A ÁRVORE GEOLÓGICA

Já foi pior, muito pior, mas, mesmo assim, são ainda muitas e alarmantes as situações reveladoras do grande desconhecimento, por parte da generalidade dos cidadãos, de quase tudo o que se relacione com a Geologia. Salvo as excepções que importa acautelar, um tal alheamento é comum a todos os níveis sócio-culturais. Por mérito próprio dos já famosos dinossáurios e das suas pegadas, vai-se ouvindo falar de Paleontologia, de Jurássico e pouco mais. Ultimamente, graças ao programa “Geologia no Verão”, da Agência Nacional, “Ciência Viva”, em boa hora lançado pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia, dezenas de milhar de portugueses, de todas as idades, estão a ganhar interesse por esta disciplina. Esperemos que este tipo de acções não perca continuidade, pois que, não obstante os passos já dados, ainda se verificam situações que a todos devem preocupar. Dessas situações recordo uma de “bradar aos céus”, que alinhavei na liberdade que a ficção consente, mas que não perde de vista o essencial - a grande ignorância, às vezes anedótica, para não dizer confrangedora, que, sobretudo neste domínio, grassa por este nosso Portugal.

Um colega meu, jovem geólogo a preparar a sua dissertação de doutoramento, relatou-me, recheada de pormenores, uma situação bem reveladora do desconhecimento que referi atrás.

Há uns meses, contou-me, dera transporte a quatro jovens que, à saída de uma localidade dos arredores da capital, lhe fizeram o mais do que tradicional gesto de pedir boleia.

- Eram muito jovens, sorridentes e vistosas - comentou, com um leve sorriso de ingénua malícia.

-“Vai para Lisboa?”, perguntou-lhe a mais desinibida, ao que ele respondeu que sim.

Entraram três para o banco de trás, sempre falando, na continuação da conversa que levavam, rindo e atropelando-se entre si. A seu lado sentou-se a que lhe dirigira a palavra, a falar pelos cotovelos.

- Acabámos o 11º ano e nenhuma de nós quer estudar mais. O meu pai insistiu para que eu fizesse o 12º mas fiquei farta. Já agora, deixe que lhe apresente as minhas amigas - sorriu. - A Cláudia, a Beatriz e a Júlia. Eu sou a Joana - e continuou, no mesmo ritmo e entusiasmo. - A Cláudia quando acabou o 9º ano dizia que ficava por ali, mas como não queria afastar-se do grupo, aguentou mais dois anos. Andámos sempre na mesma aula e lá se convenceu a continuar.

O meu amigo, atento ao trânsito, ia dizendo que sim, incitando-a a prosseguir.

- Viemos aqui a uma entrevista. Concorremos ao mesmo emprego, mas como são muitas vagas, talvez possamos continuar juntas. Estamos todas a torcer para que isso aconteça. E o senhor, o que é que faz? - interrompeu ela o discurso.

- Faço geologia. Sou geólogo - precisou o meu colega, feliz e ufano na profissão que abraçava.

- Ah, sei o que é! - atalhou a jovem, com ar triunfante de quem acerta numa adivinha e, virando-se para trás, para as companheiras, elevou a voz - Este senhor faz o mesmo que o teu irmão, Cláudia!

- Naturalmente é alguém que eu conheço, - interessou-se o geólogo. - E onde trabalha ele? - inquiriu, curioso, na expectativa de ouvir um nome conhecido.

- Numa repartição do Registo Civil - respondeu a Cláudia, que se desligara da conversa com as amigas e passara a dar atenção ao que se passava nos bancos da frente.

- No Registo Civil? - ripostou incrédulo o meu colega. - E o que é que ele lá faz? - insistiu, com um sorriso de delicada estranheza.

- Lá - começou ela, e seguiu-se uma breve pausa na procura das palavras certas. - Lá, faz o mesmo que os outros. Entra às nove e sai às cinco. Regista casamentos, baptizados, por aí. O costume, para ter direito a um salário de miséria. Mas onde ele ganha muito bem é nisso de fazer as “árvores geológicas” de uma clientela endinheirada que não pára de crescer.

Lisboa, 13 de Setembro de 2002