Guerra Junqueiro e a escola nova: um poeta para o futuro

 

 

 

 

 

 

PAULO J.BRITO E ABREU


( «In Memoriam» de José Augusto Marques Pinheiro, Poeta Mor, Filósofo e Bibliotecário )

( «Ex toto corde», ao meu Irmão Luís André )

«Em verdade direi: dos Grandes, que conheci,
os que mais impressionaram a minha sensibilidade foram Guerra Junqueiro e Gomes Leal.» Mário Beirão

 

I, ANTELÓQUIO

Em crítica, de feito, que não críptica acribia, cogitemos este excurso jornadeando em jardinagem. É que os livros são os livres, e uma boa Biblioteca tem o timbre e o tom dum jardim celestial. E com a vénia devida, citemos, na cifra, o bíblico livro da Sabedoria (Sb 11: 20): «Tu, porém, regulaste tudo com medida, número e peso.» Pra Pitágoras (  c. 570 – c. 495 a. C. ), dessarte, tudo é número. E «Deus geometriza» segundo Platão ( 428/ 427 – 348/ 347 a. C. ). Ou seja, os números são o alfabeto  que Deus usou pra escrever, dessarte, o vasto Universo. E ora vamos forte em frente: o Poeta, historiador e arqueólogo Carlos d’Abreu foi nado em Maçores, freguesia do município de Torre de Moncorvo, em 15 de Setembro de 1961. E, agora, as coincidências, dessarte, significativas: o Poeta Bocage foi nado em Setúbal, deveras, a 15 de Setembro de 1765. Abílio Manuel Guerra Junqueiro, que aqui nos traz, nasceu em Ligares, freguesia do concelho de Freixo de Espada à Cinta, em 15 de Setembro de 1850, ao passo que foi nado, o Professor Henrique José de Souza, em Salvador, nas Terras de Vera Cruz, em 15 de Setembro de 1883. Henrique José de Souza foi um Eubiota, escritor e estudioso do Ocultismo. Fundador da Sociedade Brasileira de Eubiose, foi patrono, providente, de várias lojas maçónicas. Depois de uma longa viagem que o levou, entre outros países, a Portugal, ao Tibete e à Índia, ele regressa ao Brasil e funda em Niterói, cidade do estado do Rio de Janeiro, a «Dhâranâ, Sociedade Mental e Espiritualista», criada, crucial, a 10 de Agosto de 1924. Sendo essa «Dhâranâ», de acordo com a ciência do Yoga, a «concentração, controle da mente humana». Em 8 de Maio de 1928 muda o grémio de nome e passa a chamar-se Sociedade Teosófica Brasileira, sendo ela, a partir de 28 de Setembro de 1969, a Sociedade Brasileira de Eubiose. «Eubiose», neologismo formado a partir do Grego, é composto por «Eu» ( bem, bom ) + «Bios» + «Osis» ( modo de viver ), e é qual a caminhada, a Arte de bem viver de acordo com a Bondade, a Beleza e a Verdade. Os Eubiotas brasileiros são muito próximos, no «Dharma», do Budismo esotérico. Depois de uma viagem ao Oriente, e mais particularmente ao Tibete, a primigénia Sociedade Teosófica foi fundada em Nova Iorque, a 17 de Novembro de 1875, por a russa Helena Petrovna Blavatsky (Ekaterinoslav, Ucrânia, 30/ 07/ 1831 – Londres, 08/ 05/ 1891 ), acompanhada do Coronel, americano, Henry Steel Olcott ( Orange, New Jersey, 02/ 08/ 1832 – Adyar, Madras, Índia, 17/ 02/ 1907 ) e, ademais, do irlandês William Quan Judge (Dublin, 13/ 04/ 1851 – Nova Iorque, 21/ 03/ 1896 ). Os seus objectivos, ou escopos, eram três. Forjar ou formar, em primo lugar, um núcleo da Fraternidade universal da Humanidade, sem distinção de raça, credo, sexo, casta ou cor. Fomentar e estimular, em deutério lugar, o estudo das Religiões Comparadas, das Filosofias e Ciências. E em tércio lugar, investigar, ou esquadrinhar, as leis inexplicadas da Natureza e os poderes latentes, e ocultos no homem.   E, revertendo, finda a lista com o Professor Doutor Vítor Manuel de Aguiar e Silva; o Autor de «Teoria da Literatura» ( 1967 ) viu a luz na freguesia de Real, em Penalva do Castelo, em 15 de Setembro de 1939. O Vice-Reitor da Universidade do Minho foi vencedor, a título póstumo, do Prémio Camões do ano 2020. E em 2011 ele foi o Coordenador, de feito, do «Dicionário», caroal, «de Luís de Camões». Por aqui, ó ledor, por aqui se vê já: os números não são, tão-somente, quantidades e grandezas, eles são, com justiça e com justeza, as quididades, e símbolos ou essências. E a Numerologia, que faz parte da Tradição, ela está, para a Matemática, como está, a Alquimia, para a ciência da Química, como está, a Astrologia, para a real Astronomia. E ora muito e muito bem. Na harmonia das esferas, Junqueiro faz coro com Anthero de Quental ( Ponta Delgada, Açores, 18/ 04/ 1842 – Ponta Delgada, 11/ 09/ 1891 ) e com António Duarte Gomes Leal ( Lisboa, 06/ 06/ 1848 – Lisboa, 29/ 01/ 1921 ). Pois que eram, eles os três, os livres-pensadores, os socialistas, dessarte, e franco-atiradores. E aditemos, a esses Numes, o nome de Guilherme de Azevedo ( Santarém, 30/ 11/ 1839 – Paris, 06/ 04/ 1882 ), o Poeta de «Alma  Nova» (1874), antepassado do, também Poeta, Fernando Guilherme Azevedo (16/ 11/ 1960). «Alma Nova» que é dedicada, com «adresse», ao Antero de Quental, que o elogiara, em 1871, na «Revolução de Setembro». Guilherme Avelino Chave de Azevedo, um Poeta de combate, o mais puro representante, entre nós, da Poesia, deveras,  baudelairiana. E amigo, desta sorte, do «abaissé», o paladino, desta feita, dos humilhados e ofendidos. Oliveira Martins, com acribia, tinha toda a razão: se a revolução, em Junqueiro, ela é moral, ela é, em Anthero, religiosa, para se tornar, em Azevedo, sentimental. Falemos ora sem ambages: este Poeta, em 1871, em Santarém, ele funda um jornal, «O Alfageme», no qual difunde, e defende, a Comuna de Paris. Parlando, agora, para o estreme estudioso: com Guilherme de Azevedo como director e redactor, foram editados cerca de 30 exemplares, entre 15 de Junho de 1871 e Setembro, dessarte, desse mesmo ano. Além de «A Alma Nova», deu a lume, Azevedo, «Aparições» ( 1867 ), e, em segundo lugar, as «Radiações da Noite» ( 1871 ). E mesmo coxo, do( l )ente, e valetudinário, ele foi, em Paris, de 1880 até à morte sua, correspondente, almado, da «Gazeta de Notícias» do Rio de Janeiro. E no capítulo, ainda, da prosa, citemos o fundador da Filosofia Portuguesa, o feraz Sampaio Bruno ( Porto, 30/ 11/ 1857 – Porto, 11/ 11/ 1915 ). José Pereira de Sampaio, que é deveras um portento, se estreia em 1874, aos 17 anos, com «Análise da Crença Cristã». A este escol chamam, estudiosos, a solerte «Escola Nova». Foi forjado, esse grémio, por o Grupo dos Cinco, ou sejam, Anthero, Eça de Queiroz ( Póvoa de Varzim, 25/ 11/ 1845 – Neuilly-sur-Seine, 16/ 08/ 1900 ), Oliveira Martins (Lisboa, 30/ 04/ 1845 – Lisboa, 24/ 08/ 1894 ) e Guerra Junqueiro e Ramalho Ortigão ( Porto, 25/ 11/ 1836 – Lisboa, 27/ 09/ 1915 ). Ramalho que colaborou, com o nosso Eça, quer n’«O Mistério da Estrada de Sintra» (1870), quer, flamante, em «As Farpas» ( 1871 – 1872 ). E era esse o grande grémio ao qual o Jaime de Magalhães Lima (Aveiro, Vera Cruz, 15/ 10/ 1859 – Aveiro, Eixo, 26/ 02/ 1936 ) denominava, deveras, de «demolidores do liberalismo». Firmará, em nome de todos eles, o Anthero de Quental: «A Poesia moderna é a voz da revolução». Ou melhor: «Se o Cristianismo foi a Revolução do mundo antigo, a Revolução não é mais do que o Cristianismo do mundo moderno» – e eis a frase com que ele remata, a 27 de Maio de 1871, as «Causas da Decadência dos Povos Peninsulares», uma das selectas, ou solertes, Conferências do Casino. Que além de Baudelaire (Paris, 09/ 04/ 1821 – Paris, 31/ 08/ 1867)  e de Friedrich Hegel ( Estugarda, 27/ 08/ 1770 – Berlim, 14/ 11/ 1831 ), os luminares destes Vates eram Proudhon (Besançon, 15/ 01/ 1809 – Passy, Paris, 19/ 01/ 1865), Jules Michelet (Paris, 21/ 08/ 1798 – Paris, 09/ 02/ 1874 ) e Victor Hugo (Besançon, 26/ 02/ 1802 – Paris, 22/ 05/ 1885).  «O supremo paladino da razão contra a fé, o heróico Proudhon», no dizer do nosso Eça, foi o primeiro Autor, na história do pensamento, a autodenominar-se «anarquista». Ora o facto, e deveras o feito, é que Luciano Cordeiro ( Mirandela, 21/ 07/ 1844 – Lisboa, 24/ 12/ 1900 ), em 1869, apontava, o Gomes Leal ( Lisboa, 06/ 06/ 1848 – Lisboa, 29/ 01/ 1921 ), como um dos «poetas novos», em liança e ao lado de Theophilo Braga (Ponta Delgada, 24/ 02/ 1843 – Lisboa, 28/ 01/ 1924), Anthero de Quental ( Ponta Delgada, 18/ 04/ 1842 – Ponta Delgada, 11/ 09/ 1891 ) e Guerra Junqueiro (Freixo de Espada à Cinta, 15/ 09/ 1850 – Lisboa, 07/ 07/ 1923 ). O ádito findo, e com fervor, esquadrinhemos, então, o nascimento, paixão e morte do nosso abraçado, do Abílio Manuel Guerra Junqueiro.

II, COLÓQUIO

Começamos, agora, com um comento hegeliano: nada de grande, neste mundo, se fez sem a paixão. Pois mais do que Autor, era, Junqueiro ( Freixo de Espada à Cinta, 15/ 09/ 1850 – Lisboa, 07/ 07/ 1923 ), um cultor e Actor. Ou seja, o Espírito se serviu das paixões, dos caprichos deste homem, para que, em Portugal, bem fulgurasse, e fulgisse, a flama da Ideia. Ainda, agora, para o Hegel ( Estugarda, 27/ 08/ 1770 – Berlim, 14/ 11/ 1831 ), a Arte, a Religião e a Filosofia são deveras sagradas, são lugares, ou «topoi», do Espírito Absoluto. E ora vamos forte em frente. Se for, para nós, plausível e possível, gostaríamos de interpretar este Vate à luz duma filosofia poética, ou melhor, de um poético pensamento. E concordamos, do cor, com Mário Beirão ( Beja, 01/ 05/ 1890 – Lisboa, 19/ 02/ 1965 ): Guerra Junqueiro ( Freixo de Espada à Cinta, 15/ 09/ 1850 – Lisboa, 07/ 07/ 1923 ) e Gomes Leal (Lisboa, 06/ 06/ 1848 – Lisboa, 29/ 01/ 1921 ) são, na lusa língua, os dois últimos românticos, os dous os criadores, em Portugal, da Poesia moderna. Que o Poeta, trasmontano, foi o filho de José António Junqueiro Júnior, negociante e lavrador de fartos cabedais, e de sua esposa, estremecida, Ana Maria do Sacramento Guerra ( 01/ 07/ 1827 – 17/ 09/ 1855 ), que se consorciaram, cabalmente, a 28 de Janeiro de 1848. A data natal de José António Junqueiro Júnior nos é, puramente, desconhecida, mas ele faleceu, em Freixo de Espada à Cinta, em 4 de Agosto de 1911. O Karma do filho é como segue: 1 + 5 + 9 + 1 + 8 + 5 = 16 + 13 = 29, sendo 2 + 9 = 11. É chamado, em Pitagorismo, um Número Mestre. Tipifica, com denodo, um ideal elevado, uma farta e uma fértil, uma grande inspiração. Senão, vejamos ora: em Maio de1862, num sarau patrocinado por António Feliciano de Castilho ( Lisboa, 28/ 01/ 1800 – Lisboa, 18/ 06/ 1875 ) no Teatro Académico de Coimbra, a criança que era então declamou, da sua lavra, um poemazinho, e entre 1864 e 1868 ele dá a lume opúsculos quatro – e nós louvamos, e alçamos, «Duas Páginas dos Quatorze Anos» (1864), «Mysticae Nuptiae» ( 1866 ), «Vozes sem Eco» ( 1867 ) e, finalmente, com um prefácio de Camilo Castelo Branco (Lisboa, 16/ 03/ 1825 – Vila Nova de Famalicão, São Miguel de Seide, 01/ 06/ 1890), o «Baptismo de Amor» ( 1868 ). Prefácio breve e leve, e contendo, apenas, sete linhas cordiais. Coincidência, dessarte, significativa: é dedicado, «Vozes sem Eco», à memória da Mãe, e tem epígrafe, formal, de Alfred de Musset ( Paris, 11/ 12/ 1810 – Paris, 02/ 05/ 1857 ), Poeta gaulês da escola romântica. Mas não passemos em branco:  a 11 de Abril de 1863, Junqueiro ( Freixo de Espada à Cinta, 15/ 09/ 1850 – Lisboa, 07/ 07/ 1923 ) declama, um seu poema, no Teatro São João do Porto, onde recitam, além do rapaz, Anthero de Quental ( Ponta Delgada, 18/ 04/ 1842 – Ponta Delgada, 11/ 09/ 1891)  e Theophilo Braga ( Ponta Delgada, 24/ 02/ 1843 – Lisboa, 28/ 01/ 2024 ). E a 12 de Abril o jornal portuense «A Liberdade» assinala a efeméride. Destinado por isso, por sua família, ao sacerdócio, matricula-se, em 1866, no curso de Teologia da Universidade de Coimbra, que abandona pra se inscrever, leve e ledo, em 1868, na Faculdade de Direito – e em Direito se forma, ferazmente, em 1873. Ora 1866 é o ano de licenciatura de Eça de Queiroz ( Póvoa de Varzim, 25/ 11/ 1845 – Neuilly, 16/ 08/ 1900 ). E Junqueiro ( Freixo de Espada à Cinta, 15/ 09/ 1850 – Lisboa, 07/ 07/ 1923 ), em Coimbra, convive, de perto, com o Poeta bracarense João Penha (Braga, 29/ 04/ 1838 – Braga, 04/ 02/ 1919), que o publica em «A Folha», seu jornal literário. E ele abraça, outrossim, Gonçalves Crespo ( Rio de Janeiro, 11/ 03/ 1846 – Lisboa, 11 /06/ 1883 ), o parnasiano, que colabora, também, no mesmo periódico. Se debuta, o académico jornal, em 25 de Novembro de 1868, durando, dessarte, até 1873. A talho de foice, aduz, dessarte, o Poeta de «Miniaturas» ( 1871 ): «Guerra Junqueiro, o famoso e pujante matador do frascário D. João, entrando em «A Folha» repleto de romantismo, de reticências e de admirações, saiu positivo, sóbrio, gramatical, quase clássico.» Frol e fruto da Cruz, ou do «Querigma», «A Velhice do Padre Eterno» (que esteve pra se chamar «A Morte de Jeová» ), livro sumamente panfletário, foi concluído, quase, quase, em 1879, e dado a lume, somente, em 1885. «A Velhice» é dedicada à memória de Guilherme de Azevedo, e, ademais, a Eça de Queiroz. Sabendo que a palavra «Padre» é parente muito próximo da palavra «patrão», preenderemos, em Junqueiro ( Freixo de Espada à Cinta, 15/ 09/ 1850 – Lisboa, 07/ 07/ 1923 ), um furor, voltariano, de libertária matriz. E eis o que alvitra o providente Pierre Hourcade: «L’ennemi de la loi, l’homme qui, dans la Mort de Don Juan, avait défendu la misère incendiant Paris, était devenu un véritable anarchiste.» Tal como sucedeu, outrossim, com Anthero de Quental (Ponta Delgada, 18/ 04/ 1842 – Ponta Delgada, 11/ 09/ 1891 ), o discípulo, acareado, de Proudhon ( Besançon, 15/ 01/ 1809 – Passy, Paris, 19/ 01/ 1865 ). Nesta lavra, figadal, eis o Poeta a remembrar o transe, dessarte, da sua Madrezita: «A minha mãe faltou-me era eu pequenino, / Mas da sua piedade o fulgor diamantino / Ficou sempre abençoando a minha vida inteira, / Como junto dum leão um sorriso divino, / Como sobre uma forca um ramo d’oliveira!» Mas ouçamos do Poeta outro passo crucial: «Minha mãe, minha mãe! ai que saudade imensa, / Do tempo em que ajoelhava, orando, ao pé de ti. / Caía mansa a noite; e andorinhas aos pares / Cruzavam-se voando em torno dos seus lares, / Suspensos do beiral da casa onde eu nasci.» Mas ponderemos ora pois. O correspondente desta Obra, em Eça de Queiroz ( Póvoa de Varzim, 25/ 11/ 1845 – Neuilly, 16/ 08/ 1900 ), ele é, catilinária, «O Crime do Padre Amaro» ( 1880 ). Que não foi copiado, ao contrário do que dizem, de «La Faute de l’Abbé Mouret» ( 1875 ), do afamado Émile Zola ( Paris, 02/ 04/ 1840 – Paris, 29/ 09/ 1902 ). E sendo, «O Primo Basílio» (1878), o paralelo, providente, de «A Morte de D. João» ( 1874 ). E assim como o Eça, já maduro, se retracta, mavioso, com a lenda de «S. Cristóvão» (in «Últimas Páginas, 1912) e «O Suave Milagre» (in «Contos», 1902 ), Junqueiro, de coração repeso, redige «Os Simples» ( 1892 ), sapidíssimos, a «Oração ao Pão» ( 1902 ) e a «Oração à Luz» ( 1904 ). Ultrapassados, nas «Orações», os dez lustros, nos ancoremos, e escoremos, no sápido Hegel (Estugarda, 27/ 08/ 1770 – Berlim, 14/ 11/ 1831): «A coruja de Minerva só enceta o seu voo ao cair do crepúsculo.» Na «Nota» final do seu livro sobre os humildes ele adverte o ledor: «Engana-se quem entre «Os Simples» e «A Velhice do Padre Eterno» descobrir porventura contradições. Este lirismo é o reverso daquela sátira. ( … ) O cristianismo d’«Os Simples» é o inocente e meigo cristianismo popular, feito com a ignorância absoluta do dogma e com a intuição humana dos Evangelhos.» Para utilizarmos uma expressão de Leonardo Coimbra (Borba de Godim, Lixa, 30/ 12/ 1883 – Porto, 02/ 01/ 1936 ), data, de 1890, a «reconstrução espiritual» do Poeta da «Pátria» ( 1896 ). Que Francis Bacon (Londres, 22/ 01/ 1561 – Londres, 09/ 04/ 1626 ), no lance, ele tinha toda a razão: se uma pouca de Filosofia conduz o homem ao ateísmo, a abundante Filosofia ela leva, o bípede implume, ao coração de Cristo. Os grandes espíritos estão sempre de acordo, porquanto asserta, dessarte, Voltaire (Paris, 21/ 11/ 1694 – Paris, 30/ 05/ 1778 ): «A voz de Deus nos diz constantemente: uma falsa ciência faz um homem ateu, mas uma verdadeira ciência leva o homem a Deus.» Mas «rachador de velhos preconceitos», ao falar do Voltaire é que fala, Junqueiro, de si próprio: «Mataste a tradição, o dogma, o privilégio, / Assobiaste a rir a fé de nossos pais, / E andaste pelo azul, hediondo sacrilégio! / A correr à pedrada os deuses imortais».  A talho de foice, ouçamos a apreciação que Abílio, ele próprio, faz d’«A Velhice», em «Prosas Dispersas» (1921): «Eu tenho sido, devo declará-lo, muito injusto com a Igreja. «A Velhice do Padre Eterno» é um livro da mocidade. Não o escreveria já aos quarenta anos… ( … ) Contendo belas coisas, é um livro mau, e muitas vezes abominável.» Subscrevemos, aqui, subscrevemos a nota de António Ferreira de Brito, no «Dicionário de Literatura Portuguesa»: «A irreverência da linguagem e dos chascos atraiu sobre si a maldição eclesiástica, e o interdito de leitura da «Velhice do Padre Eterno», por efeito perverso, fez o sucesso de uma obra que envelheceu rapidamente.» Mas inferindo, e aferindo, tem paralelo, «Os Simples», com «A Cidade e as Serras» ( 1901 ) do nosso Amigo Eça. Seja como for, Fernando Pessoa (Lisboa, 13/ 06/ 1888 – Lisboa, 30/ 11/ 1935 ) considera, como crítico, a «Oração à Luz» «talvez a maior realização metafísico-poética desde a grande «Ode» de Wordsworth» (Cockermouth, 07/ 04/ 1770 – Rydal Mount, 23/ 04/ 1850)». William Wordsworth o introdutor, na loira Albion, do movimento romântico, juntamente com Samuel Taylor Coleridge ( Ottery St. Mary, 21/ 10/ 1772 – Highgate, 25/ 07/ 1834 ); eles os dous publicitaram, de feito, as «Lyrical Ballads» (1798). Mas dêmos a voz, e a vez, ao Poeta da «Mensagem»: «Posso mesmo acrescentar que, a meu ver, a «Pátria» forma com o «Fausto» de Goethe e o «Prometeu Libertado» de Shelley, a trilogia de grandeza da poesia super-lírica moderna.»  Quanto ao Goethe, é como segue: ( Frankfurt am Main, 28/ 08/ 1749 – Weimar, 22/ 03/ 1832 ). E quanto aos números, o Shelley ( Field Place, Horsham, 04/ 08/ 1792 – Mar Lígure, Golfo de Spezia, 08/ 07/ 1822 ). Seguindo e segundo o Álvaro Ribeiro ( Porto, 01/ 03/ 1905 – Lisboa, 09/ 10/ 1981 ), em «A Arte de Filosofar» (1955), as «Orações» têm isto de belo e de grande: é que abriram caminho, no Porto, à sociedade cultural da «Renascença Portuguesa» (1912). Ouçamos, a talho de foice, o promotor e fautor da Filosofia Portuguesa: «Sampaio Bruno, filósofo, encontrou em Guerra Junqueiro o poeta que lhe deveria corresponder.» Sampaio Bruno, quanto às datas: (Porto, 30/ 11/ 1857 – Porto, 11/ 11/ 1915).  E, quanto a nós outros, tracemos um paralelo entre as «Orações» e a «História de Jesus para as criancinhas lerem» ( 1883 ), do afamado, e do fatal, António Duarte Gomes Leal ( Lisboa, 06/ 06/ 1848 – Lisboa, 29/ 01/ 1921 ). Sumariamente falando, então, «A Velhice do Padre Eterno», de 1885, não é uma censura ao Deus verdadeiro, é sim uma verrina ao Deus carcereiro. Ou seja: ela em vez de condenar o Deus que os homens fez, verbera e critica, acima de tudo, o falso Deus, dessarte, que os homens fizeram. Um pouco mais longe e assertaríamos dessarte: à boa maneira do povo lusitano, a morte de Jeová dará lugar, leve e ledo, ao Menino Imperador. Ou seja: o anticlericalismo de Guerra Junqueiro não é, «tout court», um materialismo, é um pouco como a Reforma de Martinho Lutero ( Eisleben, 10/ 11/ 1483 – Eisleben, 18/ 02/ 1546 ). Pois seguindo e segundo o nosso fundibulário, «Tudo o que hoje se opõe à realização da justiça pode sintetizar-se em duas grandes figuras, em dois símbolos – D. João e Jeová. D. João resume em si tudo o que há de doentio na sociedade moderna. (…) Jeová representa a tirania, o direito divino.» «Angry man», por isso, e «enragé», tinha, o artista, três imigos figadais: a sociedade romântica, a Casa de Bragança e o bigotismo e beatice, o Jesus fanatizado. Se ele ataca, o romantismo, em «A Morte de D. João» ( 1874 ), ele verrina, a monarquia, em a «Pátria» ( 1896 ), pra verberar, o Catolicismo, com «A Velhice do Padre Eterno» ( 1885 ). E em 1874, «A Morte de D. João»  foi saudada, gloriosamente, por Anthero de Quental ( Ponta Delgada, 18/ 04/ 1842 – Ponta Delgada, 11/ 09/ 1891 ), Camilo Castelo Branco (Lisboa, 16/ 03/ 1825 – S. Miguel de Ceide, 01/ 06/ 1890),  Oliveira Martins ( Lisboa, 30/ 04/ 1845 – Lisboa, 24/ 08/ 1894 ), Alexandre da Conceição (Ílhavo, 1842 – Viseu,1889 ) e Eça de Queiroz (Póvoa de Varzim, 25/ 11/ 1845 – Neuilly, 16/ 08/ 1900 ). E a «Pátria» ( 1896 )  é considerada, por o sagaz Sampaio Bruno ( Porto, 30/ 11/ 1857 – Porto, 11/ 11/ 1915 ), em «O Brasil Mental», de 1898, como «Os Lusíadas», desse modo, da nossa decadência. Que «A Morte de D. João» e «A Velhice do Padre Eterno» seriam seguidas, inicialmente, e à guisa do Poeta Percy Bysshe Shelley ( Field Place, Horsham, 04/ 08 / 1792 – Mar Lígure, Golfo de Spezia, 08/ 07/ 1822 ), de «O Prometeu Libertado», que encarnaria a Justiça em duas figuras sublimes, que são Cristo e Prometeu, a Fé e a Razão, iniciaticamente,  conciliadas e liadas. O projecto prometaico não teve seguimento, e dele ficou, apenas, um escorço, dado a lume, postumamente, em 1926, com um exórdio, lilial, de Luís de Magalhães ( Lisboa, 13/ 09/ 1859 – Porto, 14/ 12/ 1935 ).  Quanto à «Pátria», cada poema, como em Gomes Leal ( Lisboa, 06/ 06/ 1848 – Lisboa, 29/ 01/ 1921 ), é deveras uma bala, o artista, aqui, é artilheiro até ao acme. Mas de acordo, caroal, com António José Barreiros, «o poeta d’«Os Simples» amou as coisas como criaturas de Deus e por causa de Deus.» Mas nem sempre o Vate foi republicano, ele só adere à causa do Theophilo Braga (Ponta Delgada, 24/ 02/ 1843 – Lisboa, 28/ 01/ 1924) depois, ou depós, o britânico Ultimato ( 11/ 01/ 1890 ). Que em 1879, se afilia ele de feito no Partido Progressista, sendo eleito deputado por Macedo de Cavaleiros. O que vemos, então, é o seguinte: o sequaz de D. Luís (Lisboa, 31/ 10/ 1838 – Cascais, 19/ 10/ 1889 ) se converteu, à má fila, no roaz inimigo do Rei D. Carlos ( Palácio da Ajuda, 28/ 09/ 1863 – Terreiro do Paço, Lisboa, 01/ 02/ 1908 ). Por ser anarca e ser acrata, ou melhor, por um artigo vindo a lume em «A Voz Pública», em 2 de Dezembro de 1906, Junqueiro é condenado, e julgado em tribunal, a 10 de Abril de 1907, sendo, Afonso Costa ( Santiago, Seia, 06/ 03/ 1871 – Paris, 11/ 05/ 1937 ), seu genuíno defensor. Publicado, com destaque, na lauda primeira do jornal portuense, o artigo era, de facto, catilinária, e o Poeta apodava, D. Carlos, de «porco», e com todas as linhas. E eis o que o Poeta profere, então, «pro domo sua»: «Eu odeio o sr. D. Carlos, não com ódio sangrento, com ódio de orgulho e de vingança. O meu ódio é bom; conforta-me e consola-me. Odeio o rei, porque amo a Verdade e a minha Pátria.» A condenação, aqui, foi «sui generis»: 50 dias de multa a 1000 réis diários, mais as custas, dessarte, e selos do processo. Um reparo aqui porém. O sabe, deveras, qualquer publicista: a palavra, em tais condições, é paulada e uma tunda. E pode ser, essa palavra, mais virulenta, violenta, e penetrante do que a espada. Mais moderado foi deveras Oliveira Martins ( Lisboa, 30/ 04/ 1845 – Lisboa, 24/ 08/ 1894 ): com a subida ao trono, por morte de D. Luís I, do Rei D. Carlos, é convidado, o historiador, em 1892, para Ministro da Fazenda, mas vítima de intrigas, e calúnias, é forçado a demitir-se, e quatro meses depós. Quero eu dizer: nomeado Ministro no governo de José Dias Ferreira, a 17 de Janeiro de 1892, deixa, Martins, esse múnus, a 27 de Maio desse ano figadal.  Escrevendo, para Eça, no dia, deveras, em que deixa o governo: «Emergi da cloaca ministerial!»  Cremos que, antes e depois de «Os Simples», Guerra Junqueiro deu cumprimento, e subscreveu, a locução de Jean Meslier ( Mazerny, 15/ 06/ 1664 – Étrépigny, 17/ 06/ 1729), o rábido gaulês: «O homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre». A talho de foice, «O Caçador Simão», poema escrito em 8 de Abril de 1890 e inserto em «Finis Patriae» (1890), ele profetiza, com 18 anos de antecedência, a morte do marido da Rainha D. Amélia (Twickenham, 28/ 09/ 1865 – Le Chesnay, 25/ 10/ 1951 ).  E em 1908, afiança, Junqueiro, a Lopes d’Oliveira (Vale de Açores, Mortágua, 25/ 12/ 1881 – Parede, Cascais, 03/ 08/ 1971 ): «Eu não mataria D. Carlos. ( … ) Fiz tudo o que pude pela Revolução, e nada fiz, nada faria pelo assassinato.» E matutamos, nós outros: a Revolução se faz para a instrução, e não e nanja para a destruição. Pois de acordo, cordial, com Charles Péguy (Orleães, 07/ 01/ 1873 – Le Plessis-l’Évêque, 05/ 09/ 1914 ), «a revolução social será moral, ou então não será.» Assim pensava, além de Proudhon ( Besançon, 15/ 01/ 1809 – Passy, Paris, 19/ 01/ 1865 ) o Anthero de Quental  (Ponta Delgada, 18/ 04/ 1842 – Ponta Delgada, 11/ 09/ 1891). Mas ora bonda, e ora basta. Bem adentro, e bem perto da verdade, advogava, no lance, André Malraux (Paris, 03/ 11/ 1901 – Créteil, 23/ 11/ 1976 ): «O século XXI será religioso ou não será.» Nas sequelas da apostasia, a Igreja Católica, então, teve um clérigo à altura do seu ministério; e alteamos e alçamos, deveras e na verve, o Cónego José Joaquim de Sena Freitas ( Ponta Delgada, 27/ 07/1840 – Rio de Janeiro, 21/ 12/1913 ); ele forjou, fabricou e deu a lume, de boamente, a «Autópsia da Velhice do Padre Eterno» (1888). Por seu aticismo, e por sua acribia, foi considerado, o «clerc», o «Padre António Vieira de Oitocentos», ou melhor, o «Lacordaire lusitano». O jesuíta Padre António Vieira, Autor da «História do Futuro» e da «Clavis Prophetarum», foi nado em Lisboa, na freguesia da Sé, a 6 de Fevereiro de 1608, e a 18 de Julho de 1697, em Salvador, ele deu a Alma ao Criador. E Henri Lacordaire nasceu em 12 de Maio de 1802, em Recey-sur-Ource, e expirou, de feito, em Sorèze, a 21 de Novembro de 1861. Professor, jornalista e Escritor, ele foi o restaurador, em França, da Ordem dos Pregadores. E quanto ao Poeta, o facto e o feito é deveras o seguinte: em começos do ano de 1921, dá a lume, Junqueiro, as «Prosas Dispersas». E em sua nótula final, datada, deveras, da última revisão, o Poeta afiança, feérico e firme, que a força moral do catolicismo é ingente e é imensa, e o Padre Silva Gonçalves ele chega, na flama, a dizer: «Não é ainda um católico integral, mas falta pouco.» Seguindo e segundo Lopes d’Oliveira, um pouco depois das «Orações», confessa o jogral: «Eu creio em Deus verdadeiro; Deus viveu sempre na minha alma. Não tenho que converter-me.» Se bem entendemos o Poeta de «Os Simples», o que ele critica no Cristianismo não é o sentimento nem tampouco a intuição, é sim a nefasta, a falaz instituição. Por aqueles que se dizem discípulos do Cristo actuarem, por vezes, como alunos do Anticristo, escreveu, dessarte, o solerte Proudhon (Besançon, 15/ 01/ 1809 – Passy, Paris, 19/ 01/ 1865 ): «Deus é o mal». O que são, «verbi gratia», as Cruzadas medievas??? Se resumem numa frase: são chacinar e matar em nome do Cristo.  E alembramos, de boamente, o bíblico passo: «Quem matar à espada, à espada morrerá.» (Mt. 26: 52 ). Ouçamos, por isso, o «Livro de Mórmon», 8: 32: «Sim, acontecerá num dia em que haverá igrejas estabelecidas, que dirão: ‘Vinde a mim e pelo vosso dinheiro sereis perdoados de vossos pecados.’» E é o que aconteceu, na real realidade, com o caso das indulgências, que, a 31 de Outubro de 1517, motivou por isso a cólera de Martinho Lutero (Eisleben, 10/ 11/ 1483 – Eisleben, 18/ 02/ 1546 ). É que uma das «Noventa e Cinco Teses» do monge agostinho, afixadas à porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, ela era, dessarte, a seguinte: «Pregam doutrina mundana os que dizem que, tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, a alma sairá, voando, do Purgatório para o Céu.» E compulsemos, agora, o Livro Sagrado: a única vez em que Cristo foi colérico, ou digamos, violento, foi no episódio, crucial, dos vendilhões do Templo: «Está escrito: ‘A minha casa é uma casa de oração’, mas vós fizestes dela um covil de ladrões». ( Mt. 21: 13 ). Cogitava, no lance, o Santo Agostinho ( Tagaste, 13/ 11/ 354 – Hipona, 28/ 08/ 430 ), ou melhor, o da Graça Doutor: «Nenhum cristão deve ser mercador». Retenhamos, de «A Velhice do Padre Eterno», a quadra primeira de «O Dinheiro de S. Pedro»: «De tal modo imitou o Papa a singeleza / Do mártir do Calvário, / Que à força de gastar os bens com a pobreza / Tornou-se milionário.» Que a sociedade com que sonham socialistas e artistas, ela já não é terrena, ela é, falando a rigor, «De Civitate Dei», a «Cidade de Deus». E como vem, aqui, a talho de foice, coligimos, da Bíblia, mais quatro passos cruciais. E eis a prova probante de que o espírito do Cristo não é autoritário: «Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; chamei-vos amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vo-lo dei a conhecer.» (Jo. 15: 15) E eis a prova, provada, em como a Eucaristia pode ser feita fora da igreja: «Porque onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles.» ( Mt. 18: 20 ). E eis a marca, ou mostração, em como o Verbo não é sectário, em como todos são admitidos ao Amor, Amor de Cristo: «Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus.» (Gal. 3: 28 ). E eis a marca, joanina, em como Cristo é a recta, escorreita, e a correcta Medicina: «Se permanecerdes na Minha palavra, sereis, veramente, Meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.» ( Jo 8: 31, 32 ). Os exemplos  multiplicam-se, mas fiquemos com um comento do Fernando Pessoa ( Lisboa, 13/ 06/ 1888 – Lisboa, 30/ 11/ 1935 ): se forem tomados, os Evangelhos, à letra, eles são doutrinas puramente, veramente, rectamente anarquistas. Quero eu dizer: nomeado, a 12 de Abril de 1876, Secretário Geral do Governo Civil de Angra do Heroísmo,  donde foi transferido, a 19 de Junho de 1879, para o Governo Civil de Viana do Castelo, o Poeta é o porta-voz da geração que iria, em 1910, fundar a República. E não olvidemos, dessarte, a venera: entre 1911 e 1914, na Suíça, a convite insistente de Bernardino Machado ( Rio de Janeiro, 28/ 03/ 1851 – Porto, 29/ 04/ 1944 ), foi ele Ministro plenipotenciário do nosso Portugal. Bernardino Machado seu colega, cordial, n’«O Instituto Portuense», Bernardino seu condiscípulo na Coimbra caroável. Portugal que teve, em Theophilo Braga ( Ponta Delgada, 24/ 02/ 1843 – Lisboa, 28/ 01/ 1924 ), o Presidente, curial, da República lusa. Se alijando, em Agosto de 1914, do seu múnus de Ministro, em Março de 1919 confidencia, deveras, ao grande Raul Brandão ( Porto, Foz do Douro, 12/ 03/ 1867 – Lisboa, Lapa, 05/ 12/ 1930 ): «Quando poderei juntar as cinco mil páginas de notas da minha filosofia, «Unidade do Ser.» ( … ) O resto não me interessa.» E vem, aqui, a talho de foice: obra póstuma, e de prol, é «O Caminho do Céu», de 1925. Um pouco antes, em 9 de Junho de 1921, ele pede, prementemente, ao Poeta do «Húmus» (1917): que destruísse as notas, escritas por ele, e confiadas ao Amigo, criticando, e verberando, o sápido Rei. E concluindo, à laia de catarse: «Não posso aparecer no outro mundo como acusador!» E alembremos, agora, o avisado legente: o termo «Satan», na liga hebraica e língua grega, significa, deveras, «acusador público num tribunal». E quanto, agora, à «Unidade do Ser», remembremos, em Gálatas, São Paulo: «Todos nós somos um em Cristo Jesus». No fim da vida, de coração repeso, se refugia, regiamente, em sua Quinta da Batoca, em Barca de Alva, ao Alto Douro, e capitaneando, caroal, quatrocentos jornaleiros. Segundo Manuel Monteiro, a granja de Junqueiro, com 500 hectares, abarcava, no lance, 100. 000 videiras e 8. 000 pés de oliveiras. Manuel Mendes falará, mais tarde, em 10. 000 pés de amendoeira. E crucialmente, clamava, o Poeta, em princípios do ano de 1911: «Vou-me embora, vou-me embora… E não volto mais a Lisboa! ( … ) Vou encerrar-me na minha casa, acabar a minha obra, fazer o meu testamento…» ( Lopes d’Oliveira, 1938: 115 ). E ora muito e muito bem. Se Arte aratória é Arte oratória, habitar portanto a terra é cultivá-la, deveras, na safra e na seara, é preparar a sementeira para a festa dos ninhos. Queremos dizer: se um pouco de fermento leveda toda a massa, então Junqueiro, o lavrador, preparava a sua messe para a vinda do Messias. E alembramos, aqui, um livro, de alor e de brilho, de António Feliciano de Castilho (Lisboa, 28/ 01/ 1800 – Lisboa, 18/ 06/ 1875),  ele é, bem fastamente, a «Felicidade pela Agricultura» ( 1849 ). E trazemos à colação, da nossa lavra, um volumezinho intitulado «Agricultura Celeste» ( 1992 ). Porquanto Abílio escreve, ou esquadrinha, a quadra seguinte: «Ó crentes, como vós, no íntimo do peito / Abrigo a mesma crença e guardo o mesmo ideal. / O horizonte é infinito e o olhar  humano é estreito: / Creio que Deus é eterno e que a alma é imortal.» No mesmo poema da «Velhice», intitulado «Aos Simples», aqui eis o que asserta o nosso trovador: «Mas também acredito, embora isso vos pese, / E me julgueis talvez o maior dos ateus, / Que no universo inteiro há uma só diocese / E uma só catedral com um só bispo – Deus.» É que o Poeta, então, quiçá ledor de Kant ( Konigsberg, 22/ 04/ 1724 – Konigsberg, 12/ 02/ 1804 ), admitia, com «adresse», os três postulados da razão prática: a liberdade, a imortalidade e a existência de Deus. E dêmos a voz, e a vez, a António Cândido Franco (Lisboa, 13/ 07/ 1956),  in «Guerra Junqueiro, Antologia Poética» ( 1998 ): «O propósito de matar Deus ou Jeová é, por isso, falaz. ( … ) O ateísmo em «A Velhice», se existe, é humildemente teísta.» Ou melhor: na expressão de Pessoa, ele é, deveras, panteísta e transcendentalista. E segundo o razoar de Leonardo Coimbra ( Borba de Godim, Lixa, 30/ 12/ 1883 – Porto, 02/ 01/ 1936 ) ele é dum panteísmo evolucionista. O transcendentalismo, historicamente, foi escola fundada, no século XIX, por Ralph Waldo Emerson ( Boston, 25/ 05/ 1803 – Concord, Massachusetts, 27/ 04/ 1882 ), um Poeta e Filósofo estado-unidense. Melhor dizendo, o «Clube Transcendental» foi criado, por o Poeta, em Cambridge, Massachusetts, a 8 de Setembro de 1836. Sendo, o transcendentalismo, um esforço metódico de introspecção que nos orienta do eu superficial até ao fundo Ego, do nosso espírito pessoal até ao espírito inerente a toda a espécie humana. Reafirmando, e proclamando, a unidade da Humanidade, «o homem é uno porque a sua alma é parte e parcela de Deus» infinito. E «cada homem, cada parte humana dessa entidade divina conhecida como a Humanidade, é um deus em formação». Nótula precisa, e deveras preciosa: a 11 de Janeiro de 1829, ele foi, de feito, ordenado ministro da Segunda Igreja Unitária, de Boston. Algumas das pessoas que aceitaram, e acataram, os seus ensinamentos, foram, de facto, Walt Whitman ( Huntington, 31/ 05/ 1819 – Camden, 26/ 03/ 1892 ), Henry David Thoreau ( Concord, 12/ 07/ 1817 – Concord, 06/ 05/ 1862 ), Herman Melville ( Nova Iorque, 01/ 08/ 1819 – Nova Iorque, 28/ 09/ 1891 ) e Emily Dickinson ( Amherst, 10/ 12/ 1830 – Amherst, 15/ 05/ 1886 ).  E quanto, agora, à Liberdade lilial: lugar de realce, na vida de Junqueiro, ocupa o Poeta Guilherme de Azevedo ( Santarém, 30/ 11/ 1840 – Paris, 08/ 04/ 1882 ), que ele conhece, em Santarém, em 1873. Com este e com Luís de Andrade, que fora, de feito, colaborador de «A Folha», o Poeta de «Baptismo de Amor» ele lança o jornal «A Lanterna Mágica», cujo primeiro número data, mavioso, de 15 de Maio de 1875. Cabendo, a ilustração, ao Artista, de realce, Rafael Bordalo Pinheiro ( Lisboa, 21/ 03/ 1846 – Lisboa, 23/ 01/ 1905 ). Irmão, ou germano, do também Artista Plástico, Columbano Bordalo Pinheiro ( Cacilhas, 21/ 11/ 1857 – Lisboa, 06/ 11/ 1929 ). Se releve aqui na letra: a 12 de Junho desse mesmo ano era nada, nas laudas da «Lanterna», a caricatura de o «Zé Povinho». Quatro anos são passados e em Lisboa, no Teatro Ginásio Dramático, sobe à cena «Viagem à roda da Parvónia», a 17 de Janeiro de 1879. Assinada como sendo a ‘«Viagem à Roda da Parvónia», relatório em 4 actos e 6 quadros pelo comendador Gil Vaz’, ela era, na realidade, da autoria de Guilherme de Azevedo e de Guerra Junqueiro. Pateada, essa peça, durante mais de uma hora, foi interdita, no dia seguinte, por o Governo Civil de Lisboa. Num artigo dado a lume no «Diário da Manhã» de 5 de Abril de 1879, Ramalho Ortigão ( Porto, 25 / 11/ 1836 – Lisboa, 27/ 09/ 1915 ) considera, esta peça, uma «fiel pintura dos costumes constitucionais». E o «Relatório» foi pouco depois publicitado, com uma extensa marginália de apostilhas e notas, redigidas, deveras, por dezenas de nomes, tais como, entre outros, Ramalho Ortigão ( Porto, 25/ 11/ 1836 – Lisboa, 27/ 09/ 1915 ), João de Deus ( São Bartolomeu de Messines, Algarve, 08/ 03/ 1830 – Lisboa, 11/ 01/ 1896 ) e Jaime Batalha Reis ( Lisboa, 24/ 12/ 1847 – Torres Vedras, 24/ 01/ 1935 ). Ainda quanto à cruzada de Guilherme de Azevedo: em 1872, juntamente com Silva Pinto ( 1848 – 1911 ), Magalhães Lima ( 1859 – 1936 ), Luciano Cordeiro ( 1844 – 1900) e Gomes Leal ( 1848 – 1921 ), ele funda, de feito, a revista literária «O Espectro de Juvenal» ( 1872 – 1873 ).  Se realce, aqui, se releve e alteie: Amigo, preclaro, do Poeta, foi Silva Pinto quem publicou, a título póstumo, «O Livro de Cesário Verde». A edição, de 1887, teve 200 exemplares, e que não se mercaram. Em nótula, aqui, breve e leve: com o pseudónimo de João Rialto, Guilherme de Azevedo, muitas vezes, subscrevia os seus escritos. E a Junqueiro, agora, revertendo: em 1874, «A Morte de D. João» é dedicado, deveras, «ao Sr. Alexandre Herculano». Sendo mesmo a segunda edição, em 1877, consagrada, de feito, «à memória de Alexandre Herculano». O Autor de «Eurico, o Presbítero» foi nado em Lisboa, em 28 de Março de 1810, e faleceu, de feito, em Vale de Lobos, a 13 de Setembro de 1877. Quanto ao poema «O Caçador Simão», ele foi oferendado, adrede, a Fialho de Almeida ( Vila de Frades, 07/ 07/ 1857 – Cuba, Alentejo, 04/ 03/ 1911 ), que será também destinatário, em 1904, da «Oração à Luz». E em 1874 Eça de Queiroz ( Póvoa de Varzim, 25/ 11/ 1845 – Neuilly, 16/ 08/ 1900 ) dá a lume, no «Diário de Notícias», «Singularidades de uma Rapariga Loira». A mesa de pinho em que o Poeta, nesta altura, laborava, tinha retratos de Victor Hugo, Tolstoi, Renan, Louis Pasteur e Louise Michel.  E quanto aos números, Victor Hugo: (Besançon, 26/ 02/ 1802 – Paris, 22/ 05/ 1885).  Os números em Tolstoi: ( Tula, 09/ 08/ 1828 – Astapovo, 20/ 11/ 1910 ). As datas, aqui, em Ernest Renan, o Autor, e promotor, da «Vida de Jesus» (1863): ( Tréguier, 27/ 02/ 1823 – Paris, 02/ 10/ 1892 ). E quanto, agora, a Pasteur: ( Dole, 27/ 12/ 1822 – Marnes-la-Coquette, 28/ 09/ 1895 ). Os números, deveras, em Louise Michel, uma estrénua combatente na Comuna de Paris: ( Vroncourt-la-Côte, 29/ 05/ 1830 – Marselha, 09/ 01/ 1905 ). E ora muito e muito bem. Em o dia de Natal de 1903, dá a lume o Abílio, no «Diário de Notícias», «A Missa de Alva». Dez anos mais tarde, no mesmo dia natalício, o mesmo periódico publica, da lavra que é sua, «Os Grandes Homens – Cristo, São Francisco de Assis, Vítor Hugo e Leibniz». Arquivemos, então: São Francisco de Assis ( Assis, 1181 ou 1182 – Assis, 03/ 10/ 1226 ), Vítor Hugo ( Besançon, 26/ 02/ 1802 – Paris, 22/ 05/ 1885 ) e Gottfried Wilhelm Leibniz (Leipzig, 01/ 07/ 1646 – Hanôver, 14/ 11/ 1716 ), matemático, filósofo e polímata alemão. E Autor, desse modo, de «A Monadologia». Isto é, digamo-lo agora, a Poesia, dessarte, como a salvação do mundo, o caminho da difusão da Luz sobre a terra. E sendo, São Francisco, logo a seguir a Cristo, a maior figura, figura-fulgor, do Cristianismo. Por isso lhe chamam, a ele, o «alter Christus», a ele, ao grão cantor, ao divino jogral. Junqueiro concorda, do cor, com Thomas Carlyle ( Ecclefechan, 04/ 12/ 1795 – Londres, 05/ 02/ 1881 ): a História não é mais que a biografia dos grados, grandes homens. Como hermenêutica, diremos, deveras, o sagrado e o seguinte: pra não falarmos do Santo, que é dessarte o portento, a insistência dos Génios, das Mães e dos Poetas é qual a prova, irrefutável, da existência de Deus. Caroalmente, Junqueiro corrobora: «Quando o génio explui, conta-nos a natureza a sua história. O génio supremo é o santo.» E, também, em passo outro: «As confissões augustas são as dos poetas e dos santos.» O que está, meu Deus, em perfeita concordância com as «Lendas de Santos» ( 1912 ), de Eça de Queiroz (Póvoa de Varzim, 25/ 11/ 1845 – Neuilly, 16/ 08/ 1900 ). E alcemos, também, seu «Dicionário de Milagres» ( 1900 ). Sendo o génio, para Almada-Negreiros (Roça Saudade, S. Tomé e Príncipe, 07/04/1893 – Lisboa, 15/06/1970),  aquele que se reproduz igual a si próprio, tanto o Poeta, como o Santo, eles vivem, caroais, em estado de Graça. Pois mais que possuir, eles são possuídos por o Espírito Absoluto. Pra citarmos São Lucas (Lc. 12: 49), Junqueiro poderia dizer, de seu ministério: «Eu vim lançar fogo sobre a terra; e como gostaria que ele já se tivesse ateado!» E é então que nós mentamos: nenhum grande homem, portanto, vive em vão, e as suas palavras não caem, nanja e nunca, em cesto roto. Que palavras são espíritos, palavras são cargas electromagnéticas. E elas regressam, sempre e sempre, ao seu ponto de partida. Ouçamos, novamente, Junqueiro, o prosador: «Na essência e verdadeiramente, é Nunalvares ainda maior poeta do que Camões e S. Francisco d’ Assis maior poeta que Nunalvares. Heroísmo, génio, virtude, – três momentos do mesmo ser, três aparências da mesma realidade: o Espírito evolucionando para Deus.» E ainda, e adrede: o «herói máximo é o santo, e S. Francisco de Assis é o super-homem». Os números em Nun’Álvares, o Santo Condestável, aliás o Frei Nuno de Santa Maria: (Cernache do Bonjardim, 24/ 06/ 1360 – Lisboa, 01/ 11/ 1431). E quanto a Camões, o maior Poeta luso: (Lisboa? – c. 1531 – Lisboa, 10/ 06/ 1580 ). Ou como quem o diz: ancorados, os políticos, no amor do poder, destacam-se, os Santos, pelo poder do Amor. Ou melhor: corresponde, o Génio, ao auge da Inteligência, o Herói, ao ápice da Vontade, e o Santo, alfim, ao acme do Amor. Vontade, Amor e Inteligência – e eis, no Homem, a trindade absoluta, o Padre, o Filho e o Espírito Santo. Junqueiro, por isso mesmo, Iluminado e Alumbrado, ele foi, de feito, o «Philosophus per Ignem». E temos, aqui, a sarça ardente, as línguas almas de fogo do preste Pentecostes.

III, COLOQUIAL

Hemos visto e averbado: para Guerra Junqueiro, a Física só tem valor se for complementada por uma Metafísica. E sem jaça Jesus, em Mateus, 4: 4, Ele cita, decerto, o Deuteronómio, 8: 3: «Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus». Junqueiro, ademais, concordaria, do cor, com o sagaz Sampaio Bruno ( Porto, 30/ 11/ 1857 – Porto, 11/ 11/ 1915 ): o fim do homem, neste mundo, é libertar-se a si, libertando os outros seres. Que o sabor é o saber, que o Pão é a Palavra e a Palavra é o prândio.  Que o Cenáculo de Victor Hugo ( Besançon, 26/ 02/ 1802 – Paris, 22/ 05/ 1885 ), ele é, também, o Cenáculo, solerte, de Gérard de Nerval ( Paris, 22/ 05/ 1808 – Paris, 26/ 01/ 1855 ), o Cenáculo, selecto, dos Vencidos da Vida. E se o Verbo é a verve, campeia a campanha, e a Palavra é augusta no Ágape, agora. Uma data, agora, auspiciosa e feliz: a 10 de Janeiro de 1880, se consorcia, o nosso Vate, em Viana do Castelo, com Filomena Augusta da Silva Neves. Os dous se conheceram numa minhota estação de caminhos de ferro; dilecta ledora de «A Musa em Férias», a ela ele dedica, quer «Os Simples», quer, também, as «Poesias Dispersas» ( 1920 ). Do himeneu, que foi fasto e feliz, nasceram, deveras, duas filhas: Maria Isabel, nada a 11 de Novembro de 1880, e, depois, a Júlia Francisca, que nasceu, de feito, em 1881. Interditada, por amência, esta última, é internada, mestamente, no Porto. E nada, a Filomena, em 1859, havia de falecer, infaustamente, em 1889. E quanto, agora, à minha afecta, e afeita, Linha do Douro: o troço entre Pocinho e Côa foi inaugurado a 5 de Maio de 1887 e o troço entre Côa e a Barca d’Alva, a 9 de Dezembro de 1887. E não findemos este escrito sem averbar aqui na verve: a par dos versos, e da agricultura, se dedicava, o guerrilheiro, ao coleccionismo de antiguidades, de bricabraque, de solertes Obras de Arte. O alembramos, ao ledor: a Arte, como sempre, ligada à Religião, a Religião como essência da Filosofia. E ora vamos forte em frente. De altear, exalçar e alçar, e escrita entre 1902 e 1903, é a «Carta-Prefácio» de Guerra Junqueiro ( Freixo de Espada à Cinta, 15/ 09/ 1850 – Lisboa, 07/ 07/ 1923 ) ao livro «Os Pobres» (1906), do grande Raul Brandão ( Foz do Douro, 12/ 03/ 1867 – Lisboa, 05/ 12/ 1930 ). Respiguemos, dessa Carta, esta prosa, prumada, de água primeira: «Chamei aos Pobres uma confissão religiosa. Não há dúvida. Os seus pobres, meu amigo, são bocas de visões, articulando a alma dum vidente. Falam a sua língua e contam-nos a sua história. Não a história, no minuto e na rua, do homem-sicrano, mas a história, no espaço e no tempo, do homem infinito, que vem de Deus e para Deus caminha.» Sejamos francos, ó ledor: parecem palavras de Teilhard de Chardin (Orcines, 01/ 05/ 1881 – Nova Iorque, 10/ 04/ 1955 ). E desta sorte, neste razoar, desta sorte é o ser humano qual crisálida do Anjo. É força, aqui, é força dizê-lo: depois de Victor Hugo (Besançon, 26/ 02/ 1802 – Paris, 22/ 05/ 1885 ), alguns consideraram, Guerra Junqueiro, como o primeiro Poeta, de letra, ou de língua, novilatina. Em 1914, in «Resposta a um Inquérito Literário», Fernando Pessoa ( Lisboa, 13/ 08/ 1888 – Lisboa, 30/ 11/ 1935 ) julgava decerto ser a «Pátria» superior a «Os Lusíadas». E ouçamos o que assertava Carlos Malheiro Dias (Cedofeita, Porto, 13/ 08/ 1875 – Campo Grande, Lisboa, 19/ 10/ 1941 ) em missiva, missionária, a Leonardo Coimbra (Borba de Godim, Lixa, 30/ 12/ 1883 – Porto, 02/ 01/ 1936):  «Ele (Junqueiro) já não era um poeta, mas um apóstolo. Quando falava da nossa decadência, as suas frases sibilavam como disciplinas. Nunca pensei em Vítor Hugo a seu lado, mas algumas vezes em S. Paulo; ( … )» Victor-Marie Hugo, mais uma vez, é como segue: ( Besançon, 26/ 02/ 1802 – Paris, 22/ 05/ 1885 ). Quanto a S. Paulo, o Apóstolo dos Gentios, foi o mais apaixonado apologeta da mensagem cristiana. Ele foi, adrede, o denodado Escritor, o estreme Teólogo do Cristianismo: dos 27 livros do Novo Testamento, 14 são deveras da sua Autoria. Nascendo em Tarso, na Cilícia, cerca do ano 5, foi martirizado em Roma, desta sorte, no Verão de 67. Como Judeu, pertenceu à tribo de Benjamim e foi educado na Lei de Gamaliel. Dominava, com «adresse», a língua grega, e tinha o título, dessarte, de cidadão romano. Graças ao seu génio, ele deixou uma marca pertinente, e permanente, no Cristianismo: de um movimento no seio do judaísmo ele passou a ser a Fé para todo o ser humano, e pra todas as nações. No atinente, agora, ao Poeta Junqueiro, é que a lavra foi de monta, a grande Obra estava feita. E agraciado, a 12 de Fevereiro de 1920, com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Santiago da Espada, desencarna, Junqueiro, em Lisboa, aos 7 de Julho de 1923. E mais particularmente na Rua Silva Carvalho, 52, em casa da filha Maria Isabel. E eis aqui a palma, o prândio, a Palavra. E Paz e Liberdade para todos os seres………………………

 

NOTA BENE

I

Guardámos, para o final, uns comentos cruciais: em 25 de Abril de 1885 ( e é que os tempos se repetem!!! ), a instâncias de Guerra Junqueiro, Oliveira Martins se alia, ou filia, no Partido Progressista. Quanto à «Pátria» (1896), por isso, nada de mal: ela foi a visão do momento histórico português, mas «sub specie aeternitatis»: essa a sua lauréa, e por isso a sua Lira. Mas quanto ao Estagirita, a Poesia é supina, e superior à própria História. Comentando, loquace, o Leonardo Coimbra  (Lixa, 30/ 12/ 1883 – Porto, 02/ 01/ 1936 ), Pinharanda Gomes ( Quadrazais, Riba-Côa, 16/ 07/ 1939 – Loures, 27/ 07/ 2019 ), desta sorte, ele disserta dessarte: se o pensamento é movimento, ao herdeiro dum mundo feito sobrepõe-se, e ultrapassa, o criador, caroal, dum mundo a haver. Essa a sua vida, e essa a sua «veritas», essa a verdade de «O Pensamento Criacionista»  (1914 – 1915).

II

Dous meses depois da proclamação da República, a revista «A Águia» foi lançada, no Porto, a 1 de Dezembro de 1910. Seria, a mesma revista, o órgão, liberal, da Renascença Portuguesa, movimento de acção sócio-cultural. Pondo o primado no acesso do povo à educação, foi criado, esse movimento, depois de reuniões havidas em Coimbra, a 27 de Agosto de 1911, e, ainda, em Lisboa, a 17 de Novembro do mesmo ano forte e fértil. Jaime Cortesão ( Ançã, Castanhede, 29/ 04/ 1884 – Lisboa, 14/ 04/ 1960 ),  Teixeira de Pascoaes (Gatão, Amarante, 02/ 11/ 1877 – id. 14/ 12/ 1952 ), Leonardo Coimbra (Lixa, 30/ 12/ 1883 – Porto, 02/ 01/ 1936)  e Álvaro Pinto (Barca de Alva, 29/ 11/ 1889 – Lisboa, Fevereiro de 1956)  foram alguns dos responsáveis por a difusão, e a defesa, desse empreendimento. Ora em Janeiro de 1912 foi lançada a segunda série da revista, que duraria até Outubro de 1921. Organizada, a Renascença, em três ramos ( Lisboa, Porto, Coimbra ), Guerra Junqueiro é o primeiro, o primeiríssimo nome do ramo portuense. Foi óptimo lis. Óptima láurea para o nosso Portugal.

III

Ironia do destino, Junqueiro teve funerais nacionais na Basílica da Estrela, de onde seguiu para os Jerónimos, sendo transferido, depós, para Santa Engrácia, Panteão Nacional, em Dezembro, deveras, de 1966, onde está ainda hoje, forte e firme, dessarte, na Ressurreição. Os Poetas João de Deus (São Bartolomeu de Messines, 08/ 03/ 1830 – Lisboa, 11/ 01/ 1896)  e Theophilo Braga ( Ponta Delgada, 24/ 02/ 1843 – Lisboa, 28/ 01/ 1924 ) também lá se encontram. Apetece citar, cauto e culto, António Manuel Couto Viana ( Viana do Castelo, 24/ 01/ 1923 – Lisboa, 08/ 06/ 2010 ): «A homenagem a um Poeta que morreu é decorar-lhe os versos!»

IV

Guardámos, para o fim, uma nótula nitente: quer o Eça, quer Anthero, quer Junqueiro, quer Gomes Leal, ao verem aproximar-se o ocaso da vida, eles ganharam novo ânimo por o espírito cristão. Como assertam estudiosos, Junqueiro, na senectude, ele dizia acreditar em Cristo e em Deus, e parece ter pedido, para a hora da morte, a presença, caroal, do Padre Cruz, que, no entanto, não chegou a tempo de o confessar, e dessarte o perdoar. E quanto, agora, a Gomes Leal: a 5 de Maio de 1910, D. Henriqueta Fernandina Monteiro Alves Cabral Leal, a Mãe extremosa do Poeta, dá a Alma, preste e pronta, ao seu Criador. O Autor de «Claridades do Sul» ( 1875 ), dilacerado por a Dor, ele publicita, a 2 de Agosto de 1910, «O meu Protesto – Carta aos Sacerdotes Cristãos», dado a lume, nesse dia, no jornal «A Liberdade», órgão do Partido Nacionalista. O princípio desse documento, ele disserta dessarte: «Solenemente declaro que me retracto, repilo, abjuro de todos os escritos e poemas que hei tracejado, em que se mantém matéria contrária aos ideais que actualmente  professo, e que foram de escândalo para o Cristo e a sua Igreja.» E confessando-se, humildemente,  católico e monárquico, o Poeta dá à estampa, em 1910, «Senhora da Melancolia ( Avatares de um Ateu )». Quanto a Anthero de Quental, em 1890, um ano antes do seu transe, ele dá a lume o seu testamento, as «Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX». Com saudades da sua Pátria, redige, Eça de Queiroz, «O Suave Milagre», ele grafa, e ele grava, «A Cidade e as Serras» ( 1901 ). E rectificando, ratificando, e por isso concluindo, eu faço minhas as palavras, e o voto, de Pedro de Amorim Viana ( 1822 – 1901 ), o Autor de «Defesa do Racionalismo ou Análise da Fé» ( 1866 ): eu aceito e acato a Igreja Católica, desde que ela acate, e respeite, a Liberdade, lilial, e o espírito de crítica……………..


Tomar, 27/ 03/ 2024

SPES MESSIS IN SEMINE

CENTRO DE LITERATURA E FILOSOFIA COMPARADAS

PAULO JORGE BRITO E ABREU