REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE

 

 

 

 
 

A.M. GALOPIM DE CARVALHO

«O chão que nos dá o pão»

É urgente trazer ao cidadão o conhecimento da natureza e da importância do solo, a começar na escola, onde os curricula estão longe de dar ao solo a importância científica, económica e social que, na realidade, tem.

Nesse propósito a da Assembleia Geral das Nações Unidas, na sua 68ª Sessão, em 2013, elegeu o dia de hoje, 5 de Dezembro de 2015, como DIA MUNDIAL DO SOLO e o ano  de 2015 como ANO INTERNACIONAL DOS SOLOS. 

“Fazendo a transição entre a vegetação e o esqueleto mineral do substrato geológico.” Foi com estas palavras que, em 1960, Joaquim Vieira Botelho da Costa, ilustre professor catedrático do Instituto Superior de Agronomia, vulto maior na Ciência do Solo, se referiu a esta entidade natural que hoje  se celebra.

A Sociedade Portuguesa da Ciência do Solo define esta entidade como “um corpo natural, complexo e dinâmico, constituído por elementos minerais e orgânicos, caracterizado por uma vida vegetal e animal própria, sujeito à circulação do ar e da água e que funciona como receptor e redistribuidor de energia solar”.

Interpretado como um sistema aberto, o solo permite trocas de matéria e de energia com os sistemas adjacentes, isto é, com a litosfera, a atmosfera, a hidrosfera e a biosfera, o que faz dele um dos mais importantes ecossistemas do planeta. Situado na interface destas unidades geosféricas, o solo absorve e armazena energia radiante solar, é sede de fenómenos físicos, químicos e biológicos e tende, naturalmente, para um estado de equilíbrio estacionário enquanto se mantiverem as condições sob as quais evoluiu.

Com as variações próprias das diversas latitudes e altitudes, os solos estão presentes na maior parte da superfície terrestre emersa, constituindo o que foi convencionalmente considerado a pedosfera (do grego pédon, solo),

A par da modelação das formas de relevo por erosão (gliptogénese), da formação das rochas sedimentares (sedimentogénese) e da origem e evolução dos seres vivos (biogénese), a pedogénese, ou seja, a origem e evolução do solo é consensualmente considerada um fenómeno geológico. 

Se tivermos em conta que a meteorização das rochas e a formação dos solos são as respostas da litosfera ao ambiente externo, e considerando a erosão como a resposta dos produtos dessa alteração (detritos terrígenos) à atracção gravítica, a existência de um solo testemunha sempre uma situação de equilíbrio entre as taxas de meteorização e de erosão. E, assim, como escreveu, em 1980, outro nome grande da Ciência do Solo, o igualmente ilustre professor catedrático João Manuel Bastos de Macedo, do Instituto Superior de Agronomia, o solo é “uma solução de compromisso entre a meteorização e a erosão” e, como tal, fruto de um evidente processo geológico à escala do planeta.

Recurso fundamental à sobrevivência da humanidade, o solo, surgido no Silúrico superior, há cerca de 425 milhões de anos, por força de um processo dinâmico a um tempo geológico e biológico, alimentado pela energia solar, está cada vez mais sujeito ao impacto da actividade humana exponencial e preocupantemente crescente. Na sua imensa capacidade tecnológica, a sociedade dita do desenvolvimento pode destruir em horas um bem colectivo cuja formação necessita de milhares de anos a ser desenvolvido. Urge pois trazer este conhecimento ao cidadão, a começar na escola, onde os curricula estão longe de dar ao solo a importância científica, económica e social que, na realidade, tem.

Pelo valor que lhe é atribuído, como um dos principais recursos naturais de que dispomos, ao lado da água e do ar e bem acima da maioria das matérias-primas minerais, o seu estudo, isto é, a pedologia, para além da sua importância em ciências fundamentais, como a Geologia (em especial no capítulo da geodinâmica externa) e a Biologia, constitui complemento indispensável em domínios do saber ligados à economia, como são, entre outros, a agricultura, a silvicultura, o ordenamento do território e a prospecção geológica e mineira. A pedologia recorre a meios que vão desde os mais simples, como seja a observação no terreno em amostra de mão, aos mais sofisticados, postos à disposição dos pedólogos, com destaque para a difractometria de raios X, as microscopias óptica e electrónica, os diversos equipamentos de análise química mineral, a fotografia aérea, a teledetecção via satélite, etc., sem esquecer os da biologia e da bioquímica, indispensáveis ao conhecimento da componente orgânica viva e morta do solo.

A.M. Galopim de Carvalho. É professor catedrático jubilado pela Universidade de Lisboa, tendo assinado no Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências desde 1961. É autor de 21 livros, entre científicos, pedagógicos, de divulgação científica e de ficção e memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas. Como cidadão interventor, em defesa da Geologia e do património geológico, publicou mais de 150 artigos de opinião. Foi diretor do Museu Nacional de História Natural, entre 1993 e 2003, tempo em que pôs de pé várias exposições e interveio em mais de 200 palestras, pelo país e no estrangeiro.
Blogue: http://sopasdepedra.blogspot.com/