Sem esquecer o primeiro trabalho português de investigação em Paleoicnologia e um dos primeiros à escala mundial levado a efeito, em finais do século XIX, pelo naturalista do Museu, Jacinto Pedro Gomes, com o estudo da jazida com pegadas de dinossáurio do Jurássico superior do Cabo Mondego, tudo começa um século depois, como uma atitude estratégica de fazer renascer das cinzas o que restava de um Museu em grande parte destruído pelo incêndio da Faculdade de Ciências, ocorrido em 1978.
Bastante diminuído nas suas colecções, esvaziado de docentes e estudantes que o animavam, na sequência da criação das novas instalações da Faculdade, esventrado e em tosco como, aliás, ainda se encontra, este Museu elegeu os dinossáurios como motivo central de atracção, visando, sobretudo, a população escolar da região de Lisboa.
Sem equipamentos, sem meios humanos nem verbas adequadas para prosseguir na sua tradicional vocação - a investigação científica e o apoio à licenciatura em Geologia - a ideia Dinossáurio, mais do que os objectos, então inexistentes, revelou-se desde logo uma via promissora para uma instituição que entendeu dever continuar a servir.
Numa muito estreita colaboração com os media, realizámos exposições de trabalhos escolares (composições escritas, desenho, pintura, etc.) em que participaram alunos de todas as idades e de escolas de todo o país. Estas primeiras exposições trouxeram ao Museu centenas de trabalhos e um vasto público. Teatro infantil, projecções de filmes, palestras para vários níveis etários, oficinas pedagógicas, enchiam-nos a casa ao longo dos dias da semana e muitas vezes, ao serão. Com tubos de ferro e pranchas de madeira oferecidos por uma construtora, montámos um auditório para 300 lugares.
Foi nesta fase que dois alunos de Geologia, Carlos Coque e Paulo Branquinho descobriram o trilho com pegadas de dinossáurio no fundo da pedreira de Pego Longo, em Carenque.
Envolvido na temática Dinossáurios e interessado como estava, e continua a estar, na salvaguarda e valorização do nosso Património Geológico, o Museu empenhou-se a fundo na defesa desta jazida, transformada em lixeira e ameaçada de destruição pelo então previsto traçado da Circular Regional Externa de Lisboa (CREL). A luta travada com a Administração, bem apoiada pelos media, durou três a quatro anos, tendo ficado conhecida por "Batalha de Carenque".
Nesta altura, o Museu envolveu-se em dois projectos de investigação. Um deles, "Paleontologia dos Vertebrados Fósseis do Jurássico Superior da Lourinhã e Pombal" , comparticipado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pelo Município da Lourinhã, teve o apoio dos Serviços Geológicos de Portugal, do Departamento de Geologia da FCUL e subsídios pontuais da então JNICT. Com quatro licenciados e com o apoio científico de especialistas de Salamanca, Madrid e Boulder (Colorado, EUA), procedeu-se a escavações e estudos osteológicos no Jurássico da Lourinhã e de Pombal.
O outro projecto, "Icnofósseis do Jurássico e do Cretácico superior Português" , subsidiado pela então JNICT, decorreu em colaboração com as Universidades de Salamanca, Autónoma de Madrid e Denver (Colorado, EUA). Em estudo, as Jazidas de Avelino (Zambujal), Mua e Lagosteiros (Espichel), Praia Grande (Colares) e Pego Longo (Carenque, Sintra).
Destes dois projectos, entre 1990 e 1992, resultou uma dezena de comunicações e artigos publicados.
Nesta altura e também como estratégia visando a salvaguarda da Jazida de Carenque, o Museu trouxe ao público nacional a exposição Dinossáurios regressam em Lisboa , uma colecção de réplicas robotizadas da empresa japonesa Kokoro, em estreita colaboração com o Natural History Museum de Londres.
Com um número de visitantes ímpar entre nós, 360 000 em onze semanas, esta mostra tornou-se centro de convergência das escolas e de visitantes de todas as idades, de norte a sul do país, tendo contribuído, acreditamos que sim, para o desenvolvimento de um clima nacional de simpatia pelos dinossáurios, que influenciou o Governo de então a distender cerca de dois milhões de contos para a construção dos túneis de Carenque, salvando-se a jazida.
A partir desta fase, o Museu não mais deixou de actuar nestas duas vertentes: a investigação científica e a divulgação, com ênfase particular nas exposições.
Por divergências entre os então colaboradores do Museu e os animadores do GEAL da Lourinhã (falta de bom senso de alguns e intolerância de outros) perdemos a possibilidade de continuar a trabalhar nesta riquíssima área jurássica. Outros tiraram disso o melhor proveito.
Mas não deixámos de trabalhar noutras áreas, quer no domínio dos icnofósseis, quer no dos somatofósseis (osteologia). Assim, desde então até hoje, o nosso trabalho desenvolveu-se no âmbito de novos projectos de investigação.
"Estudo da Pegadas de Dinossáurios da Pedreira do Galinha (Serra d'Aire)" , a partir de 1994, foi um projecto parcialmente financiado pelo Parque Natural das Serras d'Aire e Candeeiros que permitiu não só o estudo científico da jazida, como o da respectiva musealização. Na sequência deste trabalho, o Museu é o responsável pelo Conselho Científico e Pedagógico associado a este Monumento Natural.
O projecto "Dinosaur Osteological and Ichnological Studies of the Mesozoic of Portugal" , a partir de 1999, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, tem sido o principal suporte dos nossos trabalhos iniciados há uma quinzena de anos, nas seguintes jazidas:
Concelho da Batalha
Estudos osteológicos no Jurássico superior (150 Ma) de Casal Novo.
Concelho da Lourinhã
Estudo osteológico de um ornitópode da jazida de Porto das Barcas.
Concelho de Pombal, em Andrés
Descoberta, em Portugal, de Allosaurus fragilis do Jurássico americano.
Concelho de Santarém
Estudo icnológico da jazida de Vale de Meios, do Jurássico médio (175 Ma) - pegadas de carnívoros e a maior da Europa com pistas paralelas.
Concelho de Sesimbra
Estudos icnológicos das jazidas de Pedra da Mua (Espichel) e Avelino (Zambujal), ambas do Jurássico superior (150 Ma), e de Lagosteiros (Espichel), do Cretácico inferior (115 Ma).
Concelho de Sintra
Estudos icnológicos das jazidas da Praia Grande do Rodízio, do Cretácico inferior (120 Ma) e de Pego Longo (Carenque) do Cretácico médio (95 Ma).
Concelhos de Torres Novas e Ourém
Estudo icnológico e musealização da jazida com pegadas de grandes saurópodes do Jurássico médio (175 Ma)
Concelho de Torres Vedras
Estudo osteológico de um saurópode da jazida de Porto Novo, do Jurássico superior (150 Ma) em colaboração com a Associação Leonel Trindade.
Concelho de Vila do Bispo
Estudo icnológico das jazidas de Praia de Foia do Carro, saurópodes do Jurássico superior, das de Praia da Salema, terópodes, e de Praia Santa, ornitópodes, ambas do Cretácico inferior (110 Ma).
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A par desta actividade menos visível, e tendo em conta o êxito conseguido na primeira, o Museu assumiu a responsabilidade de mais seis grandes exposições envolvendo dinossáurios:
Macau - Dinossáurios em Macau - 1993 / 94
Porto - 65 Milhões de anos depois...um regresso - 1994
Lisboa - Dinossáurios da China - 1995 / 96
Lisboa - Tudo sobre Dinossáurios - permanente desde 1999
Lisboa - Carnívoros - 2003
Lisboa - Gobissauros - 2004
Lisboa- Plumas em Dinossáurios - 2005
Na sequência destes trabalhos foram feitas quarenta e três (43) comunicações em reuniões científicas nacionais e internacionais e publicados oitenta e cinco (85) artigos em revistas nacionais e estrangeiras. Nos últimos dez anos, envolvendo esta temática, foram feitas noventa (90) conferências de norte a sul do país.
A par desta actividade e com propósitos de divulgação, o Museu apoiou a publicação de:
1989 - "Dinossáurios", uma edição da S.P.C.N. (Naturália).
1992 - "A Vida e Morte dos Dinossáurios", Gradiva.
1994 - "Dinossáurios e a Batalha de Carenque", Editorial Notícias.
2000 - "Dinossáurios. Uma Nova Visão", Âncora Editora.
No que se refere à salvaguarda e valorização deste importante património, o Museu propôs e conseguiu a classificação como Monumentos Naturais, as seguintes jazidas com pegadas de dinossáurios de:
O Museu, praticamente sem meios na fatia que lhe cabe no OGE, agradece, uma vez mais, às instituições que o apoiaram e apoiam neste já longo percurso:
Câmaras Municipais dos concelhos onde tem trabalhado (Batalha, Lourinhã, Ourém, Sesimbra, Sintra, Torres Novas;
Fundações: FC&T, Gulbenkian, Oriente, Flad.
Parque Nacional Serra d'Aire e Candeeiros (PNSAC)
Instituto Geológico e Mineiro (IGM)
Sociedade Torrejana de Espeleologia e Arqueologia (STEA)
Departamento de Geologia da FCUL, Univ. Autónoma de Madrid, Univ. de Denver (Colorado).
Lisboa, 4 de Março de 2005
A. M. Galopim de Carvalho |