(Fragmento da cena 1 do
6º acto, pp.: 98-100)
YEWTA YAWTA
Espera aí, que não estou a entender tudo isso... O que é que nós, que já
estamos assim tão velhos e cansados, que não vamos certamente assistir à
chegada dessa paz e do progresso, temos a ver com tudo isso? Não há nada
que possamos fazer.
AMAMBARKA
Há uma coisa que vocês, vocês três que aqui estão, podem fazer para que
tudo isso, a paz, a estabilidade, o progresso e a felicidade, todas as
nossas ambições, sejam realidade...
YEWTA YAWTA
Ah, sim? E que coisa é essa? Vocês ouviram isso? (olha para os dois
companheiros)
AMAMBARKA
Um acto muito simples... Tão simples que acho que vão fazê-lo ainda
hoje. Um acto que eu não esquecerei nunca, pelo qual serão devidamente
recompensados.
YEWTA YAWTA
Surpresa número dois. De que estás a falar agora, Amambarka?
AMAMBARKA
Estou a falar de como chegar àquela mulher...
DJINNA HARA
Que mulher?
AMAMBARKA
Mansata! (os três Homens-Grandes não conseguem esconder a surpresa.
Trocam olhares durante alguns instantes) Quero que me levem até
junto de Mansata.
DJINNA HARA
E quem é... Mansata?
AMAMBARKA
Isso vocês sabem melhor do que eu... Foi dela que falaram no outro dia,
lembram-se, naquele dia em que prometeram ajudar Mwankeh... É ela que
apareceu nos búzios, que você, Yewta Yawta, você mesmo lançou. É a ela
que se referiram quando falaram de uma mulher muito sofisticada,
poderosa demais. Prometeram ajudar Mwankeh, hoje ele não está, vão-me
ajudar a mim. Preciso desses poderes, não para benefício pessoal, mas
para fazer progredir a Nação. Com esses poderes, não vamos pedir esmola
a nenhuma outra nação ou instituição estrangeira, vamos ser
auto-suficientes, respeitados em todo o mundo, ter tudo o que
precisamos. Com esses poderes, vamos construir hospitais, estradas,
pontes, casas bonitas em todo o lado, para toda a gente... Vamos ter
escolas para as crianças, universidades em todo o país, para todos os
jovens, rapazes e meninas, estudarem e serem grandes Homens, cientistas
de valor, com conhecimentos profundos da ciência e da tecnologia que vão
fazer inveja aos brancos! Vocês não querem a paz e a prosperidade para a
nossa querida Nação? Não querem escolas para as nossas crianças, para os
vossos netos e bisnetos? Não querem ter hospitais com equipamento
moderno, medicamentos gratuitos e médicos bem formados para vos tratar?
Não desejam ter luz em casa e nas ruas? Não querem nada disso? Nada?
Reparem numa coisa: hoje é o branco que tem todos os poderes do mundo.
Se precisarmos de viajar, temos que pedir ao branco, tem que ser com o
carro ou o avião que o branco construiu; se precisarmos de construir
casas grandes e bonitas tem que ser com modelos e materiais do branco;
até falar com os nossos semelhantes agora só pode ser na língua do
branco... Eles têm todos os poderes. Mas todos! Qualquer dia, se não
tomarmos as providências necessárias, pode dar-lhes na gana usar esses
poderes para nos escravizar de novo. E vamos todos, jovens e velhos,
homens e mulheres, ser cativos deles... Não, não posso acreditar que não
queiram ver esta nossa querida Nação, todo o nosso querido povo, a viver
como os brancos vivem na terra deles... Ou será que acham que o preto
não tem direito ao bem-estar? Só o branco é que tem? Foi isso que Deus
disse? Não, Deus disse que somos todos iguais, somos todos filhos d’Ele,
com os mesmos direitos. E se é assim, porquê é que só o branco tem
poderes neste mundo? (faz uma ligeira pausa para observar os seus
interlocutores) Meus amigos, mostrai-me o caminho que leva a Mansata
e juro por Deus que farei acontecer aqui e em todo o lado o que Deus
desejou para todos os Seus filhos. Ajudai-me a aceder a esses poderes
que Mansata anda a distribuir a torto e a direito, a gente que não o
merece e nem sabe o que fazer com eles... Eu sou o Supremo Chefe da
Nação, sei como e onde aplicar esses poderes... Dai-me esses poderes de
Mansata...
KAMALA DJONKO
Mansata é um mito...
AMAMBARKA
Não acredito!
KAMALA DJONKO
Mansata é um mito... Não existe!
AMAMBARKA
Mansata existe, os poderes existem!
KAMALA DJONKO
Puro mito!
AMAMBARKA
Mito? E as orações dela?
KAMALA DJONKO
Que orações?
[...] |
Abdulai Sila. Nascido em Catió, Guiné, em
1958, é engenheiro electrónico formado pela Universidade de Dresden
(Alemanha), economista e investigador social. É também uma das mais
destacadas vozes da literatura guineense contemporânea e iniciador de
uma corrente ficcional original, sendo autor do que é considerado o
primeiro romance guineense, Eterna Paixão. Depois deste romance
inaugural, a importância desta obra cuja temática se centra
principalmente na transformação pós-colonial da sociedade guineense, tem
sido confirmada nos seus romances. Abdulai Sila foi co-fundador do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas; co-fundador da primeira
editora privada, a Ku Si Mon Editora e co-fundador da revista cultural
Tcholona.
Publicou os romances
Eterna Paixão (1994), A Última Tragédia (1995) e Mistida (1997). E uma
peça de teatro, "As Orações de Mansata" (2007). |