Terra negra que tremes em convulsões de parto,
Terra negra que a guerra devasta,
Terra negra que os ódios revolvem,
Terra negra que o Luar acaricia.
Oh terra negra da minha infância,
onde uma negra ama me aleitou
com cuidados maternais
e um amor que vinha do íntimo dos séculos.
Oh terra negra da minha infância,
onde brinquei com meus irmãos negros,
onde nadei no rio com meus irmãos negros,
onde cresci de mãos dadas com meus irmãos negros.
Oh terra negra dos mais saborosos frutos do mundo;
do ananás, do caju, da papaia, do mango;
oh terra negra dos maravilhosos contos infantis
que a minha negra ama me contava para adormecer.
Ali, naquela enorme árvore, estava o Irã,
terrível espírito da floresta que metia medo aos meninos
e nos fazia fugir para longe.
Mais para lá, era o poilão de Santa Luzia
que vomitava fogo quando a santa queria orações;
era o terreiro onde o cumpô dançava
e os meninos se extasiavam,
era a cova do lagarto onde ninguém ia,
era a mata do fanado
com seus mistérios terríveis.
Era a minha vida,
a vida dos homens simples
que amavam os seus semelhantes
e veneravam os velhos
Agora, oh terra verde e vermelha da Guiné,
só te peço que todas as noites
deixes baixar sobre meu coração
o silêncio que cura os males da alma
e que quando os dias nascerem húmidos e tenros
como o barro das tuas bolanhas,
deixes o meu corpo receber esse afago matinal
que foi o meu primeiro baptismo
e te peço seja a minha absolvição |
Artur Augusto Silva nasceu na Ilha da Brava, a 14 de Outubro de 1912.
Ainda estudante, foi Director da revista “Momento”, réplica lisboeta da
coimbrã “Presença”, onde se propunha com outros literatos jovens abrir
uma “Tribuna Livre” em que livremente se discutisse e todos pudessem
falar. Publicou vários artigos, fez reportagens, dirigiu saraus
literários, organizou exposições de arte moderna, promoveu conferências
culturais na Casa da Imprensa, na Sociedade Nacional de Belas Artes e em
vários outros locais de Portugal.
Licenciou-se em Direito em 1938. Em
1939, partiu para Angola, onde trabalhou como Secretário do Governador
Geral. De 1941 a 1949 exerceu advocacia em Lisboa, em Alcobaça e em
Porto de Mós. Em 1949, partiu para a Guiné onde foi advogado, notário e
substituto do Delegado do Procurador da República. Foi também Membro do
Centro de Estudos da Guiné, juntamente com Amílcar Cabral, de quem era
grande amigo.
Visitou vários países africanos, recolhendo elementos que mais tarde
lhe serviriam para escrever, entre outros livros, “Os Usos e Costumes
Jurídicos dos Fulas”.
Um dos seus comprometimentos cívicos em que mais se empenhou
consistiu em defender presos políticos. Foi defensor em 61 julgamentos,
um deles com 23 réus, tendo tido apenas duas condenações.
Em 1966, já em plena luta de libertação da Guiné, foi preso pela Pide,
no aeroporto de Lisboa. Meses mais tarde, por intervenção de Marcelo
Caetano e de outros responsáveis políticos, que embora discordassem das
suas ideias políticas o admiravam como homem de carácter, foi libertado,
mas proibiram-lhe que regressasse à Guiné, sendo-lhe fixada residência
em Lisboa.
Em 1967, Marcelo Caetano, convidou-o para ir trabalhar como advogado
na Companhia de Seguros Bonança. Também Adriano Moreira o convidou para
leccionar no Instituto de Ciências Ultramarinas, o que ele recusou,
fazendo ver ao portador do convite a incoerência de o terem prendido
pelas suas ideias sobre o colonialismo português e depois o convidarem
para leccionar matérias relacionadas com África. Em 1976, de visita à Guiné-Bissau, foi convidado pelo então Presidente
Luís Cabral para trabalhar como juiz no Supremo Tribunal de Justiça.
Também leccionou Direito Consuetudinário na Escola de Direito de Bissau. Faleceu em Bissau a 11 de Julho de 1983. |