Com este livro, Daniel Chutorianscy dá continuidade a uma linha ficcional que tem a marca de uma obra complexa e madura e, simultaneamente, também deixa suas marcas no nosso panorama literário destes tempos entre-milênios. Em dias de transição, de incertezas e angústias, uma literatura de reflexão - e provocação.
Os contos aqui reunidos são escritos breves, com estrutura aparentemente simples e linguagem quase-coloquial. Mas as transparências, como sabemos, enganam muito: por trás, no fundo, ressoando nas entrelinhas e insinuando-se pelos espaços entre as letras, vislumbra-se um rigor formal, um texto belo e contido, num conjunto de pequenas jóias em forma de contos, cuja leitura, fluente e agradável, muitas vezes nos ilude e extravia de seus sentidos mais profundos. Mais abaixo, chegamos ao eixo condutor, ao que mais importa no livro, ao que ele tem de radicalmente próprio: sua exploração dos meandros, impasses e limites da existência.
Como médico, Daniel Chutoriancy é levado a conviver cotidianamente com as questões nodulares da existência humana: a vida, a reprodução (leia-se amor e sexualidade), a morte. Assim, e seguindo outros grandes escritores-médicos, como Jorge de Lima, Pedro Nava, Moacyr Scliar e outros, deixa-se envolver pelas grandezas e misérias da condição humana e faz delas sua matéria-prima. Mas não é tudo. Outros saberes, aos quais tampouco é alheio, como a filosofia e a psicanálise, abordam infinitamente as mesmas questões, de outros pontos de vista, e Chutoriancy também se deixa tocar por eles, pela busca ontológica refletida nas miudezas do cotidiano, dando um destino singular e belo a todos esses questionamentos: a criação artística. Resultado: uma obra esteticamente construída, conceitualmente crítica e, sobretudo, cheia de ternura pelo ser humano.
A força de sua arte não escapa aos comentadores: "Sua capacidade de perceber, compreender e traduzir as dores do mundo de modo ameno, poético e às vezes lírico nos faz sentir seus irmãos", escreve Francisco Paula Freitas. Por seu lado, Estrella Bohadana define: "Em seus contos, vida e arte se confundem e, por isso, Chutorianscy vale-se da narrativa para poetar a vida.". E diz Benício Medeiros: "...seus tipos são vistos com um olho clínico: o olho que devassa a alma humana com uma infinita capacidade de compreensão."
Temos aqui, portanto, uma literatura perpassada pela reflexão existencial, pela investigação psicológica, pela vida explodindo em suas múltiplas e surpreendentes variações. O que mais se pode pedir?