|
REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
|
|
|
|
|
A.M. GALOPIM DE CARVALHO |
|
“Arriba” versus “Falésia” e outras considerações a
propósito
|
|
Para o geógrafo ou para o geólogo o termo
“arriba” designa os escarpados menos ou mais elevados, próprios de
margens de rios muito encaixados (p. ex. no vale do Douro Internacional)
ou de litorais catamórficos (forma erudita de dizer que estão expostos à
erosão das vagas), observáveis em grandes extensões da Costa Vicentina
ou nos Cabos Espichel, da Roca e Mondego.
Podemos encontrar este mesmo conceito referido
pelo termo “falésia”. Acontece que ambos os termos podem ser lidos tanto
em textos científicos como em outros pedagógicos, de divulgação ou de
ficção.
Arriba e falésia são duas maneiras de dizer a
mesma coisa. Arriba é uma palavra antiga que fomos buscar ao latim “ripa”.
Falésia é um aportuguesamento relativamente recente da palavra francesa
“falaise”. Autores há que,
numa atitude purista da língua, repudiam este último termo, apodando-o
de francesismo desnecessário.
|
|
|
Arriba Fóssil da Costa de
Caparica
|
O meu professor Carlos Teixeira
(1910-1982), grande referência no
engrandecimento e valorização da Geologia em Portugal, senhor de uma
linguagem escrita sem intenções ou preocupações de estilo literário, mas
impecavelmente correcta, repudiava liminarmente o vocábulo “falésia” e
riscava-o, nos muitos textos dos seus alunos e colaboradores, entre os
quais me contei, que pacientemente lia e corrigia, ensinando-nos a
escrever em bom português.
Também o Prof. Orlando Ribeiro, geógrafo e
humanista de craveira internacional, senhor de muitos saberes, que
expunha numa linguagem falada e escrita de invulgar correcção e beleza,
não raras vezes poética, que marcou a minha maneira de encarar as
ciências da Terra, a um tempo, naturalista e cultural, rejeitava,
igualmente, o termo “falésia”.
Acontece, porém, que na toponímia oficial, a par de designações como
“Arribas do Douro”, no Parque Natural do mesmo nome, no distrito de
Bragança, e “Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa de Caparica”,
conhecemos as de “Aldeia da Falésia” e “Praia da Falésia”, no Algarve.
|
|
Praia da Falésia |
Uma atitude idêntica destes mestres tinha lugar
face aos vocábulos “barranco” e “ravina”, duas formas de referir os
sulcos menos ou mais profundos escavados pela enxurradas pluviais nas
cabeceiras dos cursos de água. O mesmo se passando com os termos
derivados “abarrancado” e “ravinado” e “abarrancamento” e “ravinamento”.
De origem pré-romana, barranco (ou barroca) é
palavra popular autóctone adoptada no vocabulário geográfico e
geológico. À semelhança de falésia, ravina entrou-nos por
aportuguesamento do francês “ravine”, num testemunho da francofonia que
foi tónica no nosso meio académico nos anos que antecederam o último
quartel do século XX.
Neste período áureo da penetração da inteligência gaulesa na nossa vida
cultural e científica, em particular no ensino superior e na
investigação científica, a língua de Molière dominava nos compêndios e
manuais de estudo. Porém, os anos que se seguiram à Segunda Guerra
Mundial (1939-1945) deram hegemonia ao inglês, situação que se tem vindo
a acentuar com a globalização de múltiplos sectores da actividade dos
povos deste planeta já referido por alguns por “aldeia global”. No
léxico geológico assisti à invasão de vocábulos como riple, rifte,
silte, gnaisse, grauvaque, loess, intertidal, e muitos outros, por
aportuguesamento de termos anglo-saxónicos e, por falta de termos
nacionais, à adopção pura e simples de termos estrangeiros, como
“horst”, “graben”, “iceberg”, tsunami”, “terra rossa”, “raña”,
“palygorskite”, entre muitos outros.
Praticamente, todos os dias a nossa língua vê o
seu léxico aumentado por via dos progressos científicos e tecnológicos.
Eu próprio criei, em 1988, o neologismo “exomuseu” incluído na expressão
“Exomuseu da Natureza”, designação ainda não oficial de uma estrutura
museológica dispersa no território nacional, constituída por vários
pólos situados onde quer que ocorram elementos considerados de interesse
em termos de património natural, fazendo parte de um conjunto coordenado
a partir de um ou mais centros com competências científica e pedagógica
adequadas. Não constando ainda dos dicionários, o termo “exomuseu”
existe nos protocolos assinados entre o Museu Nacional de História
Natural e diversas Autarquias.
A miscigenação cultural decorrente da facilidade
e rapidez das comunicações na sociedade cada vez mais mundializada é
outra via para o dito aumento.
Não prescindimos hoje de palavras da nossa vida
corrente como, por exemplo, “evoluir” “implementar” e “controlar”. E que
dizer de “clicar” e outros termos hoje habituais na sociedade das
novíssimas tecnologias e da informática?
A história ensinou-nos que quem faz a língua é
quem a fala e escreve e estou em crer que todos estes e muitos outros
termos, goste-se ou não, vieram para ficar.
Lisboa, 15 de Março de 2017
A M Galopim de Carvalho
|
|
A.M. Galopim de Carvalho. É professor
catedrático jubilado pela Universidade de Lisboa, tendo assinado no
Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências desde 1961. É autor de
21 livros, entre científicos, pedagógicos, de divulgação científica e de
ficção e memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas.
Como cidadão interventor, em defesa da Geologia e do património geológico,
publicou mais de 150 artigos de opinião. Foi diretor do Museu Nacional de
História Natural, entre 1993 e 2003, tempo em que pôs de pé várias
exposições e interveio em mais de 200 palestras, pelo país e no
estrangeiro.
Blogue:
http://sopasdepedra.blogspot.com/ |
|
|