“Fecundada pela radiação solar indutora dos
processos geodinâmicos e biológicos próprios da sua capa externa, a mãe
Terra dá nascimento às rochas sedimentares, “filhas da Terra e do Sol”
ou, como diria, de forma alegórica, o grande naturalista latino Plínio,
o Velho
(23 a 79 d. C.), “Terrae adquae Solis filiae”.
Introduzida como disciplina na Licenciatura em Geologia, na Faculdade de
Ciências de Lisboa, pelo Prof. Carlos Romariz,
na sequência da reforma do Ensino
Superior de 1964),
a
Sedimentologia, como a definiu
Hakon Adolph Wadell (1895-1962),
em 1932, é o estudo científico dos sedimentos, quer dos ainda em
trânsito, quer dos que se encontram em deposição temporária, quer dos
depositados e litificados (tornados coesos e endurecidos), ou seja, das
rochas sedimentares.
Como escrevi em 2003, (“Geologia Sedimentar-Sedimentogénese”, Vol. I,
Âncora Editora), “as rochas sedimentares trazem consigo, não só as
marcas dos seus progenitores, mas também as das condições ambientais em
que foram geradas e, muitas delas, ainda, a data do seu nascimento”.
Liminarmente rejeitada pela Comissão de Sedimentação dos Estados Unidos
da América, por ser “a ugly hibrid innapropriate word” (Goldman,
1950), a expressão Sedimentologia acabou por fazer vencimento a
partir da década de 40 do século passado, afirmando-se como uma das mais
importantes disciplinas das Ciências da Terra, desenvolvendo tecnologias
e metodologias adequadas ao estudo das rochas sedimentares, desde a sua
génese (sedimentogénese) e eventuais transformações (diagénese), à
respectiva localização no espaço e no tempo, em estreita associação com
a Paleontologia, a Estratigrafia e a Geocronologia, sem esquecer a
utilização destas rochas como matérias-primas em múltiplas indústrias.
A Sedimentologia justifica-se pelo leque
de aplicações práticas em que pode ser envolvida, escreveu, G.
Soares de Carvalho (2003), pioneiro desta disciplina não só em Portugal
como no mundo. Basta pensar, no interesse posto na prospecção,
exploração e usos industriais dos calcários, das areias e argilas, do
sal-gema e dos combustíveis fósseis (parte
significativa dos progressos científico e tecnológico na área da
Sedimentologia fica a dever-se aos grandes interesses económicos
subjacentes à indústria petrolífera),
nas suas aplicações em hidrogeologia, geologia do ambiente, geotecnia e,
ainda, em problemas inerentes ao ordenamento do território, para nos
darmos conta da oportunidade desta afirmação.
Sedimentologia é, pois, outra maneira de dizer Petrologia Sedimentar,
no sentido que lhe deu,
George Walter Tyrrell (1883-1961),
no seu Principles of Petrology (1926), expressão que se não deve
confundir com Petrografia Sedimentar, uma vez que, como este
autor bem lembrou, petrografia é o estudo das rochas, visando a sua
descrição, identificação e classificação, e petrologia, mais abrangente,
é a ciência das rochas, na sua globalidade, incluindo a interpretação
dos processos genéticos.
O progresso e a expansão da Sedimentologia à escala internacional, muito
antes da sua inclusão nos curricula universitários,
contou com a criação e regular
manutenção de duas importantes revistas científicas: a primeira, surgida
em 1931, Journal of Sedimentary Petrology, substituída, a partir
de 1995, pelo Journal of Sedimentary Research, da Society for
Sedimentary Geology (antiga Society of Economic Paleontologists
and Mineralogists – SEPM); a outra, sua congénere, Sedimentology,
iniciada em 1952, é a expressão escrita da influência da
International Association of Sedimentologists (IAS), promotora dos
Congressos Internacionais de Sedimentologia. Esta mesma associação
promove, ainda, entre congressos, os chamados “IAS Meetings of
Sedimentology”, cujo 23º, decorreu em 2004, em Coimbra, em cuja
Universidade foi criado o primeiro laboratório de Sedimentologia, em
Portugal (no Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da
Faculdade de Ciências, pelo então assistente Gaspar Soares de Carvalho), estando o próximo agendado para
23-25 de Maio, no Palácio dos Congressos de Marraqueche (Marrocos).
Com James
Hutton (1726-1797), o geólogo escocês considerado o “pai da geologia
moderna”, as rochas sedimentares ganharam especial importância, como se
pode deduzir das suas palavras “a
história da Terra pode ser decifrada a partir do estudo das rochas
sedimentares estratificadas, uma vez que estas rochas se geraram de modo
comparável ao dos modernos sedimentos em formação sob os nossos olhos.
Este raciocínio é hoje usado, automaticamente, sem qualquer hesitação,
quando, através do estudo das rochas sedimentares, se procura conhecer o
ambiente e as condições em que foram geradas. Uma tal concepção, que
constituiu um passo decisivo neste tipo de investigação, encontrou apoio
e continuação no trabalho do seu concidadão, Charles Lyell (1797-1875).
Conhecido
por Princípio do Uniformitarismo, do Actualismo, ou das Causas Actuais,
dele se conhece a expressão que ficou clássica -
O presente é a chave do passado.
Esta frase diz concretamente, na situação em que aqui é usada, que
qualquer corpo de rocha sedimentar foi depositado por agentes geológicos
vulgares, tais como gravidade, chuva, vento, água corrente, gelo, acções
marinhas, etc., todos eles processos familiares nos dias de hoje. As
rochas sedimentares, no geral sedimentos antigos, posteriormente
litificados, guardam as marcas deixadas pelos ambientes e agentes
deposicionais, no geral semelhantes aos actuais. É, pois, com base neste
princípio que se elaboram reconstituições paleoambientais contemporâneas
das rochas sedimentares correlativas. Com Lyell, as rochas sedimentares
ganharam o significado que não tinham tido até então. Ao negar as ideias
neptunistas, defendia que os materiais resultantes da erosão do relevo
eram acumulados em sucessivas camadas sedimentares e que aí
consolidavam, originando rochas como conglomerados, arenitos, argilitos,
calcários, entre outras. Ao dizer que as camadas de rochas sedimentares foram antigos sedimentos que se
transformaram em rochas,
dava ênfase à petrificação ou litificação dos sedimentos, habitualmente
referida por diagénese.
Na obra pioneira e memorável que publicou em três volumes,
Principles of Geology,
entre 1830 e 1833, Lyell deu particular ênfase, por um lado, ao uso dos
estratos para o estabelecimento de uma escala do tempo geológico e, por
outro, ao estudo dos processos e dos produtos da sedimentação actuais
como base para as reconstituições paleogeográficas, paleoclimáticas e
outras, numa atitude de grande antecipação à sedimentologia. Esta linha
de pensamento, que abriu as portas à moderna Geologia, está expressa na
sua frase: “as antigas modificações produzidas na superfície da Terra são devidas a
causas semelhantes, quanto à natureza e intensidade, às que agem nos
nossos dias”.
Neste
ponto do discurso cabe lembrar a influência da
Revolução Industrial, na sedimentologia, uma vez que a hulha e o minério
de ferro já então eram vistos como depósitos sedimentares. Iniciada em
Inglaterra, esta grande etapa transformadora da vida económica e social
da Europa e do mundo, foi possível por ali existirem em proximidade
geográfica estas duas importantes matérias-primas.
Entretanto o geomorfólogo
austríaco Walter Penk (1888-1923) desenvolvia o conceito de “formação
correlativa” como o conjunto de sedimentares (menos ou mais convertidos
em rochas sedimentares) resultantes da erosão de um relevo e que, pelas
suas características, testemunham a existência desse relevo no passado,
além de que permitem investigar o tipo de erosão que o afectou e o clima
sob o qual se processou a erosão que o afectou. Este conceito deu um
novo rumo à tradicional geografia física, que passou a associar o estudo
dos sedimentos à tradicional observação dos elementos da paisagem, que
caracterizou a obra dos clássicos geógrafos, abrindo portas à moderna
geomorfologia. Foi assim que a sedimentologia e os seus diversos
procedimentos analíticos entraram nas preocupações dos geomorfólogos do
século XX. O seu livro “Morphological Analysis of Landforms”, um marco
na geomorfologia alemã, foi publicado postumamente pelo seu pai,
Friedrich Karl Albrecht Penk (1858 – 1945), em 1924.
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