A Tradição Primordial
sempre esteve presente em nossa civilização de alguma forma. Algumas
vezes através de personalidades que nos legaram profundos conhecimentos,
e que muitas vezes transformaram a nossa história. Organizações mais ou
menos hierarquizadas procuram, em todos os tempos, trazer a Luz Maior
para este mundo. Provavelmente muitos já ouviram falar de várias
linhagens Iniciáticas com tal propósito, sendo o Martinismo é uma dessas
Tradições.
O termo deve-se
a Louis Claude de Saint Martin, conhecido também por “Filósofo
Desconhecido”. Viveu na França em uma época turbulenta política e
intelectualmente (segunda metade do século XVIII), procurando amenizar
com Saint Germain e Cagliosto os efeitos que o Terror pós-Revolução
Francesa trouxe aos homens da Europa. Foi considerado por seus pares
como “o mais sábio, o mais instruído e o mais elegante teósofo
moderno” (Joseph de Maistre). Assim, nos salões e pequenos círculos
de estudos na França e fora dela, suas instruções ficaram conhecidas
como “Martinismo”. Saint Martin negava ser o verdadeiro autor do que
ensinava. Rendia homenagem aos seus Iniciadores, legando um conhecimento
místico a todos que se comprometiam com uma transformação interior
verdadeira e não dogmática, e que leva a uma nova visão do mundo. A base
era uma Iniciação por ele transmitida e que deveria perpetuar
simbolicamente o conhecimento que deveria elevar o nível interior da
humanidade. Logo, seu objetivo não era apenas consigo mesmo ou com um
grupo/Organização em especial, mas com a própria humanidade.
Importante
descrever brevemente os relacionamentos de Saint Martin, assim como sua
biografia, o que deveria ser buscado e aprofundado por todos os que
quisessem conhecer uma diferente forma de pensar dos setecentos. Nasce a
18 de janeiro de 1743 em Amboise, França, tendo sido educado e orientado
sabiamente por sua madrasta, que aguçou desde jovem sua visão mística e
cristã. Estuda as Leis e se forma, mas seu interesse filosófico o
afastou da profissão. Entrou para a carreira militar aos 22 anos em
Bordeaux, o que lhe deu mais tempo para os estudos místicos. Um de seus
amigos oficiais era membro da “Ordem Maçônica dos Elus-Cohen do
Universo”, cuja orientação pertencia a um místico chamado Martinès de
Pasqually. Ambos logo se tornaram amigos.
A vida do Mestre dos
Elus-Cohen nunca foi bem esclarecida pela história. Sabe-se que fundou
sua Ordem em 1754 em Paris e que rapidamente difundiu seus conhecimentos
em várias Lojas pela França, local e época das buscas e descobertas
filosóficas. Em 1771 Saint Martin largou o exército para se dedicar
melhor ao estudo filosófico, tornando-se secretário pessoal de Pasqually.
Em 1772 problemas pessoais não conhecidos obrigaram Martinès a se mudar
para o Haiti, aonde veio a falecer logo depois (1774). Sem a presença
física de seu fundador a Ordem dos Elus-Cohen caiu progressivamente até
entrar em dormência. Martinès havia passado pouco de muito do seu “saber
teúrgico”, assim como conhecimentos gerais herdados da Tradição, o que
acelerou o processo de dissolução, apesar de algumas poucas Organizações
contemporâneas ainda outorgarem para si o nome desta Ordem.
Jean Baptiste
Willermoz, comerciante de Lyon e também discípulo de Martinès, torna-se
amigo de Saint Martin. Estrutura o “Regime Maçônico Escocês Retificado”,
do qual Saint Martin participou por algum tempo até também desistir,
optando por um caminho próprio e interior. Este caminho pessoal, chamado
depois de “via cardíaca” por seu criador Louis Claude de Saint
Martin, era uma clara alusão de que existia alternativa, menos
trabalhosa e perigosa do que os meios “mágicos”, de se chegar ao contato
interno com o Criador. Como disse o próprio Saint Martin em suas cartas,
a suposta “parafernália” utilizada pela teurgia, com “intermediários”,
era um caminho mais próprio aos enganos do que o caminho das preces e
dos que tiveram seu coração tocado pelo “Amor Crístico”.
Saint Martin Viajou por
vários países da Europa e conheceu as obras filosóficas de Jacob Boehme
aos 45 anos, o que o entusiasmou e transformou de tal maneira que buscou
aprender alemão para poder traduzir do original as obras de Boehme. E
assim o fez até o fim de seus dias em 13 de outubro de 1803. Disse certa
vez Louis Claude de Saint Martin: “É a Martinès de Pasqually que devo
minha Iniciação às verdades superiores, e é a Jacob Boehme que devo os
passos mais importantes que dei nessas verdades”.
Saint Martin escreveu
várias obras assinando-as como “Filósofo Desconhecido”. São livros
basilares para aqueles que buscam o entendimento Martinista:
Ecce Homo[1]
Dos Erros e da Verdade ou
Os Homens Convocados ao Princípio Universal da Ciência
Quadro Natural das Relações
entre Deus, o Homem e o Universo
O Homem de desejo
O Novo Homem
O Espírito das Coisas
O Ministério do
Homem-Espírito
Cartas póstumas
As obras Martinistas não somente explicam a natureza do e
para “o homem”, mas associam todos os conhecimentos disponíveis até
aquele século ao princípio de que o espírito humano pode se tornar o
centro da busca sem dogmas ou magias estapafúrdias. Em resumo, o
espírito e finalidade do Martinismo podem ser sintetizados deste modo:
Devemos abandonar o “velho
homem”, tomar em nossas mãos o destino e deixar de sermos “Homens da
Torrente”. Pelo exercício da própria vontade deve se tornar um “Homem de
Desejo” e fazer nascer em si mesmo, com a ajuda Divina, um “Novo Homem”.
Quando tiver alcançado tal estado, por uma regeneração completa de
seu ser e por um segundo nascimento interior, voltará a ser o
“Homem-Espírito” que era na Criação. Estará enfim cumprindo o
“ministério” que o Invisível lhe havia confiado na origem do mundo. Pela
força de seus direitos primitivos ele poderá trabalhar para a
Regeneração e Reintegração de si e da Criação na Unidade, aliás, nosso
principal objetivo nesta vida ou em alguma próxima.
Como
reencontrar esse estado paradisíaco, para o qual o ser humano foi criado
no início dos tempos e acabou por perder, como diz Pasqually em sua obra
“Tratado da Reintegração dos Seres” e a própria Gênese bíblica?
Aí está a busca Martinista. A busca pela REINTEGRAÇÃO dos homens. Se a
humanidade perdeu sua potencialidade primordial, enquanto Pensamento,
Palavra e Ação, dela conserva, no entanto, o germe. Basta que aplique
sua vontade para cultivar essa raiz e fazê-la frutificar.
Este é um
caminho da VONTADE. Entre o destino, por vezes aleatório, e a Divina
Providência vivida pelos homens, é necessário então escolher. Àqueles
ligados à cadeia Iniciática Martinista, tornar-se um Homem de Desejo é
empreender a reconstrução de seu Templo Interior. Para edificar esse
eterno Templo, apóia-se em dois pilares simbólicos: da Iniciação e dos
ensinamentos, ou seja, o pilar do Conhecimento. A Iniciação marca
efetivamente o começo de seu grande trabalho, pois é o momento em que
ele recebe a “semente de luz” que constitui o alicerce de sua
obra, segundo Louis Claude de Saint Martin. Cabe-lhe em seguida
trabalhar para “manifestar e irradiar essa Luz Maior”. As
Iniciações Martinistas constituem um momento privilegiado, reencontro de
um Homem de Desejo com seu Iniciador. Elas só existem ou são
reconhecidas quando realizadas de corpo presente entre ambos. Atitudes
que representam terrenalmente uma transformação maior que deveria
ocorrer no INTERIOR de cada um. Para Saint Martin, é aquela pela mudança
qual “podemos entrar no coração de Deus e fazer entrar o coração de
Deus em nós, para aí fazer um casamento indissolúvel...”. A
eliminação dos vícios e a busca das virtudes.
Para estudar
seus ensinamentos, e principalmente seus símbolos, Saint Martin
selecionou e formou um Círculo de discípulos conhecidos pelo nome de
“Sociedade dos Íntimos”, que trabalhava com a mais pura espiritualidade
interior. A partir do século 19, e após a sua morte, seus ensinamentos
continuaram ininterruptamente de discípulo a discípulo, como podemos ver
no esquema abaixo. Em 1891, Papus e Augustin Chaboseau criou a “Ordem
Martinista”, conhecida na França como a primeira organização deste
caminho místico. Com a morte de Papus em 1916 e as turbulências da I
Grande Guerra, o original Conselho Supremo desta Ordem foi-se desfazendo
e muitos de seus membros criaram suas próprias Organizações Martinistas. |