O AR E OS SERES VIVOS

Por estranho que pareça, a verdade é que o ar que respiramos e sem o qual não poderíamos viver, é muito diferente do que constituía a atmosfera primitiva da Terra, a mesma que permitiu a aparição da vida e o seu desenvolvimento durante os primeiros milhares de milhões de anos da sua existência.

A formação da crosta terrestre resultou de uma intensa e prolongada actividade de tipo próximo daquela que nos é dada pelas erupções vulcânicas, alargadas a toda a superfície do globo. Uma tal actividade foi acompanhada de imensa libertação de vapor de água e de dióxido de carbono, dois gases que caracterizaram uma tal atmosfera estável e duradoura. Foi a partir desta atmosfera primitiva que choveram as águas de todos os mares. Foi nessas águas, talvez ainda quentes, e sob essa mesma cobertura gasosa, que surgiram as primeiras formas de vida.

O ar que hoje nos rodeia caracteriza uma outra atmosfera bem diferente daquela, em especial, por conter um componente novo, inexistente nesses recuados tempos, o oxigénio, gás indispensável à grande maioria dos actuais seres vivos. Dada a sua grande reactividade química, o oxigénio não teria possibilitado a aparição da vida nas suas formas mais elementares.

A actividade biológica levada a efeito pelas plantas verdes, com clorofila, ao elaborarem a sua própria matéria orgânica, consome energia da luz solar e liberta oxigénio. Assim, ao longo de milhões e milhões de anos, caminhou-se no sentido da atmosfera actual, com os seus cerca de 21% de oxigénio livre, num equilíbrio hoje cada vez mais frágil face às muitas e constantes acções poluidoras da sociedade humana. Na defesa da qualidade do ar que respiramos há que contar com a acção indispensável da cobertura vegetal, em especial das florestas, e daí a nossa preocupação com a salvaguarda deste inestimável património verde.

Todos conhecemos, melhor ou pior, o papel do ar no clima, permitindo as trocas de calor atmosférico, originando os ventos. É o vento, ou seja, o ar em movimento, que arrasta as nuvens e leva a chuva e a neve aos continentes, com implicações na fertilidade dos respectivos solos. Ao fazerem regressar ao mar toda essa água, os rios e os glaciares escavam vales e, com o tempo, arrasam montanhas. É ainda o vento que promove a erosão nos desertos áridos e dá energia às vagas que modelam os litorais.

Noutra perspectiva, lembremo-nos que o ar sempre constituiu o suporte da movimentação de muitos seres vivos. Foi assim com os insectos, os primeiros animais voadores, surgidos há uns 400 milhões de anos, repetindo-se com os pterossáurios, répteis voadores da era dos dinossáurios, com as aves que bem conhecemos nos nossos dias e, até, com mamíferos como os morcegos. Mas não só os animais beneficiam do ar como meio de transporte. No mundo vegetal é este mesmo suporte gasoso que permite espalhar pólens e esporos.

Mercê da sua inteligência, o homem acabou também por dominar o ar, viajando nele, primeiro em balões, ao sabor dos ventos, e depois em aeronaves cada vez mais aperfeiçoadas.

Lisboa, 20 de Janeiro de 2003
A. M. Galopim de Carvalho