderam no tempo? Quantas questões hermenêuticas podem
ser colocadas a partir de 1Cor 11, 17-22? O amor está presente nas
verdades e ironias desta carta paulina. Até hoje a tese central do
cristianismo é o amor.
Sabemos que em 25 de janeiro último, por exemplo, o
Papa Bento XVI apresentou ao mundo a primeira carta encíclica de seu
pontificado, intitulada “Deus Caritas est” (Deus é amor).
Voltamos, então, a atenção para o tema central da mensagem do Cristo: o
amor. Aí está a imagem cristã de Deus, bem como a imagem do ser humano e
de seu caminho.
Este tema nunca sairá das assembléias e reuniões em
torno do tema do Senhor, pois é oportuno e relevante no mundo de hoje
como o foi nas idades que se passaram. O desamor cresce, os meios de
comunicação mostram a desigualdade social que gera a miséria e a
exclusão, lideranças públicas governando em benefício próprio e de forma
totalmente egoísta, além da fome, desemprego, violência em todos os
lares e níveis. Muitas vezes em nome de Deus se estabelece uma
banalização da palavra amor, e também das atitudes que nos ligam a esse
amor. Hoje é uma palavra superficial. O Papa nos diz: “O amor é
possível, e nós somos capazes de o praticar porque fomos criados à
imagem de Deus (n. 39)”.
Na verdade o texto papal não traz nada de novo, mas
esta é sempre a novidade central da fé cristã, sempre atual e oportuna:
a nova lei ou aliança se resume principalmente no amor. Aspectos como
eros e ágape, amor no corpo e na alma, matéria e espírito,
temporal e eterno, amor a Deus e ao próximo, caridade e justiça social.
Estas são as realidades que nas suas aparentes diferenças estão
relacionadas. Resgata-se a visão do mundo e do ser humano como um todo
complexo, como ser uni-dual, afirmando sua dualidade, diferentemente de
viver no dualismo.
Paulo fala dos glutões e dos sem caridade para com os
pobres da comunidade. Sabemos que três palavras gregas buscam descrever
o amor enquanto Eros (tendência natural do amor humano e das coisas da
carne) e ágape (amor oblativo, doação). Os textos bíblicos privilegiam o
último termo para se referir ao amor. O ser humano é composto de corpo e
alma. O homem torna-se realmente ele mesmo quando estes estão em
unidade, quando Eros e ágape estão unificados. Eros é amor ascendente,
de si próprio, como nos glutões de Paulo. Ágape é amor descendente, para
o outro. Eros é força vital que pode conduzir ao amor, esquecendo de si
na fascinante descoberta do outro, mas deve ser refreada pela fé e pelo
exercício da vontade para se tornar ágape. O Eros necessita de
disciplina, purificação, para não se reduzir simplesmente ao prazer de
um instante, mas tornar-se cuidado do outro pelo outro. Só quando ambos
se fundem numa unidade é que o ser humano torna-se pleno dele próprio,
podendo então ser ou estar pronto para receber o Cristo eucarístico.
Assim, o amor de Deus é Eros e ágape em sua unidade. Paulo compreende
que o Logos encarnado tornou-se alimento para todos, no momento da
Eucaristia que é quando Deus vem ao encontro dos fiéis, daqueles que
foram separados do joio (vers. 19 de nossa perícope e correspondente
exegese).
Paulo mostra o caráter social da comunhão sacramental
pela Eucaristia, onde todos ficam unidos ao Senhor. A comunhão tira cada
um para fora de si mesmo, projetando-nos para a união com o Cristo e com
todos os demais irmãos. Todos em um só corpo. Mas, ao que parece, levou
um tempo para que as comunidades compreendessem isso, como ainda hoje a
comunidade globalizada ainda tem dificuldade de compreender tal fato.
Com isso Paulo mostra que a caridade é um dever eclesial; a “Igreja
exprime sua natureza anunciando a Palavra (kekygma-martyria),
celebrando os sacramentos (liturgia), a serviço da caridade (diakonia)”,.
Além dos
relatos da Instituição da Eucaristia, de Mt (26,26-29), Mc 14,22-25) e
Lc (22,15-20), temos também aquele de Paulo (1Cor 11,23). Este relato é
diretamente indicado por Paulo como uma
revelação. “De fato,
eu recebi do Senhor o que vos transmiti: Na noite em que ia ser
entregue, o Senhor tomou o Pão e, depois de dar graças, partiu-o e
disse- Isto é o meu corpo entregue por vós. Fazei isto em minha
memória.- Do mesmo modo, depois da Ceia,tomou também o cálice e
disse: - Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue. Todas as vezes que
dele beberdes fazei-o em minha memória. - De fato todas as vezes que
comerdes deste pão e beberdes deste cálice estareis proclamando a morte
do Senhor até que ele venha”.
Esta versão de Paulo é a primitiva. Precede aquelas dos Evangelistas e
e´ formadora.
A Eucaristia se
celebrava entre as comunidades primitiva “depois de uma refeição”,
como em 1Cor 1,25 e à semelhança da Última Ceia. Uma ceia em
comum era um sinal religioso. Paulo recomenda nos versículos anteriores
à Instituição, respeito muito grande para com a Eucaristia: que não haja
dissensões, brigas, egoísmos... Ninguém deve comer e beber indignamente
o corpo e o Sangue de Cristo. “Todo aquele que comer do Pão e beber
do Cálice do Senhor indignamente será culpado contra o corpo e o sangue
do Senhor... quem come e bebe sem distinguir devidamente o corpo, come e
bebe a própria condenação” (1,27.29). Para Paulo esta celebração era
a força do cristão. E alertava aqueles que tomavam tibiamente a
Eucaristia: “Por isto que há entre vós muitos enfermos e doentes e
não poucos tem morrido”. Enfermos e doentes como fracos na fé e os
que tem morrido os apóstatas.
A
Igreja recebe a sua vida dos mistérios de Cristo e cada celebração que
ela realiza é «memória»,
atuação e participação em tal mistério, como vemos, por exemplo, nas
profissões de fé do NT que são sempre narrações dos eventos [«mystéria»]
da vida de Cristo, finalizadas a proclamar o único evento [«mystérion»]
do Kýrios. Os sacramentos estão no «mystérion»; o «mystérion»
está nos sacramentos.
A Eucaristia apresenta-se nítida de forma sacramental em Paulo. A sua
doutrina sobre o batismo e sobre a eucaristia se relaciona à morte e a
ressurreição de Cristo, eventos centrais do «mystérion»: no batismo
tomamos posse daquilo que a morte e a ressurreição pascal são para nós (Rm
6, 3-11; Cl 2, 12; Tt 3, 5); na eucaristia revivemos a
anamnesis da morte do Senhor aguardando o seu retorno (1Cor
11, 23-26).
O que Paulo nos
mostra é que o Corpo e o Sangue eucarístico não são, pois, simples
memorial simbólico de um acontecimento passado; são a plena realidade do
mundo escatológico em que vive Cristo.
Como sacramento proporciona ao fiel imerso no mundo antigo, o contacto
físico com Cristo em toda a realidade do seu ser novo, ressuscitado,
espiritual. O alimento se torna o verdadeiro pão dos Anjos (Sl 78,25), o
alimento da era nova. Pela presença do pão e do vinho sobre o altar,
Cristo morto está realmente presente na sua disposição de sacrifício.
Por isto a Santa missa é um sacrifício idêntico ao sacrifício histórico
da cruz e é o único que vale diante de Deus e o único que os valoriza (Hbr
13,10.15). |
7 – BIBLIOGRAFIA: |
[1] Bíblia de Jerusalém; Ed. Paulus; 3ª
impressão; SP; 2004.
[2] Libanio, J. B., Murad, A.;
Introdução à Teologia – Perfil, Enfoques, Tarefas; 5ª ed.; Edições
Loyola; SP; 2005.
[3] Mazzarolo, I.; A Bíblia em suas Mãos; 6ª
ed; Mazzarolo Editor; RJ; 2002.
[4] ________. Lucas, a Antropologia da Salvação;
2ª ed.; Mazzarolo Editor; RJ; 2004.
[5] ________. Paulo de Tarso – Tópicos de
antropologia bíblica; 2ª edição; Mazzarolo Editor; RJ; 2000.
[6] ________. Lucas em João, uma
nova leitura dos Evangelhos; 2ª edição; Mazzarollo Editor; RJ;
2004.
[7] ________. A Eucaristia:
Memorial da Nova Aliança. Continuidade e rupturas; Ed. Paulus; SP;
1999.
[8] Frosini, G.; A Teologia Hoje; 1ª ed.;
Editorial Perpétuo Socorro; Vila Nova de Gaia; 2001.
[9] Meeks, W. A.; Os Primeiros
Cristãos Urbanos, O mundo social do Apóstolo Paulo; Eds. Paulinas;
SP; 1992.
[10] CELAM; Manual de Liturgia – A
celebração do mistério pascal; vol. III; Ed. Paulus; SP; 2005.
[11] Papa Bento XVI;
Carta Encíclica “Deus Caritas Est”; Ed. Paulinas; 2006.
[12]
Apostila I da disciplina “Sacramentos I”, autoria Pe. Abimar; PUC;
RJ; 2006.
[13] Barbaglio, G.; As Cartas de Paulo (I);
Eds. Loyola; col. Bíblica Loyola 4; SP;
1989.
[14] Murphy, J. - O’Connor, OP; Paulo, Biografia
Crítica; Eds. Loyola; SP; 1996.
[15] Vilanova, E.; Para compreender a Teologia; Ed.
Paulinas; SP; 1998. |
Notas |
Bíblia de Jerusalém; idem,
nota a.
Bíblia de Jerusalém; Ed.
Paulus; 3ª impressão; SP; 2004.
Barbaglio, G, As Cartas
de Paulo I, p. 304.
Brendam Byrne, em seu livro Paulo e a Mulher Cristã, comenta
essa passagem, pois mesmo que a tradição manuscrita não ofereça
nenhum fundamento, não deixa de ter uma certa plausibilidade, porque
se cortar os versículos 3-16 há uma ligação entre o v.2 e o v.17.
Ver Barbaglio, G., em “As Cartas de Paulo I”.
Barbaglio, G. As Cartas
de Paulo I, p. 306.
O’Connor, J.Murphy, A
antropologia pastoral de Paulo – tornar-se humanos juntos, p.
193.
Barbaglio,G. As Cartas de
Paulo I, p.313-314.
Fabris, R. Paulo
Apostolo dos gentios, p.382.
Mazzarollo, I.; A
Eucaristia: Memorial da Nova Aliança; p. 133.
O’Connor, J.Murphy;
Paulo Biografia Crítica, p.279.
Barbaglio, G.; As
Cartas de Paulo I, p. 303.
Mazzarollo, I.; Paulo
de Tarso, Tópicos de Antropología Bíblica; 2ª edição; 2000.
Barbaglio, G.; As
Cartas de Paulo I, p.301.
Barbaglio, G. São Paulo
O homem do Evangelho, p.131.
Fitzmyer, J.; Linhas
Fundamentais da Teologia Paulina, p.130.
Barbaglio, G.; As
Cartas de Paulo I, p.312.
Barbaglio, G.; As
Cartas de Paulo I, p.308.
Mazzarollo, I.; Paulo
de Tarso, Tópicos de Antropología Bíblica; p. 130.
O’Connor, J.Murphy;
Paulo Biografia Crítica, p.292.
Barbaglio, G.; As
Cartas de Paulo I, p.313.
Vilanova, E.; Para
compreender a Teologia, p. 124.
Frosini,
G.; A Teologia Hoje, Síntese do Pensamento Teológico; Ed. Perpétuo
Socorro; Portugal; 2001.
Segundo
Wayne ª Meeks, em “Os Primeiros Cristãos Urbanos”, na pág. 129, a
comunidade judaica assumia a responsabilidade de resolver as
discórdias internas, e Paulo, no mínimo, esperava que o mesmo fosse
feito na Ekklesia. Os cristãos paulinos tomaram a escritura e boa
quantidade de normas e tradições, no todo ou com algumas
modificações, das sinagogas de língua grega.
Barbaglio, G.; As Cartas de Paulo I, p.312.
O’Connor,
J.Murphy; Paulo Biografia Crítica, p.290.
Mazzarollo em A Eucaristia: Memorial da Nova Aliança, ainda na pág.
133, cita X. L. Dufour que sustenta a tese de que havia uma clara
confusão entre a Eucaristia,enquanto assembléia cúltica, e refeição.
Barbaglio, G.; As Cartas de Paulo I, p.312.
Mazzarollo, I.; A Eucaristia: Memorial da Nova Aliança; p. 133.
Mazzarollo, I.;Lucas, a Antropologia da Salvação; 2ª ed.; Mazzarolo
Editor; RJ; 2004.
Mazzarollo, I.; A
Eucaristia: Memorial da Nova Aliança; p. 133.
Carta Encíclica Deus
Caritas Est; Papa Bento XVI; 2006.
Carta
Encíclica Deus Caritas Est; Papa Bento XVI; 2006.
Recomendamos ver também à
pág. 117: Mazzarolo, I.; Lucas em João. Uma nova leitura dos
Evangelhos; 2ª edição; Mazzarollo Editor; RJ; 2004.
Libanio,
J. B. & Murad, A.; Introdução à Teologia; p. 17.
Apostila I disciplina
“Sacramentos I”, autoria Pe. Abimar.
CELAM; Manual de Liturgia
– A celebração do mistério pascal; vol.
III; Ed. Paulus; SP; 2005.
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Prof. Adílio Jorge
Marques.
Nasceu em 1968 no Rio de Janeiro/RJ, sendo de família lusa.
Possui cidadania portuguesa. Desde muito jovem é estudioso e
participante das Antigas Tradições, da História e das Ciências.
Concluiu o Doutorado em História das
Ciências e das Técnicas e Epistemologia pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro, após realizar intercâmbio na Universidade de Aveiro,
Portugal, sendo o trabalho com ênfase na historicidade luso-brasileira.
O tema da Tese na UFRJ versa sobre
a vida e a obra do naturalista Alexandre Antonio Vandelli,
personagem pouco estudado e filho do famoso paduano Domingos A.
Vandelli da Reforma Pombalina.
Possui Mestrado em Astrofísica
estelar pelo Observatório Nacional (Brasil/RJ), com graduação em
Física e em
História. Atua como Professor de História da
Ciência e de Física no Brasil.
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