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Retrato de Herberto Helder
por João Rodrigues

A faca não corta o fogo
Dúplice

dúplice

lírica, dúbia mão sem Deus a trabalhar em música,

e tu respiras e pareces ligeiro,

mas abrem-se e fecham-se linhas, sangram unhas, e és

ávido, atento, áspero,

e o ritmo que tiras de ti regula a como que excessiva

dança à beira da vertigem: perigo

e poesia, que não são nada,

mas faz com que os dias mais se desarrumem,

e a tensão crie em ti profundidade, sêca,

elegância, e delas dances, cabelo

batido a oxigénio,

a terra mudando de estações, e a mão

desenvolvida pela

luminotecnica

e se ilumine a si mesma, e os fusíveis

nos circuitos eléctricos:

cai a noite ou não caia sobre o papel salgado,

escreves ambidextro entre caos e matemática,

porque és ardentemente indefeso,

porque tens de arrancar ao barulho, indecifrável e indemne, a linha cantante







A Faca Não Corta O Fogo

súmula & inédita
Páginas 191/193
LISBOA . ASSÍRIO & ALVIM, 2008