HELDER PROENÇA

Foto: António Aly Silva

POEMAS - INDEX

Ode a Abomey (1)

«L ‘univers tient l'oeuf que la terra désire.»
BÉHANZIN, 1858-1889

Há 240 anos
vi no horoscópio (2) da história
Abomey em prontos
vi-te de pé, Abomey
na sucessão vertiginiosa
de nove reinados

Vi também
na mesma altura
a caravela, a cruz
as quinquilharias
e Cristo eras tu!
Tu que pela graça do Espírito Santo
recebias homens em correntes imobilizados
Aqui foi Ouidah [3]
Onde mercadorias humanas
redimiam-se sob «negras bandeiras da fome» e sangue.

Capitão Ambrósio [4]
aqui foi Abomey
há 190 anos
estes homens estendidos em longas proas
também foram
o Harlém [5] santificado pela bandeira das quinas
Aqui foi Abomey e Ouidah, capitão Ambrósio
e tu bandeira de armilar esfera – a civilização.

O ceptro à Agadja [6]
a porcelana Zinli [7] em tam-tam fúnebre
junto a Glélé [8] e suas donzelas eternas
ainda repousam
a branca bandeira da hipocrisia

à paternidade dos Panteras [9]
Tudo que em Cristo e por Cristo deixastes
testemunham ainda a tua LusoCristo-picalidade
O manto real em púrpura
12 canhões para 24 cabeças, também e aleluia!

Vi órfãos e viúvas eternas
no horoscópio da história
enquanto o pecado se expiava no Harlém
Capitão Ambrósio!

Assim
sustido pela ferocidade da selva
e pelo Tigre totem
evoquei em prantos teu nome Segobolissa
e disse gritando em direcção ao Níger
qu’estas almas donzelas
p’lo alcolusófono voluntariadas
para de pé se cobrirem de terra
junto a ti Glélé na eternidade
em paz repousem

E
foi assim
que a noventa anos passados
sobre este túmulo
que nosso silêncio hoje ameaça
em lágrimas,
Vi-te Béhanziri
coberto de rebeldia e insubmissão
E sobre
tua irreverência opulenta
fiz ecoar hinos em marfim
gravados
e sobre mármore
selados
Para te reencontrar
na largura indimensional
da nossa civilização.
 

«Pour le Danhomé j’ai sacrifié la vie de milliers de guerriers; je me suis réduit moi-même à l’état de fugitif sans fétiches favorables, sans mulettes protectrices.», BÉHANZIN

[1] Os palácios reais do Abomey são um grupo de estruturas construídas de barro pelos povos Fon entre meados do século XVII e finais do século XIX. A cidade era circundada por uma muralha de lama com uma circunferência estimada em seis milhas, atravessada por seis portões, e protegida por uma vala de 1,5 m de profundidade, preenchida com uma sebe densa de acácia espinhosa, a defesa usual das fortalezas africanas ocidentais. Dentro das paredes, estavam as vilas separadas por campos, por diversos palácios reais, por uma praça de mercado e por um campo grande que continha as choças. Em novembro de 1892, Behanzin, último rei independente do Daomé, sendo derrotado por forças coloniais francesas, ateou fogo a Abomey e fugiu para o norte. Os palácios reais de Abomey são a única lembrança deste reino desaparecido.

[2] Horóscopo: predição da sorte; destino; futuro de uma pessoa ou coisa.

[3] Ouidah, Hweda, Ouidá, Uidá, Ajudá é uma cidade localizada na costa ocidental africana, actual República de Benim – o território onde o Benim se localiza era ocupado no período pré-colonial por pequenas monarquias tribais, das quais a mais poderosa foi a do reinado Fon de Daomé. A partir do século XVII, os portugueses estabelecem entrepostos no litoral, conhecido então como Costa dos Escravos. Os negros capturados são vendidos no Brasil e no Caribe. No século XIX, a França, em campanha para abolir o comércio de escravos, entra em guerra com reinos locais. Em 1892, o reinado Fon é subjugado e o país torna-se protectorado francês, com o nome de Daomé. Em 1904 integra-se à África Ocidental Francesa. O domínio colonial encerra-se em 1960, quando Daomé torna-se independente, tendo Hubert Maga como primeiro presidente. A partir de 1963, o país mergulha na instabilidade política,com seis sucessivos golpes militares.

[4] Certos levantamentos populares, como o de 1934, em São Vicente (Cabo Verde), contra a fome e consequente falta de trabalho marcaram os escritores caboverdianos. Gabriel Mariano viria a imortalizar esta revolta no poema «Capitão Ambrósio», como também Manuel Ferreira em Hora di Bai.

[5] Harlem é um bairro de Manhattan na cidade de Nova Iorque, conhecido por ser um grande centro cultural e comercial dos afro-americanos.

[6] Agadjá, 1708-1732, um dos reis do Daomé.

[7] Peça redonda da cerâmica, utilizada para fornecer o ritmo zinli, música tocada pelos antepassados que vieram de tado, uma aldeia mahi, onde nasceu o Gota que é tocado principalmente nas cerimónias em homenagem aos voduns, funerais e para acalmar os espíritos dos mortos; também serve para afastar as aflições, moléstias e ofensas.

[8] Glelé, 1856-1889, um dos reis do Daomé.

[9] Partido negro revolucionário estadunidense, fundado em 1966 em Oakland - Califórnia, por Huey Newton e Bobby Seale, originalmente chamado Partido Pantera Negra para Auto-defesa. A finalidade original do partido era patrulhar guetos negros para proteger os residentes dos actos de brutalidade da polícia. Os Panteras tornaram-se eventualmente um grupo revolucionário marxista que defendia o armamento de todos os negros, a isenção dos negros no pagamento de impostos e de todas as sanções da chamada "América Branca", a libertação de todos os negros da cadeia, e o pagamento de compensação aos negros por séculos de exploração branca. Sua ala mais radical defendia a luta armada. Em seu pico, nos anos de 1960, o número de membros dos Panteras Negras excedeu 2 mil e a organização coordenou sedes nas principais cidades. Os conflitos entre os Panteras Negras e a polícia nos anos de 60 e nos anos de 70 conduziram a vários tiroteios na Califórnia, em Nova Iorque e em Chicago, um desses resultando na prisão de Huey Newton pelo assassinato de um policial. Na medida que alguns membros do partido eram culpados de actos criminais, o grupo foi sujeitado a uma grande hostilização da polícia que algumas vezes se deu na forma de ataques violentos, despertando investigações no Congresso sobre as actividades da polícia com relação aos Panteras. Nos meados dos anos de 70, tendo perdido muitos de seus membros e diminuído a simpatia de muitos líderes negros estadunidenses, levaram a uma mudança dos métodos do partido, que mudaram da violência para uma concentração na política convencional e em um fornecimento de serviços sociais nas comunidades negras. O partido estava efectivamente desfeito em meados dos anos de 1980.



In: http://lusofonia.com.sapo.pt/guine.htm

Escritor da Guiné–Bissau, envolveu–se, nos anos 70, no movimento independentista do seu país, abandonando os estudos liceais e partindo para a guerrilha em 1973. Após o 25 de Abril, regressou a Bissau, prosseguindo os seus estudos.

Hélder Proença começou por se dedicar à literatura era ainda adolescente, escrevendo poemas anticolonialistas, de afirmação da identidade nacional, que acompanharam a sua actividade política. Os textos desta fase foram reunidos no volume Não Posso Adiar a Palavra, editado apenas em 1982. Este carácter panfletário foi-se atenuando progressivamente, embora o autor nunca tenha descurado uma vertente de intervenção política e social. Considerado uma das grandes figuras da nova literatura guineense, escrevendo tanto em português como em crioulo, foi o co-organizador e prefaciador da primeira antologia poética do seu país Mantenhas Para Quem Luta! (1977). Alguma da sua produção continua inédita.

Fonte:http://web.educom.pt/p-ccomum/2/biblioteca/biografias/guine.htm

http://www.didinho.org/HELDERPROENCAOUOPOETALIBERTADOR.htm

http://senegambia.blogspot.com/