Este flash de fim
de vida, intensamente estampado nesta fotografia de Jorge Vieira, cala
bem no fundo da nossa sensibilidade, não pela sombra do companheiro que
partiu, já liberto e descansado das dores do corpo e da alma, mas pela
irreversível solidão da que ainda espera pelo começo dessa viagem.
Tudo dói na crueza desta imagem. É a expressão no
rosto da velha senhora, é o seu cabelinho ralo e desalinhado e o seu
corpo, que se adivinha ressequido, escondido numa roupa que, por isso,
ficou vários números acima. São os sapatos e as meias, de quem não
tenciona sair à rua. É aquela mão agarrada ao canto da mesa e é, ainda a
toalha, grande demais para a pequena mesa a dois, agora dobrada e a
dizer que, estendida, serviu uma família inteira que se esfumou. Pelos
vincos bem marcados, esta toalha, talvez de linho, que ela própria
bordou em tempos de jovem casadoira, a juntar ao enxoval, mostra que
acabou de sair de um velho baú, com anos e anos de dobrada e adormecida
ao lado de um saquinho de alfazema...
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A.M. Galopim de Carvalho. É professor
catedrático jubilado pela Universidade de Lisboa, tendo assinado no
Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências desde 1961. É autor de
21 livros, entre científicos, pedagógicos, de divulgação científica e de
ficção e memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas.
Como cidadão interventor, em defesa da Geologia e do património geológico,
publicou mais de 150 artigos de opinião. Foi diretor do Museu Nacional de
História Natural, entre 1993 e 2003, tempo em que pôs de pé várias
exposições e interveio em mais de 200 palestras, pelo país e no
estrangeiro.
Blogue:
http://sopasdepedra.blogspot.com/ |