Manuel António dos Santos Lourenço, que
assinava com o nome literário M.S.Lourenço, nasceu em 13 de Maio de
1936, na Vila Velha de Sintra, onde residiu até à sua morte, em 1 de
Agosto de 2009. Desde muito jovem, era apaixonado por Filosofia,
Literatura, Ciência, Artes, em especial a Música. Licenciado em
Filosofia pela Universidade de Lisboa (1965), foi bolseiro da Fundação
Calouste Gulbenkian em Oxford (1965-68), Leitor de Português (1968-1971)
nas Universidades de Oxford e de Santa Barbara (Califórnia, E.U.A.),
tendo ainda ensinado na Universidades de Bloomington (Indiana, E.U.A.),
e de Innsbruck (Aústria). Era pós-graduado (M.A. - Oxford) e Doutorado
(Lisboa) em Filosofia Analítica, tendo-se fixado como professor de
Lógica e Filosofia da Matemática, no Departamento de Filosofia da
Faculdade de Letras de Lisboa. Dedicou a sua vida à Poesia, à Tradução,
ao Ensaio, à Filosofia e ao Ensino.
Como filósofo, além de professor de
Filosofia, M.S. Lourenço foi Presidente da Sociedade Portuguesa de
Filosofia (1999-2004) e Director da revista de filosofia Disputatio.
Publicou, em livro, A Espontaneidade da Razão: A analítica
conceptual da refutação do empirismo na Filosofia de Wittgenstein
(Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1986) – a partir da sua tese de
doutoramento -, Teoria Clássica da Dedução (Assírio e Alvim,
1991). O seu livro A Cultura da Subtileza: Aspectos da Filosofia
Analítica (Gradiva, 1995, editado por Desidério Murcho), resultou de
diálogos seus no programa Rádio Cultura, da RDP2, com filosófos, homens
da cultura e críticos de arte portugueses - entre os quais, João Bénard
da Costa, Sidónio Freitas Branco Paes e João Paes – , sobre
assuntos atinentes a Diálogo, Lógica e Metafísica, Estética e Filosofia
da Arte. |
Como tradutor de filósofos, escolheu
grandes autores de longas obras, marcantes para o estudo da Lógica e da
Filosofia Analítica, além da sua tradução do teólogo e filósofo Romano
Guardini, O Fim dos tempos modernos ( Moraes, 1964). Traduziu
William Kneale & Martha Kneale, O Desenvolvimento da Lógica
(Fundação Calouste Gulbenkian, 1972, 3ª edição, 1991, 773 pp.
Esgotado), Kurt Gödel, O Teorema de Gödel e a hipótese do
contínuo (Fundação Calouste Gulbenkian, 1977, 2ª edição 2009, 943
pp.) e Wittgenstein, Tratado Lógico-Filosófico* Investigações
Filosóficas, 1987, 4ª edição 2008, 611pp.)
Pertenceu à chamada geração de O Tempo
e o Modo, com António Alçada Baptista, João Bénard da Costa, Alberto
Vaz da Silva, Helena vaz da Silva, Pedro Tamen, Nuno Bragança, entre os
principais. Esteve próximo de todos até ao fim, em especial de João
Bénard da Costa (falecido em 21 de Maio de 2009). Em O Tempo e o
Modo. Revista de pensamento e acção, publicou poemas,
ensaios, a tradução da primeira página de uma parte de Finnegans
Wake de James Joyce, I 3 (nº 57/58, pp. 243-244, Lisboa, Fevereiro-Março
de 1968). Na sequência desta publicação, houve uma troca de cartas
entre Almeida Faria e M.S. Lourenço, na mesma revista (1968, p. 566 e
1968, p. 568), tendo M.S. Lourenço anunciado, na sua carta, uma
publicação de outra versão e a publicação futura da tradução de
Finnegans wake que não chegou a acontecer. Em contrapartida,
publicou, a este propósito, um artigo sobre a dificuldade e
complexidade da tradução de Finnegans wake em português (revista
Colóquio-Letras, nº 23, Janeiro de 1975, pp. 27-31). Ainda em
O tempo e o Modo, publicou a tradução de três breves contos de
Samuel Beckett. Imaginação morta imagina (nºs 71/72, Maio-Junho
de 1969 – recentemente reeditados na revista Ficções, nº 15, Maio
de 2006.
Como poeta, publicou em livro, antes de
partir para a guerra colonial (1961), na editora Moraes, fundada por
António Alçada Baptista, O Desequilibrista (1960), sua obra de
estreia, Fora de Colecção. Seguiram-se, na mesma editora, as duas
pequenas colectâneas de histórias - O Doge (1963, assinado sob o
pseudónimo Arquiduque Alexis-Christian von Rätselhaft und Gribskov –
Tradução de M.S. Lourenço -,reeditado, sob o pseudónimo Alexis Von
Gribskoff, Fenda, Lisboa, 1998), Ode a Upsala ou Ária
detta la Frescobalda (1964), Depois de ter vivido em Oxford,
criou uma nova orientação estética e técnica da escrita poética em
Arte Combinatória (1971) e Wytham Abbey (1974). Defendeu o
labor e o aperfeiçoamento da musicalidade do verso, da arquitectura
musical do poema, a procura da capacidade visionária, através da
expressão poética, em particular no livro Wytham Abbey..
A obra poético-literária de M.S. Lourenço
demarca um lugar difícil de se definir na literatura portuguesa, pela
surpreendente aglutinação e desequilíbrio do real, do quotidiano e do
surreal, o nonsense, o humor, o permanente filtro da angústia, a
crítica, a encenação e a máscara da própria obra, a irreverência, a
liberdade, a interrogação, o enigma, os mitos, o mistério, a procura
para-mística ou mística, a certeza da morte, a reflexão filosófica,
teológica, metafísica, escatológica, a fantasia, o sonho, a constante
criação, recriação e aperfeiçoamento de linguagens, inúmeras alusões
culturais, palavras em várias línguas, convergindo na meditação da
própria língua portuguesa.
Em Pássaro Paradípsico
(Perspectivas e Realidades, Lisboa, 1979) - com ilustrações de Mário
Cesariny – cada verso é uma palavra e cada poema construído à maneira
de uma composição musical. Em Nada Brahma (Assírio e Alvim,
1991), obra escrita em verso e integrando um texto dramático –
retomando o caminho traçado por O Desequilibrista -, procura
realizar o ideal da poesia como arte musical, decantando ao extremo a
procura do essencial dos seus universos, na poesia que é, na poesia que
a si própria se pensa., lembrando o princípio aristotélico do
“pensamento que a si próprio se pensa”. A poesia ainda como expressão e
voz do silêncio, a poesia como som – Nada, em sânscrito – do
Todo, Deus – Brahma, em sânscrito.
A poética de M.S. Lourenço seguiu um
caminho individual, solitário, perseverando na procura, a um tempo, de
liberdade, contenção e abertura no pensamento e na palavra.
Os ensaios que publicou na revista
Colóquio-Letras e as crónicas que publicou no semanário O
Independente estão reunidos no livro Os Degraus do Parnaso
(Assírio e Alvim, 1991, 2ª edição integral, 2002) -, distinguido com o
prémio Dom Dinis, da Fundação Casa de Mateus, em 1991. Nesta obra de
referência para o ensaio, a cultura e a literatura portuguesa do século
XX, pela pertinência e variedade dos temas abordados, a meditação sobre
a vida, a filosofia e a arte, as interrogações, a actualidade e a
crítica, vigora a procura de reformulação narrativa do mesmo ideal da
escrita como arte musical, num caminho de procura de clareza e
aperfeiçoamento.
Pássaro Paradípsico, os livros de
filosofia e as traduções de livros filosóficos estão assinados por
Manuel Lourenço.
Manuel António dos Santos Lourenço foi
galardoado com a Grã Cruz da Ordem de Santiago de Espada, a Cruz de
Honra de I Classe da República da Aústria. Foi homenageado, na sua
presença, em 2006 e 2007. Em 2006 - ano da jubilação como professor
catedrático -, na Faculdade de Letras de Lisboa -, com Maria de Lurdes
Ferraz, no âmbito da cadeira de Teoria da Literatura, tendo, na sessão
de homenagem, argumentado sobre a necessidade de um curso de Lógica
para o estudo da Teoria da Literatura. Em 4 de Maio de 2007, no Palácio
Valenças, em Sintra, integrada no III Encontro de História de Sintra,
foi proferida, na sua presença, uma conferência do poeta e crítico
literário Liberto Cruz (nascido em Sintra, em 1935) sobre a sua obra
poética, intitulada “M.S. Lourenço, o Desequilibrista definitivo” –
publicada online. Foi ainda disponibilizada nessa mesma data, no
Palácio Valenças, uma exposição bibliográfica, organizada por Helena dos
Santos C. Langrouva.
Numa longa entrevista de Miguel Tamen –
publicada em A.M. Feijó & Miguel Tamen (eds.) A Teoria do Programa.
Uma homenagem a Maria de Lourdes Ferraz e M.S. Lourenço. Lisboa:
Programa em Teoria da Literatura. 2007. Pp 313-364 –, M. S. Lourenço
esclarece aspectos cruciais do seu itinerário intelectual, não omitindo
a inexistência do seu gosto pela discussão pública, o facto de a sua
obra ser praticamente desconhecida do público. A Autobiografia,
ainda inédita, anunciada por Liberto Cruz, na conferência acima
referida, permitirá novas achegas para a compreensão da sua vida e obra.
Deixou no prelo a Obra Completa poético-literária, que será lançada pela
Assírio e Alvim, editada por João Dionísio, no próximo Outono, e em cujo
título - O Caminho dos Pisões - faz convergir o caminho pessoal
como escritor e a presença de Sintra – Caminho dos Pisões é o nome
antigo de um caminho da Vila Velha de Sintra. Obra rara de um autor
raro, na complexidade e profundidade dos seus mundos, escrita com
assinalável mestria da língua portuguesa, uma presença no panorama da
literatura, filosofia, ensino da filosofia, da cultura em língua
portuguesa, de um humanista do século XX. Esperemos que a sua obra seja
conhecida pelas gerações actuais e vindouras.
Sintra, 11 de
Agosto de 2009 |
Helena Langrouva é licenciada em Filologia Clássica (Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa), Maître ès Lettres Modernes – Cinéma (Montpellier III- Université Paul Valéry), pós-graduada – DEA ( Universidade de Paris III- La Sorbonne Nouvelle), Master of Arts e Master of Philosophy (Universidade de Londres – King’s College) – e doutorada (Universidade Nova de Lisboa) em Estudos Portugueses. Foi Leitora de Língua e Cultura Portuguesas nas Universidades de Montpellier e Rouen, ensinou Literatura Portuguesa Clássica, Teoria da Literatura, Introdução aos Estudos Literários e Francês, no ensino superior, em Portugal, com passagem pelo ensino secundário onde leccionou Grego, Latim e Português. Equiparada a bolseira pelo Ministério da Educação e Cultura, foi bolseira da Fundação Oriente e da Fundação Calouste Gulbenkian, tendo investigado em bibliotecas e museus europeus. Escritora, investigadora interdisciplinar, nas áreas da cultura clássica, renascentista e do século XX, tem-se dedicado em especial ao estudo de Literatura e Arte dos séculos XV e XVI.
É autora de A Viagem na Poesia de Camões, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian- FCT, 2006; Actualidade d’Os Lusíadas, Lisboa, Roma Editora - apoio FCT, 2006; De Homero a Sophia. Viagens e Poéticas, Coimbra, Angelus Novus – patrocínio IPLB-, 2004; Arpejos de uma Viandante/ Arpèges, Lisboa, 2003. Co-editou, com Aires A. Nascimento, José V. De Pina Martins e Thomas Earle, Humanismo para o nosso tempo. Homenagem a Luís de Sousa Rebelo, Lisboa, edição patrocinada pela Fundação Calouste Gulbenkian e comercializada pela APPACDM, Braga.
Publicou ensaios nas revistas Brotéria, Critério e O Tempo e o Modo (Lisboa), Traduziu e seleccionou Lanza del Vasto, Não-Violência e Civilização- Antologia, Lisboa, Edições Brotéria, 1978 e traduziu ainda Jean Joubert, O Homem de Areia (romance), Lisboa, Difel, 1991.
Estudou Artes Musicais – Canto Gregoriano e Canto Clássico - Artes Plásticas – Desenho e Pintura- e Iconografia. Tem ainda cultivado o canto ao longo da sua vida, fez exposições individuais de Pintura em Sintra, Lisboa e Évora e dedica-se em particular à pintura de ícones.
É membro da Associação Portuguesa de Escritores, da Associação Portuguesa de Críticos Literários, da Sociedade Portuguesa de Autores, da Associação Internacional de Lusitanistas.
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