“É preciso portanto, pelo menos em África, fazer a
distinção entre a situação das massas populares, que preservam a sua
cultura, e a das categorias sociais mais ou menos assimiladas,
desenraízadas, e culturamente alienadas.
As elites coloniais autóctones, forjadas pelo
processo de colonização, apesar de serem portadoras dum certo número de
elementos culturais próprios da sociedade autóctone, vivem material e
espiritualmente a cultura do estrangeiro colonialista, com o qual
procuram identificar-se progressivamente, quer no comportamento social
quer na apreciação própria dos valores culturais indígenas.
(...)
Esta ‘marginalidade’ constitui, tanto localmente como
no seio das diásporas implantadas na metrópole colonialista, o drama
sócio-cultural das elites coloniais ou da pequena burguesia indígena,
vivido mais ou menos intensamente segundo as circunstâncias materiais e
o nível de aculturação, mas sempre no plano individual, não colectivo.
É no contexto desse drama quotidiano, sobre o pano de
fundo da confrontação geralmente violenta entre massas populares e a
classe colonial dominante, que surge e se desenvolve na pequena
burguesia indígena um sentimento de amargura ou um complexo de
frustração e, paralelamente, uma necessidade urgente, de que ela toma
pouco a pouco consciência, de contestar a sua marginalidade e de
descobrir uma identidade. Volta-se então para o outro pólo do conflito
sócio-cultural no seio do qual vive: as massas populares nativas.
Daí o ‘retorno às fontes’, que parece tanto mais
imperioso quanto o isolamento da pequena burguesia (ou das elites
nativas) for grande e quanto o seu sentimento ou complexo de frustração
for agudo, como em relação às diásporas africanas implantadas nas
metrópoles colonialistas ou racistas.
Não é pois por acaso que teorias ou ‘movimentos’ tais
como o panafricanismo e a negritude (duas expressões pertinentes
baseadas principalmente no postulado da identidade cultural de todos os
africanos negros) foram concebidos fora da África Negra.
(...)
O problema dum retorno às fontes’ ou dum
‘renascimento cultural’ não se põe nem poderia pôr-se para as massas
populares: visto que elas são portadoras de cultura, são a fonte da
cultura e, ao mesmo tempo, a única entidade verdadeiramente capaz de
preservar e de criar a cultura, de fazer a história.
Mas o ‘retorno às fontes’ não é, nem pode ser em si
próprio, um acto de luta contra o domínio estrangeiro (colonialista e
racista) e já não significa necessariamente um retorno às tradições. É a
negação, pela burguesia indígena, da pretensa supremacia da cultura do
poder dominador sobre a do povo dominado com o qual tem necessidade de
se identificar. O ‘retorno às fontes’ não é pois uma tentativa
voluntária, mas a única resposta viável à contradição irredutível que
opõe a sociedade colonizada ao poderio colonial, as massas populares
exploradas à classe estrangeira exploradora.
Quando o ‘retorno às fontes’ ultrapassa o contexto
individual para se exprimir através de ‘grupos’ ou de ‘movimentos’, esta
contradição transforma-se em conflito (velado ou aberto), prelúdio do
movimento de pré-independência ou de luta pela libertação do jugo
estrangeiro”. |