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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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A.M. GALOPIM DE CARVALHO |
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O pilha-galinhas
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Os tempos eram de fome nos campos do Alentejo e o
instinto natural de sobrevivência levava a que uns se encorajassem a vir
em grupos de três ou quatro, pedir algo com que dar de comer aos filhos.
Um ou outro, menos bem formado e em desespero, deitava a mão a um frango
ou a uma galinha que, depois, ia vender na cidade. O “pilha-galinhas”,
como lhe chamávamos, era um infeliz trabalhador do campo, quase sempre
desempregado por falta de trabalho. Fornecia, a quem lhos comprava,
escondidos, quase sufocados, dentro de sacos, no fundo do alforge que
transportava ao ombro.
Chegava sempre ao cair da noite, vindo dos
campos. O trajecto na cidade fazia-o pelos sítios mais esconsos e
escuros, em passadas rápidas e furtivas. Nunca ninguém lhe perguntava a
origem da mercadoria, nem nunca ele se lhe referia.
O negócio,
porém, era feito portas adentro, rápido e com o mínimo de palavras. O
homem sacava o frango, algumas vezes, uma galinha, pegando-lhe pelo
pescoço para que não “gritasse” e, em conjunto com a cliente,
avaliavam-lhe o peso e o preço. Seguia-se uma breve discussão sobre a
quantia a pagar, que ela acabava sempre por ganhar.
Um dia foi
apanhado já dentro da cidade, com o saco cheio, antes de fazer qualquer
negócio.
– Tinha seis franganitos no alforge, quando me deitaram
a mão. – Desabafou, mais tarde, junto de um companheiro de infortúnio. -
Levaram-me para a esquadra e fiquei lá no calabouço toda a noite. No
outro dia, logo de manhã e sem comer, veio um zarolho, de bigodes,
grande como um touro. Mandou-me pôr de joelhos no chão de pedra onde
tinha espalhado sal grosso. Mas primeiro fez-me arregaçar as calças.
- Filho da puta! – Exclamou, indignado, o amigo.
– Eu já não
aguentava mais. – Continuava o “pilha-galinhas”. - Se fazia menção de me
levantar, ferrava-me chibatadas na cara, nas costas, onde calhasse. E
era com cada uma! Fiquei cheio de vergões. Os joelhos ardiam-me do sal
espetado na pele. Não aguentava mais! Filho dum comboio de putas. Tenho
filhos pequenos com fome e não arranjava trabalho já havia três meses. É
sempre isto todos os anos, lá no monte.
– E depois, o que é que
te aconteceu? – Quis saber o outro, cada vez mais interessado.
-
Deram-me mais pancada e depois mandaram-me embora.
- E os
frangos? – Perguntou o companheiro, de imediato.
- Ficou o
malvado com eles. E ficou também com a minha navalha que bem falta me
faz. – Acrescentou desolado. – Mas olha, ainda prefiro a Polícia à
Guarda. Tenho mais medo daqueles gajos das patrulhas. Deus me livre de
ser apanhado por eles. Esses ainda são piores. Diz-se que têm pelos até
no coração. Estão feitos com os patrões.
- Não sabem fazer mais
nada. - Comentou o outro. - Se não estivessem na Guarda, eram uns
desgraçados como nós.
– Para mim, – continuava o
“pilha-galinhas”, - são uns madrações que se deram bem na tropa,
lambendo as botas aos sargentos. - Rematou.
– Toda a gente lhes
dá qualquer coisa, como aos padres. Quando passa a patrulha há sempre
quem lhes leve uma atenção. São os ovos, é uma galinha aqui, um coelho
ali, são as azeitonas, os queijos e o feijão, é uma lebre ou umas
perdizes no tempo da caça, ou mesmo fora dele, no defeso, que eles aí
nem olham. Na Páscoa, lá apanham, às vezes, um borreguinho dado por um
mais afortunado. Os mais pobres dão aos praças das patrulhas aquele
pouco que podem. Eu já nem sei se eles passam lá pelo pessoal para
cumprirem o giro se para receberem a colecta.
- Toda a gente
sabe que é assim. Filhos da puta!
– Aos chefes e comandantes, aos
mais graúdos, quem lhes dá são os lavradores. A esses, quem dá são os
patrões. Apanham do bom e do melhor. É a lenha às carradas, para o
Inverno, é o azeite para o ano todo, fora o porco, no Natal.
– É
assim a vida! – Comentou, resignado. - Gostam do rancho a horas e de se
verem dentro da farda. Disseram adeus à vida do campo. Gostam do rancho
a horas e de se verem dentro da farda. Disseram adeus à vida do campo.–
Concluiu o amigo. |
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A.M. Galopim de Carvalho. É professor
catedrático jubilado pela Universidade de Lisboa, tendo assinado no
Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências desde 1961. É autor de
21 livros, entre científicos, pedagógicos, de divulgação científica e de
ficção e memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas.
Como cidadão interventor, em defesa da Geologia e do património geológico,
publicou mais de 150 artigos de opinião. Foi diretor do Museu Nacional de
História Natural, entre 1993 e 2003, tempo em que pôs de pé várias
exposições e interveio em mais de 200 palestras, pelo país e no
estrangeiro.
Blogue:
http://sopasdepedra.blogspot.com/ |
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