REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE

 

 

 

 
 

A.M. GALOPIM DE CARVALHO

Geologia e o novo ano lectivo

Prestes a começar o novo ano lectivo, verifico com apreensão que os novos programas referentes aos 10º, 11º e 12º anos da disciplina “METAS CURRICULARES DE GEOLOGIA - Curso científico-humanístico de Ciências e Tecnologias”, cujas linhas gerais estão delineadas e que conheço no pormenor, elaborados por uma equipa a que, de facto, reconheço competência científica e pedagógica, continuam amordaçados, algures numa gaveta do Ministério…

Imenso e tido por inabarcável, ao tempo dos descobrimentos marítimos, o nosso Planeta é hoje assustadoramente pequeno face ao crescimento exponencial da população, além de que começa a dar preocupantes sinais de esgotamento e agressão já evidentes, em especial, na poluição do ar que respiramos, da água que bebemos e dos solos onde, é bom não esquecer, radica a maior parte da cadeia alimentar que nos sustenta. Sendo a geologia uma disciplina científica que, entre outros aspectos fundamentais à sociedade, nos fornece o essencial dos conhecimentos necessários ao conhecimento e à defesa do ambiente natural, é fulcral atribuir-lhe, ao nível da Escola, a importância que, realmente, tem.

Da exploração racional dos recursos geológicos, mineiros e energéticos, todos eles não renováveis (e são tantos) e das águas subterrâneas à protecção do ambiente e à prevenção de catástrofes naturais, a geologia faculta-nos os conhecimentos indispensáveis. À desenfreada procura de lucro de uns poucos, tem de opor-se a necessária cultura científica por parte do comum dos cidadãos. E a Escola tem, forçosamente, que fornecer essa cultura em articulação harmoniosa e inteligente com os saberes de outras disciplinas. Não o “molho” de definições que (salvo honrosas excepções) tem sido a sua praxis. 

Quem, a nível político, tem decidido sobre o maior ou menor interesse das matérias curriculares referentes à disciplina de Geologia mostrou desconhecer a real importância deste domínio do científico como motor de desenvolvimento e bem-estar, mas também como componente da formação cultural dos portugueses. Mostrou, ainda, incapacidade pedagógica em transmitir aos alunos a beleza e o fascínio das matérias que nos revelam a história deste “planeta azul” que nos deu berço e nos assegura a vida. 

Já o escrevi aqui, em blogues e noutros meios de comunicação, já o disse de viva voz ao anterior ministro da Educação, já o comuniquei por escrito ao actual (que continua sem resposta), já explanei por palavras ditas, por onde quer que sou convidado a falar, e insisto em afirmar que, no panorama das nossas escolas, e com as sempre necessárias e honrosas excepções, esta disciplina limita-se a um conjunto de matérias desarticuladas e desinseridas de um contexto unificador, tidas por desinteressantes e, até, fastidiosas. Todos sabemos que há professores mal habilitados que as debitam sem entusiasmo, por dever de ofício. Há, ainda, os que, sem capacidade crítica, seguem o estereotipado e igualmente acrítico manual adoptado, que o aluno decora por obrigação de um programa de falho de mérito, e que lança no caixote do esquecimento, passado que foi o exame final. O que, no presente, o professor é convidado ou obrigado a fazer (salvo as honrosas excepções que é necessário ressalvar) é preparar o aluno para acertar nas perguntas que lhes irão ser apresentadas no exame. E do acertar ou não nessas, por vezes, armadilhas em forma de charadas depende a sua aprovação numa disciplina que em nada contribuiu para o seu enriquecimento intelectual.  

Tem sido este o quadro nas nossas escolas, onde a Geologia sempre foi subalternizada. Foi este o quadro em que cresceram e se formaram a imensa maioria das mulheres e dos homens que hoje temos na política, na administração, nas empresas, na cultura, na comunicação social, no cidadão comum. 

É preciso e urgente olhar para esta realidade do nosso ensino. É preciso e urgente que o actual ministro reactive a equipa que trabalhou nos últimos dois anos no estabelecimento das linhas gerais do programa no sentido de finalizar no mais curto espaço de tempo os novo curricula.

Afigura-se-me como necessária uma profunda revisão de tudo o que se relacione com o ensino desta área curricular, a começar nos programas, passando pelos livros e outros manuais adoptados, pela formulação dos questionários nos chamados pontos de exame, sem esquecer a necessária e conveniente formação dos respectivos professores.

Sempre disse e insisto em dizer que o professor, deve saber muitíssimo mais do que os alunos a quem se dirige. Não pode, de maneira nenhuma, ser um mero transmissor das noções, tantas vezes, torno a dizer, estereotipadas, acríticas e, por vezes, incorrectas de alguns manuais de ensino. 

Sendo certo que a capacidade de intervenção de cada indivíduo, como elemento consciente da Sociedade, está na razão directa das suas convenientes informação e formação científicas, importa, pois, incrementá-las. E incrementá-las é facultar-lhe correctamente o acesso aos conhecimentos que, constantemente, a ciência nos revela.

 

A.M. Galopim de Carvalho. É professor catedrático jubilado pela Universidade de Lisboa, tendo assinado no Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências desde 1961. É autor de 21 livros, entre científicos, pedagógicos, de divulgação científica e de ficção e memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas. Como cidadão interventor, em defesa da Geologia e do património geológico, publicou mais de 150 artigos de opinião. Foi diretor do Museu Nacional de História Natural, entre 1993 e 2003, tempo em que pôs de pé várias exposições e interveio em mais de 200 palestras, pelo país e no estrangeiro.
Blogue: http://sopasdepedra.blogspot.com/