Definamos a crítica à maneira antiga: Critica est aliqua inquisitio sctricte et philosophica, investigat enim in ultimas, supremas sufficientesque rationes valoris cognitionis humanae, e a seguir o método: In investigatione critica sequenda est methodus inquisitionis, non , nom methodus doctrinae . É uma definição só reconhecível na versão pré-moderna da crítica que vai da Antiguidade à Escolástica medieval, em que o crítico é o juíz que examina casos a partir de uma lei. A crítica é uma forma de judicium. Etimologicamente krinein quer dizer examinar, crivar, discernir, julgar. A mesma palavra contém: a) um sentido filológico; b) uma vertente "estética" (crítica literária/arte); c) uma vertente "historico-filológica" (crítica verbal ou textual, isto é filológica, crítica histórica - fontes escritas/orais sobre que se funda o trabalho do historiador). A crítica é, pois, uma instância do controlo dos conhecimentos (via judicandi) vs instância heurística de invenção. A filosofia, por exemplo, tornou-se uma crítica da linguagem (linguistic turn). A crítica moderna é descentrada. O sujeito é aqui a única referência, o começo absoluto (Descartes). A modernidade da crítica assenta na sua negatividade radical. O drama ilustrado tem por conteúdo a morte de Deus . A modernidade assume uma forma de crítica que é a crítica "moderna" como crítica da "religião". As Luzes ditam que a razão crítica julgue tudo. O trágico tornou-se a figura moderna da crítica revestida agora da dúvida metódica e da dúvida hiperbólica. A crítica tornou-se paixão da dúvida e momento de crise: "Já não há medida para a medida de todas as coisas" (Adorno, Minima moralia). A versão de Kant: "o nosso século é o século da crítica, à qual tudo deve submeter-se" (CRP vol I p. 528) parece tão esgotada como a metáfora do tribunal e do juíz. Talvez porque, na versão de E. Lourenço: "a situação do crítico pareceu-se durante séculos com a do marajá a caçar o tigre do alto da torre confortável e segura dum elefante" . Porém, acrítica serve, entre outras coisas, para colocar algumas questões de fundo à política do hipertexto. Por exemplo: quem assina? Quem controla o texto? M. Joyce e J. Bolter reconheceram que o leitor não pode passear-se impunemente pelos textos sem correr o risco de se perder e visam ultrapassá-los colocando limites à liberdade narrativa. A crítica separa-se da controvérsia teológica e política em meados do século XVIII, como ressalta da obra de Samuel Johnson, dos irmãos Schlegel, ou de Coleridge e Carlyle. O aparecimento da teoria literário traz associado aquilo que Hartman chama common reader, produto da alfabetização generalizada. Nos princípios do século XX um novo grupo emerge, denominado Nova Crítica, encabeçado por F. R. Leavis e I. A. Richards. Este grupo coloca a ênfase na apreciação dos valores de coesão social e continua a obra "missionária" de Arnold nas instituições educativas. Agora considera-se o texto literário como entidade autónoma fechada, cuja interpretação é autárcica. É o início daquilo a que se vai chamar close reading. A tarefa da crítica é claramente anunciada por T.S. Eliot como: "a pressecução comum do juízo verdadeiro" . A crítica prática pode considerar-se uma "crítica do juízo" empírica. Ivor Richards e William Empson são os expoentes mais altos dessa crítica prática, na tradição utilitarista do pensamento . A crítica prática de Richards quanto ao juízo literário pressupõe a crença numa técnica que resolve o problema da comunicação não distorcida (undistorted); a mesma crença, afinal, que T. Nelson colocava no seu projecto Xanadu, a mesma utopia utilitária e transparente. Tanto o estruturalismo, como a teoria da recepção, a análise dos textos a partir dos actos de fala proposta por S. Fish analisam a leitura como algo dificilmente transparente, o que leva a posições, como a de Bloom, de que toda a leitura é misreading (leitura errónea) , ou uma actividade essencialmente criativa. Fish dissocia-se da nova crítica porque esta, ao considerar as estruturas formais do texto único objecto legítimo de descrição, põe de parte totalmente tanto a intenção do autor como as reacções do leitor, encarando-os como categorias subjectivas que, a serem tomadas em consideração, se limitariam a prejudicar a pretensão do texto à objectividade. Definindo o sentido como propriedade do texto, a Nova Crítica reduz o papel do leitor ao extrair o sentido pelo simples rconhecimento daquilo que já sabe, sendo-lhe assim negado o direito a participar criativamente no processo de emergência do sentido (1980, p. 158). A auto-consciência interpretativa de Fish permite-nos denominar o seu método verdadeiramente pós-moderno, porque, no seu holismo dinâmico, é plenamente consentâneo com muito do pensamento do sáculo XX que põe em questão os axiomas básicos do sistema moderno do conhecimento. A teoria desconstrutiva pode ser vista como o culminar de diferentes histórias da leitura. Porque nada existe fora do texto, também não existe distância entre leitor e texto. Igualmente a ideia de texto originário se esvai, perdendo-se a linha que separava a crítica da criação literária. Uma nova tarefa, nunca acabada e aporética incumbe agora ao crítico: descentrar o texto, abrindo-o a outros textos, disseminar, dinamitar os horizontes semânticos da textualidade Contra o discurso do "close reading" trabalhava desde há muito o que se pode chamar o "discurso da sedução". Exige-se uma nova definição de "close reading" que repense o poder do afecto, do sentimento, das emoções num espaço cognitivo e que, ao mesmo tempo, reteorize a interpretação em termos de reacção do leitor (e vice-versa), segundo a perspectiva do modelo psicanalítico da interpretação (à maneira de S. Fish). A crítica acredita em protocolos de leitura, e mais do que isso, numa ética da leitura (à maneira de H. Miller). Não é apenas Hartman que acusa os críticos da linha de Derrida de terem perdido o contacto com a tradição arnoldiana e terem renunciado à transmissibilidade e a uma certa intersubjectividade. Hartman partilha com Arnold uma concepção da função do crítico como profeta . |