REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE

 

 

 

 
 

A.M. GALOPIM DE CARVALHO

A propósito da homenagem a Mário Ruivo
na UNESCO, em Paris, Novembro de 2015

FEDERAÇÃO PORTUGUESA DAS ASSOCIAÇÕES E SOCIEDADES CIENTÍFICAS

            Os impactes ambientais decorrentes dos progressos científicos e tecnológicos e da sua utilização na sociedade de consumo, crescentes a ritmo preocupante, são hoje temas comuns das agendas de uma multitude de contactos e encontros, quer internos, quer a nível internacional. Comuns são também os indícios de menor transparência e até, de hipocrisia, ligados a interesses, a todos os níveis, tantas vezes subjacentes a muitas iniciativas de desenvolvimento, que vão desde simples normas de gestão local aos grandes acordos internacionais, de que é exemplo o conhecido Protocolo de Kioto (1997) e o que se espera acontecer este mês, em Paris

            É dever dos profissionais de Ciência transmitirem o saber que cultivam e, em coerência com as suas normas de conduta, contribuírem activamente para fornecer elementos do seu saber aos decisores políticos e para informar os seus concidadãos de possíveis abusos do poder na gestão (para que têm mandato) dos vários sectores de actividade, entre os quais os do ambiente e do património natural, dois domínios que me são particularmente caros. Compete-lhes intervir, a cada momento, com reflexão crítica e fundamentada, intervenção grandemente potenciada quando feita através das respectivas Associações e Sociedades Científicas (ASCs). Na união de esforços dos seus membros, estas organizações não governamentais podem e devem questionar o poder, sempre que tal se imponha. Numa sociedade em desenvolvimento, como é a nossa, cada vez mais se faz sentir a necessidade de um contrapoder idóneo, susceptível de fazer frente, por exemplo, aos excessos na exploração dos recursos naturais e às agressões ao ambiente, dois aspectos com inevitáveis consequências negativas na sociedade. Assim, os profissionais de ciência podem e devem usar o seu saber, em obediência às regras científicas e éticas de que são autores e garantes, devendo fazê-lo, por razões de maior eficácia, através das referidas associações representativas que, repete-se, lhes potenciam o poder. Reforçar a comunidade científica portuguesa, dotando-a de um instrumento representativo, alargado aos vários domínios do conhecimento, com capacidade de intervenção ao mais alto nível, foi o objectivo visado na criação da Federação Portuguesa das Associações e Sociedades Científicas (FEPASC).

            A história desta Federação começa em finais dos anos 80, nos espaços do Museu  Nacional de História Natural, de que era director, com a participação activa de alguns dos seus elementos. Aqui teve lugar todo o trabalho preparatório do “1º Encontro Nacional das Associações e Sociedades Científicas”, a cuja Comissão organizadora presidi, em representação da Sociedade Geológica de Portugal. Inventariar as associações e as sociedades científicas portuguesas, grandes, pequenas e outras só existentes no nome, activas, dormentes e inactivas, praticamente mortas, e obter delas respostas a um questionário-tipo, concebido para o efeito, não foi tarefa fácil. Nesta preparação contei com o apoio e a total disponibilidade do Prof. Mário Ruivo, o principal mentor e dinamizador deste projecto, e da saudosa Drª. Helena Vaz da Silva, mulher de cultura que não excluía o saber científico (antes pelo contrário) das suas preocupações e da sua intervenção cívica.

            A Comissão Organizadora compilou para este encontro, sob forma padronizada, as referências consideradas mais significativas de cada associação ou sociedade científica, portuguesas, com vista ao estabelecimento do perfil das mesmas e de uma visão global do seu conjunto. Assim, utilizando uma lista de endereços amavelmente cedida pela então Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT), hoje Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), enviámos, a cada uma destas organizações, um questionário que mereceu a atenção de meia centena delas.

            Uma análise desses elementos permitiu saber, por exemplo, que cerca de metade têm sede própria e que a outra metade está sedeada numa qualquer instituição empregadora de um ou mais dos seus dirigentes. Era, nomeadamente, o caso da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais e da Sociedade Geológica de Portugal, ambas instaladas nas dependências da antiga Faculdade de Ciências de Lisboa, na Politécnica. Ficámos a saber que 7% vinham do século XIX (a partir de 1822), 8% do primeiro quartel do século XX e 15% do período do Estado Novo, entre 1926 e 1974. As restantes 70% são posteriores à revolução dos cravos. O número total de membros das ASCs inquiridas rondava os 26 000. Contam-se por várias centenas o número de congressos e outras reuniões científicas promovidas por estas ASCs, as quais asseguram mais de meia centena de publicações de periodicidade variável, entre mensais e anuais. Na grande maioria vivendo da quotização dos seus associados, 83% delas recebiam subsídios (provenientes de: JNICT, INIC (1), Fundação Gulbenkian, etc.) e apenas 21% recorriam à venda das respectivas publicações.

            A sessão solene de abertura do Encontro teve lugar em Julho de1989, na Academia das Ciências de Lisboa, com todo o relevo que lhe foi emprestado pela presença do então Presidente da Assembleia da República, Prof. Victor Crespo, que presidiu ao acto em representação do chefe de Estado, do Ministro do Plano e da Administração do Território, Prof. Valente de Oliveira, e do Secretário de Estado da Ciência e Tecnologia, Prof. Sucena Paiva.

            Na mensagem que dirigiu aos participantes deste evento, o Presidente Mário Soares salientou que “este 1º Encontro constitui um passo fundamental para a afirmação da nossa comunidade Científica” e acrescentou “Portugal orgulha-se do trabalho dos seus cientistas, que, aliás, vêm crescentemente ganhando reconhecimento internacional”. Afirmou, ainda, na sua mensagem: “É nosso dever apoiar esse trabalho e estruturar uma verdadeira e ousada política de investigação que fortaleça as relações entre os meios empresarial e universitário, crie condições de acesso dos jovens à pesquisa científica e fomente o diálogo entre a nossa comunidade científica e as de outros países, com especial menção para os da Comunidade Europeia”. Considerando este encontro “um acontecimento da maior relevância”, o Presidente da República formulou o seu voto para o sucesso dos trabalhos que nesta cerimónia se iriam iniciar.

            Nas palavras que produziu, o ministro Valente de Oliveira salientou que “Urge por todas as razões demonstrar a relevância da contribuição da Ciência para o bem-estar dos portugueses. E é neste ponto que a estrutura federativa das associações pode ser de enorme utilidade”.

            Os trabalhos deste encontro decorreram, depois, num auditório cedido pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) e neles participaram representantes de 56 ASCs, sem dúvida as mais importantes e activas de entre um conjunto arrolado de pouco mais de uma centena, vinculadas aos mais diversos domínios científicos e tecnológicos.

            O encontro, presidido pelo Professor Mário Ruivo, decidiu, por amplo consenso, criar a Federação Portuguesa das Associa-ções e Sociedades Científicas (FEPASC), tendo por objectivos a “promoção da Ciên-cia, encarada em todos os campos do saber e da tecnologia, na perspectiva da sua melhor inserção na sociedade e cultura por-tuguesas, assim como no desenvolvimento socioeconómico e em acordo com os inte-resses comuns dos seus membros, tanto no âmbito nacional como internacional, nomea-damente, no da cooperação europeia alargada”.

            Na prossecução deste objectivo, a Federação passaria a promover contactos e cooperação entre os seus membros – as ACSs - na resolução de problemas comuns que pudessem potenciar a sua acção conjunta. Com este fim foi constituída uma Comissão Instaladora que, para além das acções conducentes à formalização da FEPASC, desse concretização às deliberações tornadas, nomeadamente as que visam o reconhecimento, pelas instâncias públicas, do papel que cabe a estas associações e à sua Federação no processo de desenvolvimento do sistema nacional de investigação científica e tecnológica, com particular incidência no ensino a todos os níveis, e na incorporação da dimensão científica na cultura dos portugueses. A FEPASC foi, finalmente, oficializada por escritura notarial, em Lisboa, a 20 de Março de 1991 (Diário da República nº 149/91, de 02.07).

            Durante os primeiros anos, a FEPASC contou com espaço para reuniões e apoio logístico cedidos pelo  MNHN. Transferiu-se depois para a sede do Centro Nacional de Cultura, numa gentileza da sua então presidente, Drª. Helena Vaz da Silva, onde continua, numa confirmação de idêntica gentileza por parte do seu sucessor, Dr. Guilherme de Oliveira Martins.

            Nos anos de vida desta Federação, desejo destacar o que esta organização não governamental representou de esforço, eu diria inglório, no sentido de revitalizar as ASCs portuguesas e de as unir na concretização dos objectivos previstos nos seus estatutos. Entre as principais acções que desenvolveu neste sentido, sobressai o colóquio “Comunidade Científica e Poder”, integrado no ciclo de conferências “UNESCO-1992”, e que decorreu em 21-22 de Maio, na Fundação Calouste Gulbenkian. A adesão da comunidade científica a este evento e o seu impacte na nossa sociedade fariam antever uma FEPASC unificadora e potenciadora dessa comunidade, o que não aconteceu. Não obstante o esforço pessoal do seu presidente, que sempre contou com o meu apoio e o do saudoso Professor David Ferreira, da Faculdade de Medicina de Lisboa, a FEPASC tem vindo a morrer, porque, em meu entender, a morrer estão também a maioria das nossas ASCs. Parece ser uma inevitabilidade da sociedade que estamos a viver, agravada, entre outros factores, pela facilidade das comunicações, hoje levada ao extremo pela via electrónica, o que contraria a necessidade associativa que foi característica dos nossos pais e avós.

 
 
(1) INIC – Instituto Nacional de Investigação Científica, organização já extinta.

A.M. Galopim de Carvalho. É professor catedrático jubilado pela Universidade de Lisboa, tendo assinado no Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências desde 1961. É autor de 21 livros, entre científicos, pedagógicos, de divulgação científica e de ficção e memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas. Como cidadão interventor, em defesa da Geologia e do património geológico, publicou mais de 150 artigos de opinião. Foi diretor do Museu Nacional de História Natural, entre 1993 e 2003, tempo em que pôs de pé várias exposições e interveio em mais de 200 palestras, pelo país e no estrangeiro.
Blogue: http://sopasdepedra.blogspot.com/