FEDERAÇÃO PORTUGUESA DAS ASSOCIAÇÕES E SOCIEDADES CIENTÍFICAS
Os impactes ambientais decorrentes dos progressos científicos e
tecnológicos e da sua utilização na sociedade de consumo, crescentes a
ritmo preocupante, são hoje temas comuns das agendas de uma multitude de
contactos e encontros, quer internos, quer a nível internacional. Comuns
são também os indícios de menor transparência e até, de hipocrisia,
ligados a interesses, a todos os níveis, tantas vezes subjacentes a
muitas iniciativas de desenvolvimento, que vão desde simples normas de
gestão local aos grandes acordos internacionais, de que é exemplo o
conhecido Protocolo de Kioto (1997) e o que se espera acontecer este
mês, em Paris
É dever dos profissionais de Ciência transmitirem o saber que cultivam
e, em coerência com as suas normas de conduta, contribuírem activamente
para fornecer elementos do seu saber aos decisores políticos e para
informar os seus concidadãos de possíveis abusos do poder na gestão
(para que têm mandato) dos vários sectores de actividade, entre os quais
os do ambiente e do património natural, dois domínios que me são
particularmente caros. Compete-lhes intervir, a cada momento, com
reflexão crítica e fundamentada, intervenção grandemente potenciada
quando feita através das respectivas Associações e Sociedades
Científicas (ASCs). Na união de esforços dos seus membros,
estas organizações não governamentais podem e devem questionar o poder,
sempre que tal se imponha. Numa sociedade em desenvolvimento, como é a
nossa, cada vez mais se faz sentir a necessidade de um contrapoder
idóneo, susceptível de fazer frente, por exemplo, aos excessos na
exploração dos recursos naturais e às agressões ao ambiente, dois
aspectos com inevitáveis consequências negativas na sociedade. Assim, os
profissionais de ciência podem e devem usar o seu saber, em obediência
às regras científicas e éticas de que são autores e garantes, devendo
fazê-lo, por razões de maior eficácia, através das referidas associações
representativas que, repete-se, lhes potenciam o poder. Reforçar a
comunidade científica portuguesa, dotando-a de um instrumento
representativo, alargado aos vários domínios do conhecimento, com
capacidade de intervenção ao mais alto nível, foi o objectivo visado na
criação da Federação Portuguesa das Associações e Sociedades Científicas
(FEPASC).
A história desta Federação começa em finais dos anos 80, nos espaços do
Museu Nacional de História
Natural, de que era director, com a participação activa de alguns dos
seus elementos. Aqui teve lugar todo o trabalho preparatório do “1º
Encontro Nacional das Associações e Sociedades Científicas”, a cuja
Comissão organizadora presidi, em representação da Sociedade Geológica
de Portugal. Inventariar as associações e as sociedades científicas
portuguesas, grandes, pequenas e outras só existentes no nome, activas,
dormentes e inactivas, praticamente mortas, e obter delas respostas a um
questionário-tipo, concebido para o efeito, não foi tarefa fácil. Nesta
preparação contei com o apoio e a total disponibilidade do Prof. Mário
Ruivo, o principal mentor e dinamizador deste projecto, e da saudosa
Drª. Helena Vaz da Silva, mulher de cultura que não excluía o saber
científico (antes pelo contrário) das suas preocupações e da sua
intervenção cívica.
A Comissão Organizadora compilou para este encontro, sob forma
padronizada, as referências consideradas mais significativas de cada
associação ou sociedade científica, portuguesas, com vista ao
estabelecimento do perfil das mesmas e de uma visão global do seu
conjunto. Assim, utilizando uma lista de endereços amavelmente cedida
pela então Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica
(JNICT), hoje Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), enviámos, a
cada uma destas organizações, um questionário que mereceu a atenção de
meia centena delas.
Uma análise desses elementos permitiu saber, por exemplo, que cerca de
metade têm sede própria e que a outra metade está sedeada numa qualquer
instituição empregadora de um ou mais dos seus dirigentes. Era,
nomeadamente, o caso da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais e da
Sociedade Geológica de Portugal, ambas
instaladas nas dependências da antiga Faculdade de Ciências de Lisboa,
na Politécnica. Ficámos a saber que 7% vinham do século XIX (a partir de
1822), 8% do primeiro quartel do século XX e 15% do período do Estado
Novo, entre 1926 e 1974. As restantes 70% são posteriores à revolução
dos cravos. O número total de membros das ASCs inquiridas rondava os 26
000. Contam-se por várias centenas o número de congressos e outras
reuniões científicas promovidas por estas ASCs, as quais asseguram mais
de meia centena de publicações de periodicidade variável, entre mensais
e anuais. Na grande maioria vivendo da quotização dos seus associados,
83% delas recebiam subsídios (provenientes de: JNICT, INIC (1),
Fundação Gulbenkian, etc.) e apenas 21% recorriam à venda das
respectivas publicações.
A sessão solene de abertura do Encontro teve lugar em Julho de1989, na
Academia das Ciências de Lisboa, com todo o relevo que lhe foi
emprestado pela presença do então Presidente da Assembleia da República,
Prof. Victor Crespo, que presidiu ao acto em representação do chefe de
Estado, do Ministro do Plano e da Administração do Território, Prof.
Valente de Oliveira, e do Secretário de Estado da Ciência e Tecnologia,
Prof. Sucena Paiva.
Na mensagem que dirigiu aos participantes deste evento, o Presidente
Mário Soares salientou que “este
1º Encontro constitui um passo
fundamental para a afirmação
da nossa comunidade Científica” e acrescentou
“Portugal orgulha-se do trabalho
dos seus cientistas, que, aliás, vêm crescentemente ganhando
reconhecimento internacional”. Afirmou, ainda, na sua mensagem: “É
nosso dever apoiar esse trabalho e estruturar uma verdadeira e ousada
política de investigação que fortaleça as relações entre os meios
empresarial e universitário, crie condições de acesso dos jovens à
pesquisa científica e fomente o diálogo entre a nossa comunidade
científica e as de outros países, com especial menção para os da
Comunidade Europeia”. Considerando este encontro
“um acontecimento da maior
relevância”, o Presidente da República formulou o seu voto para o
sucesso dos trabalhos que nesta cerimónia se iriam iniciar.
Nas palavras que produziu, o ministro Valente de Oliveira salientou que
“Urge por todas as razões
demonstrar a relevância da contribuição da Ciência para o bem-estar dos
portugueses. E é neste ponto que a estrutura federativa das associações
pode ser de enorme utilidade”.
Os trabalhos deste encontro decorreram, depois, num auditório cedido
pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) e neles
participaram representantes de 56 ASCs, sem dúvida as mais importantes e
activas de entre um conjunto arrolado de pouco mais de uma centena,
vinculadas aos mais diversos domínios científicos e tecnológicos.
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Na prossecução deste objectivo, a Federação passaria a promover
contactos e cooperação entre os seus membros – as ACSs - na resolução de
problemas comuns que pudessem potenciar a sua acção conjunta. Com este
fim foi constituída uma Comissão Instaladora que, para além das acções
conducentes à formalização da FEPASC, desse concretização às
deliberações tornadas, nomeadamente as que visam o reconhecimento, pelas
instâncias públicas, do papel que cabe a estas associações e à sua
Federação no processo de desenvolvimento do sistema nacional de
investigação científica e tecnológica, com particular incidência no
ensino a todos os níveis, e na incorporação da dimensão científica na
cultura dos portugueses. A FEPASC foi, finalmente, oficializada por
escritura notarial, em Lisboa, a 20 de Março de 1991 (Diário da
República nº 149/91, de 02.07).
Durante os primeiros anos, a FEPASC contou com espaço para
reuniões e apoio logístico cedidos pelo MNHN.
Transferiu-se depois para a sede do Centro Nacional de Cultura, numa
gentileza da sua então presidente, Drª. Helena Vaz da Silva, onde
continua, numa confirmação de idêntica gentileza por parte do seu
sucessor, Dr. Guilherme de Oliveira Martins.
Nos anos de vida desta Federação, desejo destacar o que esta
organização não governamental representou de esforço, eu diria inglório,
no sentido de revitalizar as ASCs portuguesas e de as unir na
concretização dos objectivos previstos nos seus estatutos. Entre as
principais acções que desenvolveu neste sentido, sobressai o colóquio
“Comunidade Científica e Poder”, integrado no ciclo de conferências
“UNESCO-1992”, e que decorreu em 21-22 de Maio, na Fundação Calouste
Gulbenkian. A adesão da comunidade científica a este evento e o seu
impacte na nossa sociedade fariam antever uma FEPASC unificadora e
potenciadora dessa comunidade, o que não aconteceu. Não obstante o
esforço pessoal do seu presidente, que sempre contou com o meu apoio e o
do saudoso Professor David Ferreira, da Faculdade de Medicina de Lisboa,
a FEPASC tem vindo a morrer, porque, em meu entender, a morrer estão
também a maioria das nossas ASCs. Parece ser uma inevitabilidade da
sociedade que estamos a viver, agravada, entre outros factores, pela
facilidade das comunicações, hoje levada ao extremo pela via
electrónica, o que contraria a necessidade associativa que foi
característica dos nossos pais e avós.
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