AS MUSAS CEGAS Herberto Helder 29-11-2004 www.triplov.org |
AS MUSAS CEGAS I |
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Bruxelas, um mês. De pé sob as luzes encantadas. Em noite assim eu extinguiria minha alma cantando humildemente. Fecharia os olhos sob os anéis dos astros, e entre os violinos e os fortes poços da noite descobriria a ardente ideia da minha vida. Em noites assim amaria o fogo da minha idade. Cantaria como um louco este grande silêncio do mundo, vendo queimarem-se nas trevas as vísceras tensas e os ossos e as flores dos nervos e a cândida e ligeira arquitectura de uma vida. Bruxelas com as traves da minha cabeça e uma grinalda de carvões em torno dos testículos de um homem bêbado da sua idade. Cantaria com estes testículos negros, as lágrimas, o coração ao meio do nevoeiro derramando o seu baixo e aéreo sangue, a sua dor, o lírico fervor, o fogo de porta entre os símbolos nocturnos. Era tão pura a ideia de que o tempo começava depois do verde e fértil e exaltado mês da carne. Vergada sobre o livro onde o meu rosto ardia, a vida esperava com sua torres vibrantes, seus grandes lagos límpidos. E eu adormecia e sonhava um homem em voz alta, um vidro incandescente, uma fina flor vermelha colocada sobre a mesa. Era tão violenta a ideia de cantar sem fim, até que voz consumisse esta garganta sombreada de estreitos vasos puros. - Cantar fixa e fria e intensamente sobre a minha rasa luminosa vida, ou sobre os campos transparentes e sombrios de bruxelas do mundo. |