Em 1913, Albert Einstein publicou a sua Teoria Geral da Relatividade. De acordo com a sua teoria, a distinção entre actores e palco já não seria possível. O período moderno (i.e. de cerca de 1875 a 1925) assistiu a uma transformação radical na anterior noção de texto. O texto torna-se um objecto a obter, um texto dialógico. O precursor mais importante do movimento para além da modernidade na filosofia e na ciência é a física atómica, que, pela primeira vez forneceu provas de não existir nada que se pudesse considerar um observador independente e distanciado, e que o que investigamos não é uma colecção de entidades discretas, mas sim a relação entre o sujeito que observa e o objecto observado: "ao atribuir veracidade a qualquer metodologia, assumimos um compromisso não racional, fazemos um acto de fé" . A tese acerca da complementaridade da cognição cerebral e sensorial é plenamente compatível com as descobertas de psicólogos como R. D. Laing e Wilhelm Reich, que demonstraram que o corpo e o inconsciente estão fisiologicamente ligados. Se é verdade o que diz Damásio, isso sugere que a razão não está separada da emoção, que a razão tem tudo a ver com a capacidade de sentir . O ciberespaço é ainda um território onde é difícil viajar. "Nas condições actuais", faziam notar Mitch Kapor e John Barlow, em 1990, "o ciberespaço é uma zona de fronteira, povoada pelas poucas tecnologias ousadas que conseguem tolerar a austeridade das suas interfaces de computador selvagens, os seus protocolos de comunicações incompatíveis, barricadas de proprietários, ambiguidades culturais e legais, e falta geral de mapas ou metáforas úteis" . Quando utilizamos um jogo de vídeo, transformamo-nos no Street Fighter, ou no Sonic. Quando vemos um filme, fazemos corpo com os protagonistas e inserimo-nos na narrativa. Mas a projecção no ciberespaço é diferentes em aspectos importantes: on line, somos mais plenamente responsáveis pelas personagens com que nos projectamos. Esse eu virtual já não vem pre-fabricado de Hollywood, da Harlequin ou da Sega. Anthony Smithe, no seu livro de 1980, Goodbye Guthenbergh fez notar muito adequadamente que estamos no princípio de um período que assistirá à deslocação do autor para o destinatário na "soberania sobre o texto". Durante séculos, autores e editores decidiram o que haviam de introduzir nas embalagens que para nós criavam e entre as quais escolhemos, decidindo o que queremos ler ou ver. Agora, com as novas tecnologias, seremos nós a criar as nossas embalagens, fazendo a experiência da soberania sobre o texto. A hora do leitor “Para mim e para esta obra (...) nenhum propósito é mais adequado que destruir desde o início, aquilo a que chamamos ordem; desviar-me dela e conceder-me o direito de desorientar provocatoriamente fazendo-o através do acto da escrita.” (Cf. Uwe Wirth, 98). No livro de Calvino, Se numa de Inverno um Viajante Flannery quer captar “o mundo sem centro, sem Eu”, hesitando em escrever um livro “que seja universal” ou “escrevendo todos os livros”. A Internet desconhece este problema. A literatura on-line, porque não contém fronteiras “reais”, é sempre potencialmente extensível. O conceito de texto já não se prende aqui à forma de livro. Que figura de leitor constrói este texto, através das suas estratégias enunciativas? Recorramos a P. Ricoeur, um dos autores que mais longe levou a reflexão sobre o problema da narrativa e do leitor: “Aquilo que a escrita traz (em relação à fala), é a distanciação que desliga a mensagem do seu locutor, da situação inicial e do seu destinatário primitivo. Graças à escrita, a fala vem até nós e toca-nos através do seu ‘sentido’ e através da ‘coisa’ de que nela se trata , e não mais através da ‘voz’ do seu proclamador.” “A intenção do autor já não é imediata, dada como quer ser a do locutor numa fala sincera e directa. Deve ser recosntruída ao mesmo tempo que a significação do próprio texto, como o nome próprio dado ao estilo singular da obra (...) Quanto à outra subjectividade, a do leitor, ela é tanto a obra da leitura e o dom do texto quanto é portadora das expectativas com as quais este leitor aborda e recebe o texto.” No pequeno ensaio que sintetiza as suas pesquisas, Umberto Eco apropria-se de um título que indica bem a deslocação crítica destes últimos dez anos: “A hora do leitor”. Eco evidencia uma tese subjacente a correntes de pesquisa que vão da estética da recepção á hermenêutica, teorias semióticas do “leitor Modelo” à pragmática anglo-saxónica (reader oriented criticism) até à “desconstrução” segundo Derrida ou mesmo certos trabalhos da inteligência artificial . Eco retraça as linhas que se desenvolveram, a linha hermenêutica, por um lado, e a linha estrutural, por outro, que afinou as noções de autor e de leitor implíticos (Maria Corti, Seymour Chatman), de voz e de focalização (Gérard Genette), de leitor Modelo, de leitura como colaboração (U. Eco). Ao contrário da leitura pragmática e orientada de mapas, a leitura estética “quer ver para além do que as coisas são” (Adorno). Atribui-se a Paul de Man o slogan desconstrutivista: a “leitura é metáfora da escrita” (Alegoria da leitura). A leitura hipertextual não obedece a qualquer ordem sintáctico-textual ou linear, mas acontece ao ritmo de um simples clique no rato e segundo a vontade do leitor. O hipertexto leva a metáfora de De Man à letra: mapa rizomático interligado, texto aberto que só o acto de leitura faz existir. Neste modelo, tudo tem a ver com tudo. Tudo é potencialmente infinito. "Se aceitarmos que um sistema vivente capaz de interagir consigo mesmo é um sistema fechado e autopoiético, o leitor não pode ser manipulado "de fora", regulado ou manobrado". A leitura modelo pode ser excelente mas não é transmissível. Se queremos que a literatura viva, isso implica que todas as leituras são aceitáveis - desde que não completamente loucas. Greimas dizia que a interpretação é "tudo o que se pode fazer com um texto: da análise textual à valoração, passando pela procura do seu ou dos seus "verdadeiros" sentidos. Não há notícia da existência de uma metodologia ou de metodologias explicitadas. Temos é uma série de abordagens diferentes que se sucedem e fazem época ou estão temporariamente em moda...sem que as mudanças correspondam à substituição de um instrumento de análise por outro, mais eficaz" . Mas o momento da interactividade não coincide com o momento da leitura como ibterpretação. "Tradicionalmente, os leitores tomam as liberdades que querem em relação à ordem, mas seguem geralmente a ordem do autor ao ler o romance, enquanto o mesmo não acontece com os livros de referência. O hipertexto é um modo de escrita no qual a intenção do autor que os leitores escolham a sua própria sequência ou que a sequência seja determinada pelas reações do leitor a questões postas pelo autor . No hipertexto os passos do texto são apresentados em pequenos segmentos do tamanho de metade a um quarto da página impressa típica. Ao leitor é dado um certo número de opções quanto à maneira de continuar. De facto, a poética do hipertexto é fundamentalmente poética da leitura, no sentido de que um poema ganha existência como poema apenas no espírito e nos sentimentos so seu leitor. Portanto, o leitor não é uma máquina neutra. Os autores da nova crítica tendem a pressupor que os significados da Literatura são inteiramente intrínsecos, gerados pela interacção das palavras que a constituem. No hipertexto podemos ler a página do princípio ao fim, ou podemos avançar para o lado, seguindo uma palavra chave que leva a outro documento e a outro ainda. Cada texto é uma nota de rodapé possível a todos os todos textos, cada história uma digressão de todas as outras histórias. Esta poética da leitura encontra a sua justificação teórica nos textos de Derrida. J. Derrida foi o primeiro a cunhar o termo "desconstrução" e a criticar a natureza hierárquica da oposição binária tradicional do Ocidente. O texto de Derrida Déssimination, juntamente com S/Z de Barthes, revelaram-se particularmente úteis aos teóricos do hipertexto, para categorizar e definir os potenciais do hipertexto como medium . A teoria da desconstrução de Derrida antecipa de muitos modos as modificações introduzidas pela escrita computurizada. A caracterização do texto por Derrida faz lembrar muito um texto no espaço electrónico. Tanto a desconstrução como a escrita electrónica compreendem a relatividade da linguagem escrita, a sua instabilidade e autoria incerta. Uma e outro encaram a linguagem como provocando uma desestabilização do sujeito, uma dispersão do indivíduo, uma fractura da ilusão da unidade e da fixidez do eu. Vejamos Glas, o mais hipertextual de todos os textos, na interpretação que o próprio Derrida faz do livro: "Duas colunas. Truncadas em cima e em baixo, cortadas também aos lados: incisões, tatuagens, incrustações. Uma primeira leitura pode fazer de conta que os dois textos colocados, um contra o outro ou um sem o outro, não comunicam entre si. E de certo modo deliberado, isso é verdade, quanto ao pretexto, ao objecto, à língua, ao estilo, ao ritmo, à lei...Uma dialéctica, por um lado, uma galáxia, por outro, heterogéneas, e contudo indiscerníveis nos seus efeitos, por vezes até à alucinação...Entre ambas, o batente de um outro texto, dir-se-ia de uma outra 'lógica'...Cada coluna figura aqui como um colosso (colossos), nome dado ao duplo do morto, ao substituto da sua erecção. Sobretudo uma identidade plural . A desconstrução teoriza práticas de escrita que antecipam o hipertexto. A origem desta prática textual encontra também um espaço considerável nas teorias que primeiro Deleuze/Guattari e depois Eco elaboraram em relação ao entrelaçamento das principais isotopias, interpretadas como estruturas rizomáticas . E. Said, nos seus Beginnings, é uma admirável exemplificação deste jogo de figuração e refiguração sobre um primeiro texto, em ordem a criar um novo texto, que só o produtor virá a conhecer. Paul Landow, Jay Bolter e Michael Joyce deram um significativo impulso ao crescimento do corpo da teoria para a nova tecnologia da escrita. Mas bem antes das teorizações sobre o que virá a ser o hipertexto, já uma geração de escritores pratica o que se pode chamar o "proto-hipertexto". Para além de Joyce, Vonnegut, Cortazár, Pynchon, representam os maiores expoentes desta prática . Temos, evidentemente, que distinguir a prática do hipertexto em geral da prática da hiperficção. São inegáveis as vantagens que o hipertexto fornece. Basta ver o número de enciclopédias e dicionários armazenados num CD. Na ficção há mais controvérsias. O leitor de um romance hipertextual pode ler a história de várias perspectivas: ler os segmentos do romance que dizem directamente respeito a uma personagem e isto pode dar a toda a história o ponto de vista dessa personagem ficcional; pode ler uma série diferente de segmentos acerca de uma igreja, por exemplo, e obteríamos uma narrativa de como esse edifício se enquadrou nas vidas nas personagens que nele entraram. Assim, o leitor pode encontrar histórias muito diferentes, de acordo com o percurso que por si próprio escolheu. Michael Joyce, coordenador do Centro de Narrativa e Tecnologia do Jackson Community College e J. Bolter, autor do livro Turing´s Man, criaram um programa a que deram o nome de Storyspace. O Storyspace era um “instrumento de autoria”, que fornecia meios de unir textos, um sistema de hipertexto: O Storyspace poderá (...) ser usado para criar um romance tão ágil e múltiplo como as narrativas orais” . Em vez de uma frase levar à seguinte, é possível chegar lateralmente a outras, conforme a resposta do utilizador. Joyce usou o Storyspace para construir um romance interactivo, assim como para adaptar The Garden of the Forked Paths, de Borges. O livro mítico nos círculos hipertextuais é Afternoon, a Story de M. Joyce, que tem algumas semelhanças com a narrativa tradicional, mais concretamente com as séries radiofónicas e televisivas. O livro só se distribui para Windows ou Mac. Compõe-se de 539 lexias independentes relacionadas por 950 conexões (links). Há um lado positivo nesta experiência, que é não forçar os leitores a seguir uma pista obrigatória; há um lado negativo, que é o risco de se perderem completamente, faltando a narrativa, que é sempre o bordão que orienta o leitor numa paisagem textual. Donde o recurso á liberdade narrativa que Joyce e Bolter tiveram de colocar. “O problema principal com o conceito de romance interactivo”, escreve B. Wooley, “é a suposição de que a narrativa é, em certo sentido, independente do domínio imaginário no qual navega” . Exemplo: o romance de John Fowles A Mulher do Tenente Francês. Fowles dá dois fins ao livro (três. se contarmos com o que chega a três quartos do fim, e que dá um fim convencional vitoriano), que no filme de Karel Reisz e Harold Pinter é traduzido num filme dentro dum filme. Jay Bolter relata a sua esperiência com Afternoon, de longe o mais conhecido e mais amplamente criticado romance hipertextual, na medida em que é um somatório de todas as leituras possíveis, o somatório de todos os percursos que o leitor pode fazer ao explorar o espaço do texto: "muitas vezes regressei ao mesmo episódio...por vezes intencionalmente, por vezes contra minha vontade...e contudo, em cada regresso, o episódio era diferente" (Bolter, 29-30). Sendo uma clássico da ficção electrónica, Afternoon é leitura obrigatória para quem quiser familiarizar-se com o assunto. Complexa e ricamente imaginada, a história de Afternoon é a de Peter, um escritor técnico, que (numa leitura) começa a sua tarde com uma terrível suspeita de que o carro destruído que viu horas antes devia pertencer à sua ex-mulher: "Quero dizer que posso ter visto o meu filho morrer nesta manhã". Nos termos de M. Joyce "não posso afirmar que não tenha estado à espera de que me perguntassem o que é que deu origem a Afternoon, a Story, ou o que me parece ser como objecto artístico, construção electrónica, ocasião recorrente, a procura de Holzer da luz muito acima da praça da cidade do texto, errâncias nómadas de verdades momentâneas como a areia que o vento desloca da prateleira de pedra, uma história que muda cada vez que a lemos, uma forma daquilo que ainda não existe" . De facto, o ecran dá (de si) antes, com e depois do toque, ficando a sua superfície não tanto pintalgada como maleável nos pontos que cedem (as palavras com textura, como consta das instruções para a leitura), que não passam de protocolos: qual é o texto que tem instruções? O resultado é hipnótico, ficando o estímulo do leitor eventual enquadrado no olhar que o ecrãn espalha (vide Sergio Lombardo, Specchio technistoscopico con stimulazione a sognare, 1979), o estado de espírito que depois se reflecte nos sonhos, o texto de água onde cai o véu nupcial (Urami-no-takí de Basho) desgasta a superfície de grés com 100 milhões de dedos de luz a tamborilar nela. Estamos numa era de transição e se o admitirmos como condição pan-geracional, estamos sempre à procura de modos de comprender o nosso vai-vém individual único. Não podemos, porém, afirmar que a nossa geração tenha uma relação específica com a tecnologia. Sempre se teve muito a ver com a tecnologia, quer se tratasse do modo de fazer fogo, dar forma escrita à fala, ou enviar correio electrónico. Estamos sempre a mudar de acordo com as mudanças que introduzimos, e os artistas preocupam-se mais com esse fluir do que com quaisquer conclusões. Quibbling foi construído precisamente nesse sentido rítmico das marés, das mudanças multidireccionais, de acontecimentos que se desvanecem antes de se terem tornado plenamente inteligíveis, mas que, de algum modo, acabam por ter algum significado. Carolyne Guyer encara o processo de leitura de hipertexto como naturalmente decorrente da actividade criativa: "a despeito de todas as limitações dos corredores electrónicos de elos pelos quais nos obriga a deslisar ou escorregar, o hipertexto continua a exigir de nós a mesma coisa, que atravessemos os espaços - minúsculos ou gigantescos - que são necessários para dar sentido às nossas vidas, ou seja, para fazer uma história, para nos escrevermos. Da mesma forma que a criatividade tem mais a ver com a elaboração do que com o fabrico, assim o hipertexto é mais verbo do que substantivo, mais acerca do fluxo da execução, é uma reformulação, mais do que uma forma...pergunto-me se o deus das pereiras da minha infância, o Ele que podia criar qualquer coisa a partir do nada, não nos invejaria de vez em quando a nossa opção terciárea e infinita de compor uma atordoante amálgama, a capacidade rítmica coalescente de criar, a partir de qualquer coisa, o nada". Utilizando motivos de maternidade, distância e intimidade, geografia e labirintos, arte e escrita, freiras e padres, o monge e a sexualidade, Quibbling recria a experiência da escrita, da composição de uma história a partir de fragmentos da experiência, ligando este processo autoritário de composição com o processo pelo qual nos compomos a nós próprios e às nossas próprias vidas. O que, à primeira vista pode parecer propositadamente fragmentado, é, de facto tão contínuo e coeso como qualquer período de tempo na vida de uma pessoa. Quibbling é uma obra que tenta não ser literária. Nisso falhou um tanto, mas, enfim, é arte. Em retrospectiva, podemos ver porque é que a água e as suas propriedades se tornaram uma das metáforas condutoras constantes na obra. É possível encará-la como um lago de muitas reentrâncias, sendo estas compreensíveis, mas não o lago, por não ser, naturalmente, correspondente à totalidade das reentrâncias nem dos elementos que as ligam. Como metáfora, o lago e as reentrâncias não correspondem apenas à forma desta hiperficção particular mas sim à das hiperficções em geral e, até, da própria vida. Em Marble Springs, uma obra recente, complexa e lírica, na tradição de Spoon River Anthology e Winesburg, Ohio, Dina Larsen explora a vida das mulheres que construiram o Oeste americano. Marble Springs assenta numa investigação exaustiva. As suas notas hipertextuais e bibliografias extensas levam o leitor a explorar tópicos que vão desde a religião e da jurisdição da fronteira, à tecelagem e à cozinha . O lugar dado ao leitor é significativo. O leitor torna-se, de facto, parte do processo criativo, ombreando com o autor e/ou ultrapassando-o. Jay Bolter aduz um argumento forte a favor do valor da ficção hipertextual: exige que o autor planeie conscientemente a obra dessa forma, mas o resultado pode ser um livro capaz de proprocionar uma experiência diferente a quase cada um dos leitores e até mesmo ao mesmo leitor em ocasiões diferentes. No segmento 1 John encontra Mary. O leitor pode decidir ler mais acerca de John, de Mary, do que provocou o seu encontro, ou do que vai acontecer a seguir. O leitor participa na apresentação da história, embora tenha sido o autor que a escreveu. A experiência do leitor pode mudar significativamente numa leitura subsequente. Daniel Pennac, em Comme un roman, edita os "direitos imprescritíveis do leitor": 1. Direito de não ler. A obra deste autor, bem como os trabalhos anteriores da teoria da recepção, coloca-nos diante da personagem-leitor, que, até certo ponto, se vai tornar mais poderosa do que a personagem-autor. A poética do hipertexto é essencialmente uma poética da leitura. Reconhecemos nestas teorias alguns "direitos" reivindicados pela prática do hipertexto - direitos que só se tornam controversos relativamente a uma ficção de fortes tradições a respeito da estilística, apresentação e procedimentos técnicos e formais. "Acho que escrever mal é escrever mal". Desde sempre, "escrever significa pormo-nos em risco": "Uma carroçaria riscada, uma parede manchada são também marcas perante as quais o proprietário reage com a exclamação aterradora: 'Quem foi que fez isto?' Perante as marcas do seu gesto o escritor responde: 'Fui eu', mas nada pode apagar. Será crime escrever? Temos de acreditar que a pergunta não é estéril visto que, no final do Fedro Sócrates se serve da escrita para instruir o processo. Poder-se-ia perdoar a Lísias, denominado "logografo" porque fixou palavras em grafia?" Portanto há um problema a resolver que diz respeito à relação autor/leitor, mesmo que se adopte o ponto de vista de Michael Joyce, segundo o qual "O texto electrónico não é de forma alguma o toque de um leitor inseguro que - como uma criança que esmaga com o dedo um carreiro de formigas ou alinha uvas - passa um dedo por cada linha impressa" (Michael Joyce: 1993: 80). De forma análoga, se nos põe a questão da ética da leitura: encontrar exactamente aquilo que se procura não é ler, mas sim descodificar. Será justo julgar o autor com base na forma como eu escolho ler o seu livro, e não na forma como ele pretendia que eu o lesse? Seria justo ou sequer significativo publicar uma crítica baseada na leitura do crítico e não na escrita do autor? Como é que deste modo se pode ser um académico original e crítico?
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