REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE

 

 

 

 
 

A.M. GALOPIM DE CARVALHO

Sedimentologia

 

“Fecundada pela radiação solar indutora dos processos geodinâmicos e biológicos próprios da sua capa externa, a mãe Terra dá nascimento às rochas sedimentares, “filhas da Terra e do Sol” ou, como diria, de forma alegórica, o grande naturalista latino Plínio, o Velho (23 a 79 d. C.), “Terrae adquae Solis filiae”. 

Introduzida como disciplina na Licenciatura em Geologia, na Faculdade de Ciências de Lisboa, pelo Prof. Carlos Romariz, na sequência da reforma do Ensino Superior de 1964),  a Sedimentologia, como a definiu Hakon Adolph Wadell (1895-1962), em 1932, é o estudo científico dos sedimentos, quer dos ainda em trânsito, quer dos que se encontram em deposição temporária, quer dos depositados e litificados (tornados coesos e endurecidos), ou seja, das rochas sedimentares. Como escrevi em 2003, (“Geologia Sedimentar-Sedimentogénese”, Vol. I, Âncora Editora), “as rochas sedimentares trazem consigo, não só as marcas dos seus progenitores, mas também as das condições ambientais em que foram geradas e, muitas delas, ainda, a data do seu nascimento”. 

Liminarmente rejeitada pela Comissão de Sedimentação dos Estados Unidos da América, por ser “a ugly hibrid innapropriate word” (Goldman, 1950), a expressão Sedimentologia acabou por fazer vencimento a partir da década de 40 do século passado, afirmando-se como uma das mais importantes disciplinas das Ciências da Terra, desenvolvendo tecnologias e metodologias adequadas ao estudo das rochas sedimentares, desde a sua génese (sedimentogénese) e eventuais transformações (diagénese), à respectiva localização no espaço e no tempo, em estreita associação com a Paleontologia, a Estratigrafia e a Geocronologia, sem esquecer a utilização destas rochas como matérias-primas em múltiplas indústrias.  

A Sedimentologia justifica-se pelo leque de aplicações práticas em que pode ser envolvida, escreveu, G. Soares de Carvalho (2003), pioneiro desta disciplina não só em Portugal como no mundo. Basta pensar, no interesse posto na prospecção, exploração e usos industriais dos calcários, das areias e argilas, do sal-gema e dos combustíveis fósseis (parte significativa dos progressos científico e tecnológico na área da Sedimentologia fica a dever-se aos grandes interesses económicos subjacentes à indústria petrolífera), nas suas aplicações em hidrogeologia, geologia do ambiente, geotecnia e, ainda, em problemas inerentes ao ordenamento do território, para nos darmos conta da oportunidade desta afirmação. 

Sedimentologia é, pois, outra maneira de dizer Petrologia Sedimentar, no sentido que lhe deu, George Walter Tyrrell (1883-1961), no seu Principles of Petrology (1926), expressão que se não deve confundir com Petrografia Sedimentar, uma vez que, como este autor bem lembrou, petrografia é o estudo das rochas, visando a sua descrição, identificação e classificação, e petrologia, mais abrangente, é a ciência das rochas, na sua globalidade, incluindo a interpretação dos processos genéticos.

O progresso e a expansão da Sedimentologia à escala internacional, muito antes da sua inclusão nos curricula universitários, contou com a criação e regular manutenção de duas importantes revistas científicas: a primeira, surgida em 1931, Journal of Sedimentary Petrology, substituída, a partir de 1995, pelo Journal of Sedimentary Research, da Society for Sedimentary Geology (antiga Society of Economic Paleontologists and Mineralogists – SEPM); a outra, sua congénere, Sedimentology, iniciada em 1952, é a expressão escrita da influência da International Association of Sedimentologists (IAS), promotora dos Congressos Internacionais de Sedimentologia. Esta mesma associação promove, ainda, entre congressos, os chamados “IAS Meetings of Sedimentology”, cujo 23º, decorreu em 2004, em Coimbra, em cuja Universidade foi criado o primeiro laboratório de Sedimentologia, em Portugal (no Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da Faculdade de Ciências, pelo então assistente Gaspar Soares de Carvalho), estando o próximo agendado para 23-25 de Maio, no Palácio dos Congressos de Marraqueche (Marrocos). 

Com James Hutton (1726-1797), o geólogo escocês considerado o “pai da geologia moderna”, as rochas sedimentares ganharam especial importância, como se pode deduzir das suas palavras “a história da Terra pode ser decifrada a partir do estudo das rochas sedimentares estratificadas, uma vez que estas rochas se geraram de modo comparável ao dos modernos sedimentos em formação sob os nossos olhos. Este raciocínio é hoje usado, automaticamente, sem qualquer hesitação, quando, através do estudo das rochas sedimentares, se procura conhecer o ambiente e as condições em que foram geradas. Uma tal concepção, que constituiu um passo decisivo neste tipo de investigação, encontrou apoio e continuação no trabalho do seu concidadão, Charles Lyell (1797-1875).

Conhecido por Princípio do Uniformitarismo, do Actualismo, ou das Causas Actuais, dele se conhece a expressão que ficou clássica - O presente é a chave do passado. Esta frase diz concretamente, na situação em que aqui é usada, que qualquer corpo de rocha sedimentar foi depositado por agentes geológicos vulgares, tais como gravidade, chuva, vento, água corrente, gelo, acções marinhas, etc., todos eles processos familiares nos dias de hoje. As rochas sedimentares, no geral sedimentos antigos, posteriormente litificados, guardam as marcas deixadas pelos ambientes e agentes deposicionais, no geral semelhantes aos actuais. É, pois, com base neste princípio que se elaboram reconstituições paleoambientais contemporâneas das rochas sedimentares correlativas. Com Lyell, as rochas sedimentares ganharam o significado que não tinham tido até então. Ao negar as ideias neptunistas, defendia que os materiais resultantes da erosão do relevo eram acumulados em sucessivas camadas sedimentares e que aí consolidavam, originando rochas como conglomerados, arenitos, argilitos, calcários, entre outras. Ao dizer que as camadas de rochas sedimentares foram antigos sedimentos que se transformaram em rochas, dava ênfase à petrificação ou litificação dos sedimentos, habitualmente referida por diagénese.

Na obra pioneira e memorável que publicou em três volumes, Principles of Geology, entre 1830 e 1833, Lyell deu particular ênfase, por um lado, ao uso dos estratos para o estabelecimento de uma escala do tempo geológico e, por outro, ao estudo dos processos e dos produtos da sedimentação actuais como base para as reconstituições paleogeográficas, paleoclimáticas e outras, numa atitude de grande antecipação à sedimentologia. Esta linha de pensamento, que abriu as portas à moderna Geologia, está expressa na sua frase: “as antigas modificações produzidas na superfície da Terra são devidas a causas semelhantes, quanto à natureza e intensidade, às que agem nos nossos dias”.

Neste ponto do discurso cabe lembrar a influência da Revolução Industrial, na sedimentologia, uma vez que a hulha e o minério de ferro já então eram vistos como depósitos sedimentares. Iniciada em Inglaterra, esta grande etapa transformadora da vida económica e social da Europa e do mundo, foi possível por ali existirem em proximidade geográfica estas duas importantes matérias-primas.

Entretanto o geomorfólogo austríaco Walter Penk (1888-1923) desenvolvia o conceito de “formação correlativa” como o conjunto de sedimentares (menos ou mais convertidos em rochas sedimentares) resultantes da erosão de um relevo e que, pelas suas características, testemunham a existência desse relevo no passado, além de que permitem investigar o tipo de erosão que o afectou e o clima sob o qual se processou a erosão que o afectou. Este conceito deu um novo rumo à tradicional geografia física, que passou a associar o estudo dos sedimentos à tradicional observação dos elementos da paisagem, que caracterizou a obra dos clássicos geógrafos, abrindo portas à moderna geomorfologia. Foi assim que a sedimentologia e os seus diversos procedimentos analíticos entraram nas preocupações dos geomorfólogos do século XX. O seu livro “Morphological Analysis of Landforms”, um marco na geomorfologia alemã, foi publicado postumamente pelo seu pai, Friedrich Karl Albrecht Penk (1858 – 1945), em 1924.

 

A.M. Galopim de Carvalho. É professor catedrático jubilado pela Universidade de Lisboa, tendo assinado no Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências desde 1961. É autor de 21 livros, entre científicos, pedagógicos, de divulgação científica e de ficção e memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas. Como cidadão interventor, em defesa da Geologia e do património geológico, publicou mais de 150 artigos de opinião. Foi diretor do Museu Nacional de História Natural, entre 1993 e 2003, tempo em que pôs de pé várias exposições e interveio em mais de 200 palestras, pelo país e no estrangeiro.
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