PEDRAS E PALAVRAS

Pedra, do grego, pétra, através do latim petra, traduz a ideia de uma entidade natural, rígida, coesa e dura, do «reino mineral». Petróleo é o óleo saído do chão, de dentro das rochas, assim como o carvão-de-pedra é o que se extrai das entranhas da Terra. Petrologia é a ciência que estuda as rochas e petrólogos os seus estudiosos. Petrificados ficamos quando certa notícia nos gela o sangue e nos imobiliza, petrificados estão os restos de seres vivos do passado que chegaram até nós e a que hoje chamamos fósseis, e Petra é a antiga cidade da Jordânia repleta de monumentais ruínas escavadas na rocha. Pedrês é a galinha salpicada, num granulado de preto e branco, como o granito. Empedernido diz-se daquele que é insensível como a pedra e pedernal ou pederneira é o sílex ou pedra-de-fogo que os nossos avós usavam nos bacamartes, ou com que os tetravós destes talhavam machados, facas e pontas de seta. Empedrar, pétreo, pedroso, pedregoso, pedregulho, pedregal, pedrisco ou pedreiro, que tanto é o operário que trabalha com pedra como é o nome que se dá aos morteiros de grande calibre que lançavam pelouros de pedra, são outros vocábulos radicados no mesmo étimo. Pedra filosofal ou da sabedoria, que em árabe se dizia al kimia, foi a base de um saber notável, durante a Idade Média, nem sempre devidamente valorizado e onde assentam ciências como a Química e a Mineralogia. Pedra angular quer dizer fundamento, base ou suporte. Pedro, nome de gente, vem de pedra. – Tu és Pedro e sobre ti levantarei a minha Igreja – disse Jesus ao discípulo. Petrogrado foi o nome antigo de São Petersburgo, cidade de Pedro, não o apóstolo, mas o Grande, o czar de todas as Rússias. Petrópolis, cidade brasileira do Estado do Rio de Janeiro, foi assim chamada em honra do seu primeiro imperador, o mesmo D. Pedro do liberalismo em Portugal. Pedrógão, Alter Pedroso, Pedrouços e Pedrulha, são topónimos derivados de pedra. Aumentativo de pedra, pedrão deu padrão, o marco que os nossos navegadores deixaram na rota dos descobrimentos. Pêro é o equivalente arcaico de Pedro e são Peres e Pires os seus descendentes. Pêro Vaz de Caminha, Pêro da Covilhã, Damião Peres e José Cardoso Pires são nomes conhecidos da nossa história e da nossa literatura, e Pêro Botelho é o Diabo que não pára de rugir na caldeira que tem o seu nome, no sítio das Furnas, na Ilha açoreana de S. Miguel. Peramanca e Perafita são nomes de localidades que evocam pedras especiais através do prefixo pera que, ou estavam mancas, isto é, tombadas, ou ainda se mantinham fitas, maneira igualmente antiga de dizer erguidas, na postura fálica em que as colocavam os nossos antepassados do período megalítico. Idade da Pedra, pedra-lascada e pedra-polida, pedra de moinho, pedra de afiar ou de amolar, pedras preciosas, pedra-mármore, pedrão-sabão, pedra-ume, chuva de pedra, pedrinhas de sal, pedra no sapato, coração de pedra são expressões que caracterizam o conceito empírico de pedra como rocha.

Todos falamos de rochas com base num conhecimento comum, empírico, vulgar, ligado à experiência quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadãos. Rocha é um galicismo que entre nós se sobrepôs ao termo roca, bem mais antigo, talvez pré-romano, e daí a expressão enrocamento, com que se designa o acto de «proteger» com blocos de pedra certos troços da linha de costa face à acção erosiva das vagas. Cabo da Roca deve o nome a esta versão arcaica da palavra rocha. Em meios intelectuais mais eruditos fala-se de rocaille, termo francês alusivo a um estilo do período barroco, associado a Luís XV, que recorre a figurações de pedra lembrando grutas e rochedos. Rochedo deriva de rocha e é o mesmo que penhasco ou penha, expressões vulgares que deram nomes a sítios como Penhascoso, Penha Garcia ou às conhecidas Penhas Douradas e Penhas da Saúde, na serra da Estrela. Penha, do castelhano peña, é o mesmo que pena e pina, saídas do latim pinna, de onde o termo pináculo. Penalva do Castelo deve o seu nome à alvura da penha onde se erigiu aquela fortificação medieval. O Palácio da Pena, em Sintra, é assim chamado por estar edificado sobre uma penha, à semelhança de outras que identificam certos cumes pontiagudos do relevo. O mesmo acontece com Penela, localidade anterior à nacionalidade, nascida em torno do castelo que marca o cimo dos rochedos de arenito do Triásico. O mesmo ocorre ainda com penedo, que deu Penedo (em Colares), Penedos de Góis, Penedono e Peneda, a serra.

De origem antiga, duvidosa, talvez do pré-romano, canthus, dispomos também do vocábulo canto. Sinónimo de pedra (cantal, em catalão), este termo é muito pouco empregue entre nós, mas de uso frequente na vizinha Espanha. Deste étimo derivam cantaria, canteiro, canteira, esta uma versão menos comum de pedreira (cantera, em castelhano) e, ainda, cantil, a ferramenta com que o escultor alisava a pedra, e alcantil, nome que nos chegou através do árabe al kantil, o escarpado ou cume rochoso.

Do pré-romano é o termo barroco que, entre nós, tanto significa pedra como barranco, o sulco que a água das chuvas escava no terreno, tornando-o irregular e pedregoso. Barroco, o estilo artístico, das artes plásticas, da música e da literatura, que desde os finais do século XVI até meados do século XVIII, se opôs ao classicismo da Renascença, radica na palavra portuguesa barroco, então usada no sentido de pedra. Barrocal é a paisagem pedregosa que marca o Jurássico calcário algarvio, e barroqueiro a pedra que se apanha do chão e se arremessa.

Significando pedra, no sentido próprio ou no figurado, usamos ainda os termos lápis e lápide, do latim lapis e lapide, de onde nasceram expressões pouco correntes como lapídeo, que significa pétreo, petrificado ou insensível, lapidoso, lapiloso, duas maneiras de dizer pedregoso, lapidificação, que é o mesmo que petrificação ou litificação, e lapidário, que tanto pode ser o pedreiro como o artífice que dá talhe a diamantes e a outras pedrarias. Lapidários é ainda o nome que se dava aos manuscritos que, na Idade Média, falavam das pedras, em especial das suas propriedades medicinais e mágicas, com descrições fantásticas, numa época em que mineral e pedra se confundiam. Lapidadas estão as gemas que enriquecem as jóias dos que têm gosto e posses para as ter, sendo o lápis-lazuli uma delas. O lápis com que escrevemos, hoje de grafite ou de carvão, foi outrora de pedra, a mesma ardósia sobre a qual com ele escrevemos as primeiras letras. Lapidicidas diz-se dos moluscos que perfuram e destroem as pedras para aí se alojarem e lapidículas são as águias e outros animais que fazem ninhos entre pedras ou nas fendas dos rochedos. Próximo de lápide temos, ainda, o termo lapa, oriundo do pré-céltico lappa, que geralmente usamos sempre que se trate de uma grande pedra tabular, no geral, a servir de tecto a uma gruta. Lapa é pois outra forma de dizer pedra, do mesmo modo que laje, esta de origem controversa, talvez da Hispânia pré-romana. Destes termos saíram lapão e lajão, dois aumentativos de uso popular, bem como lajedo e lapedo ou sítio de muitas lapas, como é o vale da ribeira do mesmo nome, na bacia do Liz, hoje bem conhecida pelos importantes achados pré-históricos.

À pedra vulgar e à lápide dos menos e dos mais letrados, à rocha dos que passaram pelos bancos da escola elementar e ao quase esquecido canto, há ainda a juntar o elemento de composição culta «lito», saído do grego, lithos, que contém a ideia de pedra ou rocha, de uso restrito a estratos mais avançados em termos de escolaridade e vivência sociocultural. Litologia é, assim, uma das disciplinas interessadas no estudo das rochas. Litogénese alude às suas origens e litosfera é o termo que, em linguagem científica, se dá à capa rochosa, rígida, que envolve a Terra, formando os continentes e o substrato dos fundos oceânicos. Litografia e litogravura, paleolítico, megalítico, batólito, fonolito, litoclasto, litófito, litotripsia, litíase e litificação exemplificam alguns dos muitos termos de uma linguagem técnica e científica, apoiados na referida expressão de origem grega.

Muitíssimo menos divulgado, mesmo entre os geólogos, mas bem conhecidos dos cultores da língua e estudiosos dos seus percursos semânticos, temos ainda o elemento de composição culta, «sax», que exprime a ideia de pedra. Oriundo do latim, o étimo saxu compõe as palavras sáxeo e saxoso, duas formas eruditas de dizer pedregoso. Saxátil é o que vive entre as pedras, e saxícola tanto é o que habita as pedras como o idólatra que presta culto aos deuses de pedra. Saxónia é o nome de uma região montanhosa da Alemanha e, como tal, pedregosa. Passado ao uso popular, saxu deu seixo, pedra dura ou pedra bruta que, com o tempo, passou a referir, em geral, as pedras roladas das praias ou dos rios. Seixal, concelho a sul do estuário do Tejo, deve o nome à abundância de seixos ali concentrados pelo transporte fluvial, tornando seixoso o respectivo local. Chama-se seixeira à escavação de onde se extraem seixos para diversos fins ligados à construção. Nalguns sítios do norte serrano, o mesmo termo é empregue para, ao contrário, referir os fragmentos angulosos de quartzo filoniano espalhados no terreno por desmantelamento e erosão dos respectivos filões. Em alusão ao carácter não rolado igualmente subentendido na palavra seixo, temos, por exemplo, as localidades Seixinho (Guarda), Seixal (Viseu) e Seixoso (Porto), onde se tem explorado e explora o quartzo. A associação da palavra seixo ao quartzo filoniano está ainda na expressão de seixo bravo, usada pelos mineiros do norte do país para referir os filões quartzosos estéreis, isto é, sem minério. Seixebrega e saxífraga são sinónimos que designam uma planta usada em tisanas como mezinha para destruir ou dissolver as pedras do rim ou cálculos, termo este que, como veremos adiante, é um vocábulo também ligado ao mundo das pedras. No masculino, saxífrago indica o que parte e destrói a pedra, sendo curioso notar que nesta palavra também o elemento frago evoca pedra. Com efeito, fragas são penhas, penhascos ou rochedos. Fragoso, saído do latim fragosu, significa pedregoso, penhascoso. Fraguedos e fragarias são penedias, do mesmo modo que fragais ou fragaredos (como se diz em Trás-os-Montes) e fragueiros são os que vivem nas montanhas, entre fragas.

Sílicio e os seus derivados sílica, silicatos, silicitos e silicon radicam no termo latino silex, que significa não só pederneira mas também pedra e calhau. De facto, são de pedra os bem conhecidos artefactos de sílex (sílices no plural) dos nossos remotos antepassados, e daí, a expressão Idade da Pedra com que designamos esses tempos pré-históricos.

Mas ainda há outros termos na nossa linguagem comum associados às pedras, tal a sua importância na vida da humanidade. E comecemos pela palavra cálculo, a que todos nos referimos como pedra na litíase biliar ou na renal. Com efeito, calculu, do latim, significa pedrinha, do mesmo modo que cal, também do latim, calx, significa calhau e, portanto, pedra. Com pedras a servirem de lastro, ou balastro, se calam os barcos quando, sem carga, se fazem ao mar e com pedrinhas ou contas se contava e fazia, na antiguidade, aquilo a que hoje chamamos calcular. Calçada é o revestimento com pedras (calces, em latim), calceteiro, o artista que celebrizou no mundo a calçada portuguesa, e calcedónia ou calcedonite, a variedade de sílica presente nas ágatas, no ónix, no sílex e noutras rochas siliciosas. O mesmo étimo está na base de calcário, a rocha sedimentar com que se faz a cal, a pedra branca que, derregada, dá a calda com que ainda se caia nas aldeias e montes do Alentejo, ou a argamassa que dantes se usava em vez de cimento. Cálcio, calcite, recalcitrar, calçado, calcanhar, calcâneo e calcorrear são nomes que facilmente se relacionam com esta mesma etimologia. Calçar, além do acto que quase todos fazemos pela manhã ao meter os pés nos sapatos, é também colocar uma pedra por baixo daquilo que queremos que fique firme, calcar é dar a compactação da pedra e calcinar é queimar e reduzir a «cal», isto é, a cinzas, resíduo mineral não combustível. Calhau é a pedra que se apanha no chão e calha ou caleira são sulcos ou regos inicialmente empedrados, tendo o nome sido generalizado ao mesmo tipo de aparato feito com outros materiais. Mas caleira ou caieira (termo usado no Alentejo) é também forno de cal, caleiro ou caieiro, o homem que a fabrica ou vende, e caiador, aquele que dela se serve para caiar. Calle é a rua ou a calçada dos nossos vizinhos espanhóis, com correspondência para português nos termos calhariz e calheta que, no mundo rural do continente, se usa para referir o atalho por onde passam os rebanhos, e que nas ilhas significa pequena enseada ou abrigo na costa rochosa.

Rupi ou rupe são mais dois elementos de composição culta que veiculam a ideia de pedra. Tirados do latim rupes, significam caverna ou gruta, sendo por isso que adjectivamos de rupestres as gravuras do Coa e as que agora se descobriram no vale do Ocreza, ou as belas pinturas de Lascaux e de Altamira. Pela mesma razão apelidamos de rupículas os animais que vivem entre pedras.

Os megalitos foram divulgadas pelos pré-historiadores franceses sob o nome de menhires. Destas grandes pedras todos temos a imagem que se popularizou através das histórias de Astérix. A expressão, de origem bretã, men-hir, significa pedra comprida. Em galês, pedra diz-se lech, donde a palavra cromlech, que significa pedra curva, já usada no século XVII para designar este outro tipo de monumento megalítico, de que temos magnífico exemplo no cromeleque dos Almendres, perto de Évora.

Hulha, palavra introduzida pelos franceses no nosso vocabulário, radica no frâncico huklia, que significa pedra, razão pela qual ainda chamamos carvão de pedra a este combustível fóssil.

E as referências às pedras, sempre ligadas ao nosso quotidiano, desde os tempos mais recuados, não cessam de no-lo lembrar. De uso regional e restrito, chamamos conhos (do latim, cuneus) tanto aos penedos arredondados e insulados no meio de um rio, como aos calhaus quartzíticos rolados das aluviões fluviais. No Tejo e no Zêzere, entre outros rios do centro do país, são conhecidas as conheiras, extensos amontoados de conhos em resultado da pesquisa e lavra de ouro ali levadas a efeito em grande escala, ao tempo da ocupação romana da Península.

Mas o que são as pedras e os cantos? O que são as lápides, os sílices, os tão eruditos sax ou seixos, as fragas, de uso mais popular, e os calces, de onde nasceu cal, calcário e calhau? E o que são os conhos, as peras, as lapas e todas as diferentes maneiras de referir o mesmo tipo de materiais que pisamos nas calçadas ou nos caminhos de montanha, que vemos nos muros das propriedades rurais, nas cantarias de palácios e monumentos e em muitas das estátuas onde se perpetuam algumas das glórias passadas?

Para os mineralogistas, os petrólogos e os geoquímicos são associações de minerais compatíveis entre si e com o meio em que foram gerados.

Para os geofísicos são os materiais constituintes da capa externa, rígida, da Terra e dos outros planetas telúricos.

Para os artistas são a matéria prima das suas expressões plásticas.

Finalmente, para os canteiros, os pedreiros e os calceteiros são, sobretudo, a essência do seu ganha-pão.

Lisboa, 21 de Novembro de 2001