Voltando à frase "Pensar pela própria cabeça tem um preço, mas é muito
agradável, podem crer.", do Embaixador Seixas da Costa, no Facebook, que
reproduzi no passado dia 31 de outubro, um tal modo de pensar é uma
liberdade do cidadão, mesmo em ditadura. “Não há machado que corte a
raiz ao pensamento”, escreveu Manuel Alegre. Porém, expressá-lo pela
palavra falada ou escrita foi coisa interdita ou censurada no tempo da
ditadura em que foram forçados a viver os portugueses que hoje integram
a chamada “peste grisalha” nas desrespeituosas e insensatas palavras de
um deputado do PSD. Mas é coisa normal e fácil, de todos os dias, em
liberdade, em democracia. E é aí que a frase de Seixas da Costa me levou
a passar a escrito uma reflexão que aqui deixo.
Os nossos concidadãos que ainda eram crianças em 1974, hoje mulheres e
homens com cerca de 50 anos e todos os das gerações que se lhes
seguiram, de ditadura só sabem o que sobre ela leram ou ouviram dizer.
Sempre respiraram liberdade. Porém, nem todos a usam, facto que as
televisões frequentemente nos comprovam, sempre que, à entrada dos
Congressos dos partidos políticos, os jornalistas perguntam aos muitos
congressistas anónimos as respectivas opiniões sobre a moção A ou sobre
a moção B, a imensa maioria dos inquiridos ou das inquiridas não diz
nada de concreto, sorri e escapa-se gentilmente, porque, na realidade,
prescindiu de pensar pela sua própria cabeça. Apresentam-se ao
chamamento do partido, simplesmente, porque são militantes
disciplinados. Acreditam e votam cegamente no partido e pronto.
Se é certo que a política é uma ciência que se
estuda e ensina, da qual, devo começar por dizer, não tive escola, a
política partidária afigura-se-me como uma arte que visa adaptá-la ao
sabor de interesses de pessoas e grupos, nem sempre confessados, uma
arte pela qual nunca me senti atraído e pela qual me não deixei envolver
e foram vários os convites. Assumo-me como um cidadão independente dos
aparelhos partidários, interventor cívico, que não prescinde de pensar
pela sua própria cabeça e de intervir, insistentemente, pela palavra
escrita e falada e pelos actos, um privilégio que me foi concedido pela
liberdade, após mais de vinte anos, como adulto, de sufoco.
A liberdade, conquistámo-la nós, portugueses da
minha geração, há pouco mais de quatro décadas, não o esqueçamos, graças
aos militares de Abril, com cravos nos canos das espingardas. A
igualdade, nos direitos e nos deveres e a fraternidade estão ainda longe
de atingir o patamar eticamente exigível e legitimamente esperado pelos
mais desfavorecidos e marginalizados, que a sociedade dita do
desenvolvimento tem vindo e continua a negligenciar. Uma das formas de
combater as flagrantes desigualdades e injustiças que, ao invés das
promessas de Abril, têm vindo a agravar-se, é criar cidadania onde ela
anda esquecida, alargá-la onde for preciso e encorajar o cidadão a fazer
pleno uso dela, como contribuição pessoal no tecido social de que é
parte.
Na Grécia antiga, cidadão era aquele - nunca
aquela - que gozava do direito de participar na vida política da cidade,
um direito igualmente vedado a estrangeiros e a escravos. Mais tarde, na
Europa e até finais do século XVIII, foi condição de dignidade do homem
– nunca da mulher - que recebia esse título honorífico.
A cidadania plena é uma vitória das ideias do
iluminismo e do liberalismo, saídas do pensamento de John Locke,
naturalista, filósofo e político inglês do século XVII. Visa a
valorização de todos os indivíduos e encoraja a cooperação entre eles,
sem estabelecer distinções de sexo, de religião, de etnia ou
socioculturais, num propósito bem assumido de desenvolvimento das suas
formações ética e estética, das suas faculdades intelectuais e
profissionais e do seu bem-estar físico e social.
Há cerca de 230 anos, Pierre Auguste
Beaumarchais, dramaturgo francês, autor dos textos que inspiraram as
óperas “O Barbeiro de Sevilha”, de Rossini, e “As Bodas de Fígaro”, de
Mozart, gritava para uma multidão, em Paris: «Não sou nem um cortesão
nem um favorito. Sou um cidadão!».
Tendo por meta a defesa intransigente da
liberdade individual contra a autoridade ilegítima, a cidadania ganhou
dimensão com a Revolução Francesa, vingou com a tomada da Bastilha e
afirmou-se com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
proclamada em 1789. A
cidadania nasceu, assim, fundamentada na liberdade e, não o esqueçamos,
na igualdade e na fraternidade, duas metas que faltam cumprir…
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