Como foi imprevisível tal catástrofe como a do Tsunami? Como não houve meios para avisar o Sudeste Asiático da proximidade de um maremoto? Essas previsões são mais prováveis quando o material tecnológico anti-sismo ou anti-maremoto é mais sofisticado e esse material não prolifera nos espaços do Terceiro Mundo.
Esta é a hora de não cultivar o pequeno ego, mas de espraiar o dom de si próprio, de todo o supérfluo que pode ser vital para uma criança; de dar mesmo o indispensável e pensar na partilha fraterna de cada acto ao longo de cada dia; de nos libertarmos de tudo o que nos possa perder no mecanismo atrofiante da auto-concentração. Agora parece que ainda precisamos mais uns dos outros de maneira visível.
Esta é a hora de nos associarmos com tudo que seja solidariedade e esperança do essencial para a sobrevivência, com tudo o que possa ajudar a ressurgir, desde o pão, ao vestir, à escola, ao abrigo, às urgências de saúde, à palavra exacta que alivie e eleve quem por nós passe, mesmo sem ser vítima de uma catástrofe visível.
Podemos ressurgir numa cadeia onde vida e morte se debatem para que a ressurreição de todos tenha poder sobre a morte consumada, latente ou previsível. Esta é a hora de todos lutarmos por vermos que afinal nunca estamos sós no sofrimento, na catástrofe, no ressurgir e na esperança.
Que a epifania ou manifestação – epifania significa em grego mostrar, aparecer, manifestar sobre - que em todos nós está adormecida se torne concreta, meditada, solidária, com a procura da exactidão do gesto, do acto, da palavra, do silêncio do respeito ou da oração ou outro, em cada momento possível, neste dia a dia povoado de enigmas e surpresas.
Podemos ser tentados a pensar que a solidariedade à distância é a mais difícil mesmo neste tempo de catástrofe. Mais imprevisível e mais difícil é aquela solidariedade do dia a dia que nos obriga a estarmos atentos como antenas ao Outro que por nós passa, que consegue ou não comunicar a poucos metros ou centímetros de cada um de nós, e que pode, na expressão de Sophia de Mello Breyner, “ter as mãos pesadas de desastres”. |
A Epifania de Jesus Cristo aos Reis Magos que lhe trouxeram incenso, ouro e mirra depois de O terem procurado, guiados por uma Estrela, é a cúpula da festa messiânica do Natal da liturgia cristã. É a Festa da gratuidade do nascer e do renascer, do aparecer no momento de luz e de esperança, tendo Jesus assumido a condição humana para trazer a esperança da sua manifestação na passagem da vida humana.
Que a Epifania neste ano de 2005 seja a do excesso de gratuidade que apague lenta e definitivamente todos os excessos ditados pelo egoismo.
Neste início de 2005 comecemos por perseverar em nos deixarmos guiar pela Estrela, pela esperança, pela procura da “chama que dá vida à noite inteira”, na expressão de José Afonso, a noite da tragédia humana vinda do mar cantado pelos poetas, pintado por artistas, sulcado por viajantes, aventureiros, e que de repente se transforma no Monstro mais terrível, em evolução gradativa até algo que, na expressão de P. António Vieira é “uma calamidade composta de todas as calamidades” onde ninguém nem nada está seguro.
Que a epifania da solidariedade seja o combate mais eficaz ao monstro devorador de vidas e haveres dos homens, que desse combate renasça uma luz e uma força diferentes e eficazes, que o mundo desfigurado possa lentamente ressurgir.
EPIFANIA – JANEIRO DE 2005
Helena Langrouva |