“Mas um dia virá em
que, na sequência dos processos geodinâmicos, nós, os objectos que nos
rodeiam, as cidades e equipamentos civilizacionais seremos minerais e
fósseis de novas rochas, em outras montanhas, em outros continentes, em
outras latitudes.”
Esta afirmação, que escrevi e tenho dito muitas
vezes, passível de causar estranheza aos desconhecedores da longa
história do nosso planeta, pode servir de porta aberta ao interesse em
conhecê-la, ainda que em termos gerais, a única possível fora da
disciplina pedagógica e sequencial que só a escola promove.
Quando nos anos que se seguiram ao final da
Segunda Guerra Mundial, geólogos e geofísicos ingleses e
norte-americanos empreenderam estudos diversificados visando o
conhecimento dos fundos marinhos, nomeadamente, a topografia, o fluxo
térmico, o paleomagnetismo arquivado nas rochas (essencialmente
basaltos) e as idades (em milhões de anos) dessas rochas, contribuíram e
permitiram a formulação de uma teoria tectónica que, por abranger a
totalidade da Terra, se apelida de global.
Um parêntesis para explicar o sentido da
palavra “tectónica”, vocábulo corrente no léxico geológico, que escapa à
maioria dos cidadãos e que, uma vez trocado por miúdos, faz todo o
sentido.
Podemos dizer que os vales e as montanhas,
tanto em terra como no fundo do mar, são partes de uma construção maior,
à escala do planeta, representada pela crosta terrestre. Se soubermos
que a palavra grega, “tektós”, significa construção, podemos dizer que
tectónica é o ramo da geologia que estuda a estrutura desta construção
(a crosta terrestre), em relação com a natureza das rochas, com as
forças e os processos envolvidos e, também, a sua evolução ao longo do
tempo. Quando aplicada à Terra, no seu todo, tanto faz dizer tectónica
global como geotectónica.
Dessa prodigiosa inovação, ficámos a saber
que a litosfera, ou seja, a capa rochosa do planeta está dividida em
grandes porções, a que os autores de língua inglesa chamaram “plates” e
que nós traduzimos por “placas”. Placas essas que interagem nos
respectivos contactos ou fronteiras, afastando-se ou aproximando-se
entre si, num dinamismo assegurado pelo imenso calor conservado no
interior da Terra.
Imagine o leitor que descasca, à mão, uma
laranja. Imagine que torna a colocar os vários pedaços de casca sobre o
fruto descascado. Comece a deslocar essas cascas tangencialmente, isto
é, sempre coladas aos gomos. Verá que, sempre que afasta um pedaço de
casca (que nesta demonstração exemplifica um placa litosférica),
relativamente a outro , está a comprimi-lo face ao que lhe fica do outro
lado.
Deste jogo de
distende e afasta de um lado, e aproxima, comprime e colide do outro, ao
longo de centenas e centenas de milhões de anos, abriram-se e alastraram
oceanos, reduziram-se e fecharam-se outros, surgiram vulcões, ocorreram
sismos, montanhas que se elevaram e que acabaram sempre por desaparecer
por erosão, nesta enormidade de tempo, numa ciclicidade que se tem vindo
a repetir nos mais de 4540 milhões de anos de idade do nosso planeta.
É nesta medida
que os continentes e os oceanos do presente hão de dar lugar a outros,
que os seus materiais hão de ser reciclados. E o que de nós e da nossa
civilização restar terá o mesmo destino.
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