TONG XI FIONG Mercê, por um lado, de uma tradicional ignorância no domínio das Ciências da Terra, generalizada e endémica (perdoem-me a crueza os muito poucos que são excepção a esta triste regra nacional), onde o geólogo é sempre chamado de arqueólogo e as suas explorações paleontológicas são, invariavelmente, adjectivadas de arqueológicas, e, por outro, mercê das batalhas que tenho desencadeado e mantido para inverter este estado de coisas divulgando conhecimento com simplicidade, de forma atractiva e, às vezes, se necessário, com alguma espectacularidade, em complemento de numerosas intervenções públicas que sou levado a protagonizar em defesa e na valorização do nosso Património Natural, constantemente ameaçado acabei por me tornar, sem que o quisesse, figura pública, ou mediática, como se diz, e, por isso, frequentemente solicitado pelos média, num crescendo de interalimentação recíproca. É uma realidade com a qual tive de passar a saber viver, que tem os seus custos, mas que, em contra-partida, permite trilhar caminhos e atingir metas não alcançáveis pelo comum do cidadão que, como eu, não está ligado a quaisquer tipos de “lobies”. Só a comunicação social, uma aliada que tenho tido o previlégio de ter por companheira nas muitas frentes de luta cívica que travei e continuo a travar, tem conseguido abrir os olhos de quem não sabia ou não queria ver, destapado os ouvidos de quem não estava disposto a ouvir, ou despertado as consciências, as boas e também as más. Ganharam-se batalhas difíceis com as de Carenque e da Serra d’Aire, tornaram-se fácies outras, de que são exemplo os geomonumentos musealizados em Lisboa e Setúbal, e surgiram realizações de iniciativa local como é o caso de Monte do Santo Luzia, em Viseu, visando a musealização de um valioso Património Natural, cujo projecto foi recentemente galardoado com o Prémio Nacional do Ambiente. Estas realidades são exemplo de muitíssimas outras acções e projectos em execução ou em curso. Todos se vão concretizando graças a esta aliança entre a comunicação social e o cidadão que teve a possibilidade de lançar mão desta poderosíssima arma que é o quarto poder. Mas isto tem um preço nem sempre fácil de pagar. Concita o pequeno despeito. Tradicionalmente, em todo o lado, o meio académico tem dificuldade em aceitar, entre os seus pares, aqueles que ousam divulgar ciência em termos menos eruditos e que, por essa razão, se tornam figuras mais conhecidas do grande público. Ton Xi Fiong, filósofo ancião de grande saber, na velha ficção oriental, comentava, a propósito das críticas que lhe dirigiam os seus pares, pelo hábito que tinha de ensinar o povo inculto usando nisso linguagem simples e acessível, a única por ele entendível escreveu um dia, algo que a tradução possível para a nossa cultura rezará assim: “Quando me mordem as canelas, e é isso que sinto que alguns me fazem, digo-lhes que não se incomodem a fazê-lo, porque as minhas pernas estão duras dos caminhos trilhados e os seus dentes, de gastos, não lhes fazem mossa”. Lisboa, 9 de Janeiro de 2003
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