PORTUGAL
19. AUTONOMIA:
FICÇÃO EXCLUSIVA?


O mundo virtual de Joyce começou com o reconhecimento de "todo o mundo" como poeta. A era moderna coincide com o fim do Renascimento. Baudelaire define a modernidade como a religião da mudança, o gosto pelo lado artificial da vida e um desprezo pela moralidade. As ideias de progresso tecnológico e a descoberta do conhecimento através da razão e da ciência começaram a minar a autoridade da religião. Ser moderno é fazer parte do universo em que, como disse Marx, "tudo o que é sólido se dissolve no ar". Se há um conceito que delimite com nitidez a modernidade, esse conceito é, sem dúvida, o de autonomia. Dizer que o ser vivo é "autónomo" (no sentido de Varela) significa que o ser vivo constitui as suas próprias "significações" ou seja que é ele próprio que primordialmente constitui os seus domínios de classes, propriedades e relações. A autonomia não é clausura, mas sim abertura: abertura ontológica, a possibilidade de ir além da clausura informacional, cognitiva e organizzacional característica de seres auto-constitutivos mas heterónomos, como sublinha Castoriadis . A autonomia, como capacidade de se encarar a si próprio como princípio de legitimação significa, muito simplesmente, o acto pelo qual nos autorizamos a nós próprios. A crítica radical do conceito de autonomia está na concepção de Kant de que existe uma autoridade que não nos poderíamos atribuir a nós próprios.Não contestando a ideia kantiana de existir uma autoridade que não podemos atribuir a nós próprios, tem-se consciência de uma limitação interna do conceito de autonomia já reconhecido por Kant, a saber, que a autonomia não significa ainda o direito de se instituir a si mesmo por sua própria vontade, o que é já um questionamento da ideia propriamente moderna da autonomia: "autorizamo-nos a nós próprios, mas não nos instituímos por nós próprios" (Jean-Ernest Joos).

N. Negroponte observa uma mudança radical da nossa cultura da deslocação de átomos para a deslocação de bits, o mesmo que Paul Virilio descreve como uma passagem "do espaço da matéria ao tempo- luz". Trata-se da desmaterizalização na relação homem-máquina contrária à nossa visão tradicional de violência centrada na carne e no sangue . O modernismo envolve uma abstracção progressiva ou desmaterialização que pressupõe aquilo que Paul Virilio descreve como uma "estética da desaparição", na qual a realidade se manifesta como tendo sido sempre essencialmente imaterial .