Em última análise, a intenção desta viagem foi contribuir para um trabalho de compilação. Quis apenas abrir acessos e definir etapas de estudo, trabalho de conjunção que religa os textos entre si e tendo como objectivo sublinhar a coerência deste arquipélago de fragmentos: convite à leitura e apagamento por trás dos textos apresentados. Não foi sempre este o objectivo da crítica? Estas notas são fundamentalmente uma colagem de citações e também intervieram na sua elaboração múltiplas vozes transmitidas através de correspondência electrónica, de sítios na Rede, etc. A presente abordagem do hipertexto foi informada pelos teóricos do pós-modernismo, bem como pelos teóricos do hipertexto. W. Burroughs, David Bolter, Michael Joyce, Carolyne Guyer, pensadores pós-modernos exemplares por mor das suas ficções literárias, também estão frequentemente presentes nestas páginas. Seguindo as pisadas destes autores, não se pretendeu nada que se parecesse com uma crítica equilibrada e bem fundamentada da hiuperficção ou do pós-modernismo. A prática do hipertexto abre - instantaneamente - um espaço virtualmente infinito de informação/comunicação, sem fronteiras, polilógico como o universo. Simultaneamente, essa prática marca o território balizado por questões como estas, que não são dramáticas, e a que o tempo e as circunstâncias hão-de eventualmente responder: a) o maelström (pós-modernismo, pós-humanismo, etc) A literatura torna-se um jogo disputado num labirinto: auto-enclausurado, auto-justificado e absurdo para quem não aprendeu o código. A facilidade de saltar de um nódulo para outro favorece a superficialidade. Há um risco semelhante não apenas no que tange à escolaridade, mas sobretudo à cultura e à gestação de um pensamento próprio. Do mesmo modo que a tecnologia informática tornou possível o hipertexto, a mobilidade textual medieval pode ser vista como a consequência da prática do manuscrito. Portanto, a mobilidade textual resulta da natureza da tecnologia manuscrita - até surgirem certas limitações que reduzem a intervenção do copista. Meadow usa a expressão "hipertexto bem escrito", e previamente "um autor bom", referindo-se a um autor linear - o que levanta desde logo o problema das regras do bem escrever. Quer dizer que há bons e maus escritores no ciberespaço. A opção é, a meu ver, apenas esta: navegar por este espaço, independentemente de surdir ou não à nossa frente a utopia de um paraíso tecnológico. Todas as metáforas utilizadas para evocar o ciberespaço implicam o ideal da libertação dos constrangimentos da existência material: "O ciberespaço é um habitat da imaginação, um habitat para a imaginação... o lugar e triunfo da poesia sobre a pobreza, do 'pode-ser-assim' sobre o 'deve-ser-assim'" . Entre o discurso da sedução e o discurso crítico é preciso encontrar o bom comércio, que permita, simultaneamente, a prática da técnica do desassossego e aquilo que nos chega como lugar comum a acolher e praticar. Fica o problema da ética da leitura: o fosso entre aquilo que lemos e aquilo que somos, entre a palavra e a letra, o dito e o dizer. Não se trata de afirmar que o que se é é mais verdadeiro do que o que se lê, a questão reside na relação entre estas duas instâncias. É certo que há riscos: por exemplo, o de ceder ao êxtase da comunicação, um estado quase místico, do qual se espera a libertação da realidade; e também o risco de se entregar discurso que flui e nos leva até ao nosso porto, ou pelo menos até ao limiar que não ultrapassamos. Se já não há realidade, não há mais razão para combater. U critério ético importante para avaliar qualquer tecnologia nova é a qualidade e o grau de sociabilidade que ela torna possível (Rheingold, 1993). Se estamos à beira de um novo Renascimento, é especialmente por estarmos a destruir as barreiras entre mundos artísticos separados (outrora). A opção que D. de Kherkhove faz em favor de Jericó, como uma vitória do "software" sobre o "hardware" pode ser justificada: "a súbita aceleração tecnológica e social, sem preparação prévia, pode, de facto, levar à desintegração, como as duas Guerras Mundiais amplamente demonstraram. É esta certamente a faceta de Babel. Contudo, estamos a começar a acostumar-nos à velocidade... estamos a começar a aperceber-nos desta unidade como consistindo em enormes formas de ondas de correntes eléctricas em campos electromagnéticos. É esta a onda de som que poderia fazer desmoronar todas as muralhas de cidades e estados nacionais. A viragem que deveríamos esperar não é um desastre, mas uma transformação - uma imagem da humanidade radicalmente nova" . Os sistemas de pensamento - científicos, artísticos, metafísicos, etc. - são sempre fundamentalmente conservadores. Como fez notar Kuhn, os paradigmas, ou modelos plenamente abrangentes da experiência, tendem a tornar invisíveis, ou a rotular como irrelevantes, as novas descobertas que minam as suas convicções ou as suas expectativas básicas. Este "princípio de conservação", esta inércia, parece ser o denominador comum das teorias científicas dos modelos económicos ou das normas comportamentais . As novas tecnologias estão particularmente em harmonia com as abordagens pós-estruturalistas e pós-modernistas da textualidade, algo que aparece resumido no subtítulo do livro de George Landow de 1992, Hypertext: the Convergence of Contemporary Critical Theory and Technology.
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