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HERPETOLOGIA
SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
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Um pouco de História
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Geografia
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As ilhas de São Tomé (e o vizinho ilhéu das Rolas, a cerca de 3 km a sul de São Tomé) e do Príncipe (a uns 146 kms a norte de São Tomé) localizam-se no Golfo da Guiné, entre as longitudes 6º 28' E e 7º 28' E de Greenwich e as latitudes 1º 44' N e 0º 01' S. O Equador corta o pequeno ilhéu das Rolas, ao contrário do que afirmam cartas anteriores à correcção feita por Gago Coutinho, já depois de implantada a República. Ambas as ilhas, São Tomé (com uma superfície de 857 km2, e a cerca de 400 km da costa africana) e Príncipe (139 km2, a cerca de 250 km da costa do Gabão), são de origem vulcânica. Participam da dorsal eruptiva dos Camarões, formadas ao que se presume no Eocénico. São ilhas de tipo oceânico, isto é, nunca estiveram ligadas ao continente.

A sua morfologia é bastante semelhante - acidentadas, com vales profundos separados por altas cristas montanhosas, muito recortadas. Os pontos mais elevados atingem os 2.024 metros em São Tomé e 948 metros no Príncipe. Cobre-as densa e luxuriante vegetação de tipo tropical-equatorial, embora em vastas áreas a floresta primária tenha sido grandemente devastada, para plantação extensiva do cacaueiro (entre os 0-800m) e cafezeiro (entre os 800-1200m).

O clima é quente e húmido, de tipo tropical-equatorial, com pronunciadas variações locais, devidas sobretudo ao relevo. Caracterizam-no uma longa estação de chuvas entre Outubro e Junho e uma curta estação seca (gravana), de Julho a Setembro. Há ainda um curto período menos pluviosos (gravanito), de meados de Dezembro a meados ou finais de Janeiro. A pluviosidade total anual varia, em São Tomé, entre 2.000 e 5.000 mm. A temperatura média anual situa-se à volta dos 25º C e as amplitudes térmicas diurnas e anuais são muito reduzidas.

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Explorações científicas
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O desenvolvimento das quatro ilhas do Golfo - Príncipe; Fernando Pó, a que inicialmente os portugueses chamaram Formosa, hoje Bioko; Ano Bom, de princípio Santo António, depois Pagalu, Anobom na actualidade - fez-se em torno de São Tomé, outrora entreposto comercial e cultural tão importante como Cabo Verde, na rota de Portugal e costa africana, mais tarde da Índia e Brasil. Ano Bom cedo foi abandonada, e Fernando Pó só depois de trocada com os espanhóis por Colónia do Sacramento, no Uruguai, teria ocupação efectiva.

A exploração científica ordenada pela coroa aos "territórios das conquistas", levada a cabo segundo os princípios práticos e utilitários das Luzes, verifica-se entre nós uma década passada sobre o acontecimento que em 1772 a permitiria - a reforma da Universidade, com a criação da Faculdade de Filosofia, onde pela primeira vez se leccionaram as matérias englobadas no curso de História Natural e Química. Criada também a Academia Real das Ciências de Lisboa, que em 1789 lançaria o primeiro tomo das Memórias Económicas, estava preparado o terreno para consolidar o conhecimento global do país e ultramar, patrocinado então pelo príncipe D. José, sob a forma das Expedições Régias no segundo caso, mais conhecidas por viagens filosóficas - a Cabo Verde (João da Silva Feijó), a Angola (Ângelo Donati e Joaquim José da Silva), à Bahia, a Moçambique e Goa (Manuel Galvão da Silva) e à Amazónia (Alexandre Rodrigues Ferreira).

E repara-se que o organizador destas expedições científicas, que todas se iniciaram em 1783, Domingos Vandelli, lente de História Natural e Química, co-fundador da Academia, director do Real Jardim Botânico do Paço da Ajuda, não contemplou as ilhas do Golfo, ou pelo menos a estrategicamente mais importante para a coroa, São Tomé.

Não terá sido a exclusão motivada por desinteresse científico, sim por ao tempo a ciência considerar talvez já conhecida a ilha, sobretudo no que diz respeito à Botânica, e cabe mencionar árvores então admiradíssimas, os dragoeiros, descritos quer por Lineu quer por Vandelli, a partir de exemplares do Jardim de Alcântara e Índias Ocidentais. Os dragoeiros eram vulgares em São Tomé, como refere Lineu, que a Vandelli dedicou a Vandellia, como ele mesmo informa, numa das suas cartas a Domingos Vandelli, ao dizer que no tomo segundo do Systema Naturae acrescentara cerca de 50 novos géneros de plantas, entre os quais salienta um, memorável: "In tomo secundo circiter 50 Genera plantarum, quae antea non habui, adjeci, interque memorabile est Dracaena Vandellii" (in VANDELLI, 1788).

Nas suas memórias sobre as produções das conquistas, Vandelli demonstra conhecer não só as espécies de São Tomé como do Gabão. Manifesta o interesse que haveria em explorar para o comércio e indústria a planta do chá, a casca de certas árvores para o fabrico de tintas e cordas, a carcuma, gengibre, pimenta, a canela e o bálsamo de São Tomé (VANDELLI, 1789).

As produções desta ilha eram portanto conhecidas no século XVIII, e não só em Portugal. Aliás, nos inventários do Museu Domenico Vandelli (CRUZ, 1976), que este trouxera consigo de Pádua em 1764, inventários elaborados de forma algo imprecisa em 1772, na altura em que as colecções foram compradas para núcleo inicial do museu de História Natural da Universidade, já ali figuram aves de São Tomé (e da Amazónia), facto absolutamente notável, se atendermos a que, cem anos depois, ao contabilizar o material existente no Museu de Lisboa, Bocage escreve: De São Tomé, país quase desconhecido, e de cuja exploração muito se deve esperar, possuimos apenas alguns objectos oferecidos pelos senhores Dr. Lúcio Augusto da Silva e Pedro A. Fernandes Pires, e consta-me que alguns outros acabam de chegar a Lisboa remetidos pelo governador da província, e coleccionados pelo cirurgião-mor, o Dr. Correia Nunes (BOCAGE, 1865).

Nenhuma Expedição Régia tendo tido por alvo as ilhas do Golfo (tanto quanto se saiba de momento), só no século seguinte encontramos rasto de um conhecimento razoavelmente sistematizado dessas colónias portuguesas, tanto mais que a sistemática não era prioridade dos cientistas do século anterior, preocupados sobretudo com a saúde, bem estar dos indivíduos e com o desenvolvimento comercial e industrial das nações. Entre outros, C. Weiss (1847), R. Greeff (1884) e A. F. Moller (1885) também têm os nomes ligados à exploração, bem como, já no séc. XX, Ch. Gravier e A. Chevalier. Em todo o caso, as instruções publicadas sobre a forma de conservar e remeter exemplares tinham em mente motivar quaisquer funcionários (geralmente governadores, médicos e farmacêuticos) ou habitantes de boa vontade, a prestarem o seu contributo à inventariação. Por isso, Almada Negreiros pai, administrador de concelho em São Tomé, é também um dos nomes ligados à remessa de produtos naturais da ilha.

Não obstante o contributo apontado, o principal naturalista que coligiu material nas ilhas do Golfo da Guiné (e Daomé, então protectorado português), destinado a enriquecer as colecções dos museus de Lisboa, Porto e Coimbra, foi Francisco Newton, entre 1885 e 1895. No Museu de Lisboa, Barbosa du Bocage é o sistemata que de maneira mais intensa se vai ocupar das suas colecções de répteis, anfíbios, mamíferos e aves. Baltasar Osório assina catálogos de peixes e crustáceos, Bettencourt Ferreira, tal como Bocage, de répteis e anfíbios, A. Girard de moluscos.

Antes porém de nos determos um pouco sobre os catálogos dessa época (1), tem interesse saber que imagem da fauna de São Tomé nos dão os navegadores e cronistas antigos. Tal como em Cabo Verde, Açores e Madeira, houve introdução de espécies, em primeiro lugar, gado. E também o gato de algália, produtor do almíscar, perfume dos mais apreciados. Refere-se a baleia, que aparentemente aparecia em quantidade entre a costa e as ilhas, e numerosos caranguejos que pululavam por toda a terra. Valentim Fernandes, mais antigo cronista conhecido dos animais existentes em São Tomé, nos primeiros anos do séc. XVI, fala dos ratos, entre eles de uma espécie de grandes dimensões, usada na alimentação do mesmo modo que os coelhos na metrópole. Dá notícia da Numida meleagris e galinhas europeias, dos falcões, rolas, seixes, pombas, tordos, alcatrazes, rabi-cortados, patos mansos e selvagens, tubarões e outras espécies de peixes.

No que diz repeito à herpetofauna, as notícias são mais escassas. Valentim Fernandes menciona o crocodilo, hoje inexistente, dizendo que antes do seu tempo eram numerosos: Lagartos havia muitos e agora poucos, de doze côvados em longo. E comem homens e mulheres, vacas e bois e animalia. Estes lagartos não vão fora de água senão que sempre lhes fica o rabo na água doce. E qualquer animalia que toma logo dá com ela na água e dentro na água a mata e come. Empina-se sobre o rabo como um homem em pés. Segundo Lains e Silva (1958), o crocodilo só sobrevivia em São Tomé no topónimo Praia do Lagarto.

Além do crocodilo, Valentim Fernandes fala ainda das cobras pretas, certamente Naja melanoleuca: Cobras há nesta ilha muito peçonhentas de dois côvados de longo e de um braço de homem em gordo. E estão olhando os homens e não fogem deles. Estas cobras são negras de cor. Era hábito, ou superstição, matarem-nas de preferência de manhã, e aproveitarem-lhes a gordura, talvez para a farmacopeia tradicional.

Como se disse, o principal explorador das quatro ilhas do Golfo, entre 1885 e 1895, naturalista com experiência na Guiné, Cabo Verde e Angola (mais tarde partiria para Timor), foi Francisco Newton. A ele se devem belas descobertas para os três Reinos. É Bocage (1895) quem lhe reconhece o mérito, ao pô-lo a par de outro notável naturalista, José de Anchieta, explorador em Angola. Newton coligiu em São Tomé e Príncipe mais de 60 amostras geológicas, sobretudo rochas básicas, que se encontravam no Museu Mineralógico da Faculdade Ciências de Lisboa. A Botânica também o ocupou, restando dele um pequeno artigo sobre a vegetação de Ajudá. O seu nome estava ligado a bastantes espécies animais, e algumas de plantas, estudadas estas em Londres e Berlim, caso de Dedalea Newtoni Bresadola, do Príncipe. No caso vertente, o da herpetofauna das ilhas do Golfo, subsiste em Petropedetes newtoni, descoberta em Fernando Pó, Hemidactylus newtoni, de Ano Bom, Rhinotyphlops newtoni, do ilhéu das Rolas, São Tomé e Príncipe, e Ptychadena newtoni, de São Tomé, espécies descritas por Bocage, à excepção de Hemidactylus newtoni Ferreira, nos vários catálogos resultantes da expedição de Newton, publicados no Jornal da Academia Real das Ciências de Lisboa.

Os primeiros répteis coligidos no Daomé foram-no igualmente por ele (Bocage, 1887). Dada a raridade das citações neste domínio para uma região que ainda hoje parece inexplorada, vale a pena saber que espécies ali coligiu o naturalista, com extrema dificuldade, por se tratar de um país animista, que interditava a captura de muitos animais. Refira-se de resto que, existindo culto ofita em Ajudá, dedicado a Dangbé, a piton sagrada, nunca vimos mencionada a vulgaríssima Python sebae para o actual Benim. São então as seguintes as espécies, na maior parte coligidas em Ajudá e no Abomei, algumas da autoria de Bocage: Hemidactylus brooki Gray, 1845, Agama agama (Linnaeus, 1758), Chamaeleo senegalensis Daudin, 1802, Lygosoma guineense (Peters, 1879), Varanus niloticus (Linnaeus, 1766), Leptotyphlops brevicaudus (Bocage, 1887), Typhlops punctatus (Leach, 1819), Atractaspis dahomeyensis Bocage, 1887, Grayia smythii (Leach, 1818), Scaphiophis albopunctatus Peters, 1870, Toxicodryas blandingii (Hallowell, 1844), e Bitis arietans (Merrem, 1820).

O italiano Leonardo Fea explorou as ilhas do Golfo logo a seguir a Newton. As suas colecções de répteis e anfíbios foram estudadas por Boulenger. Imediatamente antes de Newton chegar às ilhas, Moller tinha-as explorado. Os répteis e anfíbios que coligiu foram classificados por Bocage e Bedriaga.

Socorrendo-se do material publicado até 1917, Júlio Henriques dá-nos a imagem do que a sistemática do seu tempo registava para a herpetofauna de São Tomé: Sternothaerus derbianus, o cágado; Chelone mydas, a tartaruga-verde; Hemidactylus mabuia e Lygodactylus thomensis, osgas; Mabuia maculilabris e Lygosoma africanum, Scincidae; Typhlops Newtoni, cobra-cega; Naja melanoleuca, a cobra preta, Dendraspis viridis, mamba, Boodon lineatus, a djita e Philothamnus thomensis. Nos anfíbios contam-se Rana Newtoni, Rappia thomensis e Arthroleptis calcaratus, rãs; e Dermophis thomensis, a cobra bobó ou cobra amarela.

Em 1988, uma equipa do Museu Bocage (Museu Nacional de História Natural de Lisboa) deslocou-se a São Tomé, estando os resultados da exploração a ser publicados no Volume Especial dos Arquivos do Museu Bocage. Nada porém saiu ainda sobre a herpetofauna. Pouco depois, era a vez de um grupo alemão, de que faziam parte os herpetologistas J. Haft, J. Fahr e T. Nill. Os resultados das colheitas foram publicados na revista Faunistische Abhandlungen, que dedicou todo o número 1 do volume 19 (1993) a São Tomé.

 
(1) Essa leitura dos catálogos foi um dos motivos para suspender este trabalho e publicar outro: "Francisco Newton, Cartas da Nova Atlântida": http://triplov.com/newton/