Hino espiritual à morte

RUI MANUEL GRÁCIO DAS NEVES


HINO ESPIRITUAL À MORTE
(UM ENSAIO DE PROSA POÉTICA)[1]

 Escrever sobre a Morte? Mas que disparate! Não seria melhor escrever sobre a Vida? Pergunto eu…

E que diferença há, “companheir@ de existência”?

(Ao longe, com a Ponte “25 de Abril”, o Céu de Lisboa parece carregado de metáforas. Permite-nos caminhar rumo à Beleza, simples, pura, do Aqui-e-Agora. Formam-se pedaços Cor-de-Laranja, paira um Dourado esotérico e uma Luz Amarelada espraia-se no cair da tarde. Mas a Tarde nunca cai, nunca acaba definitivamente de cair!).

Eis a Morte e a Vida entrelaçadas quanticamente. Quando nasce uma, acaba a outra. E vice-versa. Neste Planeta, neste Mundo da Manifestação, sempre vivemos em escala de “vice-versa”. Eu vivo da Morte das Plantas. Ai, credo! Porém, acabarei por alimentá-las, um dia, quando, no meu derradeiro suspiro, devolva todos os meus átomos emprestados durante um Tempo, ou melhor, todos os meus quarks, ao Multiverso, permanentemente re-acendido e re-nascente. À espera, sempre com esperança, que a teoria do Universo Oscilante, a Teoria das Super-cordas e a Teoria-M sejam as mais adequadas para representar o Cosmos. É que, car@s amig@s, a experiência física de EPR aponta, sem dúvida, para que tudo esteja interconectado.

(Essa flor contempla-me, ainda que realmente não a vejo, sentado como estou em meditação. Ela, está curiosa sobre mim. Intuo-a. E essa pedra acolá está igualmente viva. E não a vejo: pre-sinto-a. E nós que pensávamos que ela estava morta! E, ai!, vibram também, de modo violento, os ladridos dos cães, lá em baixo no jardim, que me falam diretamente. Compreendo-os. Digo-lhes mentalmente que não ladrem mais, porque hoje não serve para nada. Sinto-me Uno com eles, com a Realidade. Eu sou a Realidade! A Realidade sou eu! Acho-me inter-ligado, expandido, esticado, acrescentado, aumentado, aprofundado, melhorado, eis a minha própria Utopia recriada e viva de novo, já, no hoje do Aqui-e-Agora).

E tudo está vivo! Até o que chamamos “mundo inorgânico”, dito assim quando estudava Ciências Naturais no Liceu. Há tempos. Mas uma conhecida minha, professora universitária de Mineralogia, acreditava que as pedras estavam vivas. Mais recentemente. Como são as coisas!

(As paredes movem-se lenta, quase imperceptível-mente. Curvam-se. Inclinam-se. E, num momento, desaparecem, caiem todas as Fronteiras! Tudo é Um. Não há onde esconder-se. E não há medo. Nem emoção extraordinária. Só Felicidade. Liberdade Plena. Somente estar. Ser. O clima faz parte de mim e eu do clima, sem separação, nem distância).

Na Idade Média encontramos Cantos à Irmã Morte. Ad mortem festinamus! A Morte era Libertação, a Libertação. Tocar já o Céu, a Iluminação, o Despertar, o Nirvana. Tudo são Nomes. Nama-Rupa. Não o Ser Permanente e Real. Eis o Canto, o Supremo Canto do Bem-aventurado. O Baghavad Gita. E Richard Wagner, Tristão e Isolda. Yatra mantra (cantado): Asato ma sad gamaya, Tamaso ma jyotir gamaya, Mrytior ma amritam gamaya (“Leva-nos do irreal ao Real ou do impermanente ao Permanente, leva-nos das trevas à Luz, leva-nos da morte à Imortalidade”).

(O Sol brilha muito. Sinto-o, não o vejo, sentado frente à parede, em zazen. Faz calor. Pudera, estamos na Nicarágua… E o Tempo perdeu a medida. É a Duração Permanente. A Eternidade no momento Presente).

E até há quem diga que “O Sol está fraquinho!”. Como? O Sol, com aproximadamente 13.600.000 Kelvin no seu núcleo, está “fraquinho”? Que parvoíce! Ele gera Vida, faz que a Vida cresça! Fotossíntese. Ser. Entre-Ser. Fonte de Vida. O Irmão Sol, de Francesco.

(E, de repente, subitamente o ego desaparece! Para onde foi? Queimou-se. E aparece o Riso. Não há nada a temer! O ego agora é Tudo. E nada fica de fora, nem sequer o sofrimento, que Agora não existe mais, transmutado em Alegria sustentada. Plenitude no Vazio. Vazio Pleno.

E o ego esvai-se, vai-se, des-aparece, es-vazia-se, difumina-se…

Eis a Morte… em Vida!

Eis a Vida em Morte!

Não existe separação, nem distância. Tudo está aqui. O Espaço-Tempo aparece como Ilusão, Maya. Tudo é um Permanente Verão. A Morte, como um Engano… e, no entanto, é igual-mente verdade que existe… transmutada. Ambas, são verdade. Depende da tua percepção das coisas, car@ peregrin@. Naquele momento, a Morte desapareceu. Para onde foi? Isso, não o sei. Talvez foi sempre uma Ilusão e não passou disso…

Perdão, não me entretenham mais: espera-me o grande Amigo!).

E já agora,

para terminar,

uma pergunta só:

Quem escreveu isto?

Quem escreve isto?

Pois se o ego desapareceu, então…

Quem sou eu?

Om, Shanti, Om!

Aham Brahma Asmi!

Eu sou Isso!

Ehyeh asher ehyeh!

Amém! Aleluia!


rui manuel grácio das neves

lisboa

02.11.19

(Dia dos Defuntos)


[1] Precedido pela audição da peça musical Ad mortem festinamus, do Llibre Vermell, com canções religiosas populares da Catalunya de finais do século XIV. Escrevo isto inspirado formalmente pela obra Rayuela de Julio Cortázar e pelo poema Yepes Cocktail, sobre San Juan de la Cruz, do Poeta José Hierro. Se se quiser também, pode-se ler este extraordinário poema previamente.

 

Poema Yepes Cocktail, sobre San Juan de la Cruz, deJosé Hierro

(Ver link abaixo, abre em .pdf)

seminarioscanners@sapo.pt_20191210_194548


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