REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE

 

 

 

 
 

A.M. GALOPIM DE CARVALHO

CAMINHOS DA MINERALOGIA
1. Na Antiguidade

Desde os tempos mais remotos que o mundo dos minerais tem despertado a curiosidade e o interesse dos nossos antepassados. A utilização intensiva do sílex, do quartzo, da calcedónia, da obsidiana (vidro vulcânico), entre outros, na feitura de utensílios vários e de objectos de adorno e votivos, permite-nos concluir que o homem pré-histórico assimilou algumas das propriedades destes materiais, que os procurou sistematicamente e que, portanto, lhes dispensou tratamento racional, certamente rudimentar, que podemos aceitar como um esboço de actividade científica.

Conheceu a argila (barro), a sua plasticidade quando misturada com a água e o seu endurecimento pelo fogo, o que lhe permitiu usar os primeiros recipientes (vasos e outros) manufacturados. Os pigmentos minerais usados nas pinturas rupestres do Paleolítico superior revelam que os soube encontrar e tirar deles o efeito pretendido. Os múltiplos objectos de ouro, cobre, bronze e ferro que têm sido encontrados mostram que prospectou, explorou e ensaiou as correspondentes metalurgias, milhares de anos antes dos sumérios, chineses e egípcios terem iniciado a arte de escrever e muitos mais antes de a ciência lhes ter prestado atenção. Desses tempos pré-históricos fala-se hoje de Idade da Pedra, Idade do Cobre, Idade do Bronze, ou de Idade do Ferro. 

No Livro das Pedras, de Aristóteles (384-322 aC), que se julga não ser da autoria deste filósofo, mas sim uma compilação das suas ideias, feita por um anónimo, provavelmente um árabe posterior ao século IX, distinguem-se gemas, pedras comuns, metais e sais e disserta-se sobre a influência dos astros, em geral, e do Sol, em particular, no nascimento destes objectos naturais. A sua visão sobre as ”influências celestiais” defendia que, sob o efeito dos raios solares, certas exalações eram susceptíveis de gerar pedras (minerais). Na visão do filósofo os minerais surgiam e desenvolviam-se à superfície e no subsolo, por efeito de “virtudes petrificantes” (mineralizadoras) originárias do céu e dos diversos corpos celestes, nomeadamente os planetas e as estrelas, entre as quais o Sol tinha papel de destaque.

Foi, no entanto, com Teofrasto (372-287 aC), que surgiu o primeiro tratado sobre as pedras, tido como a primeira obra escrita acerca de minerais, rochas, minas e metalurgia, num tempo em que não se fazia a separação entre minerais e rochas. A este discípulo de Aristóteles se deve a primeira classificação mineralógica, com base nas respectivas utilidades como minérios, pedras de construção e ornamentais (cantaria, estatuária), pedras preciosas e pigmentos, tendo descrito vários tipos de minerais. Espécies como cinábrio, auripigmento, hematite, selenite (gesso) e antrax já eram conhecidas. Antrax, do grego “anthrax” (sinónimo de carbúnculo ou brasa de carvão), foi o termo utilizado por Teofrasto. Aludia a pedras vermelhas, semelhantes ao carvão em brasa, entre as quais, o rubi, a espinela vermelha e a granada da mesma cor, como a almandina e o piropo. 

Os seus ensinamentos neste domínio mantiveram-se durante cerca de dezoito séculos, até finais da Idade Média. Houve, no entanto, um longo caminho percorrido, no domínio do conhecimento destas substâncias, das suas natureza e constituição, cujos primórdios se perdem nas civilizações mais antigas, com destaque para a chinesa, a babilónica, a hindu e a egípcia. 

Em Roma, Caius Plinius Secundus, mais conhecido por Plínio, o Velho (23 – 79 d.C.), uma das vítimas da histórica erupção do Vesúvio, tem lugar de destaque através da sua monumental História Natural, em 37 volumes. Aí se encontram algumas descrições de “pedras”, em especial das utilizadas como pigmentos, como minérios e como gemas. São dele, entre outros, os termos silex, sablum (areia), calcarius (calcário), succinum (âmbar), bitumen (betume), lapis specularis (gesso em placas transparentes e brilhantes, ou seja, a variedade selenite, creta (cré) e carbunculus (nome dado ao rubi, à espinela vermelha e à granada da mesma cor, como a almandina e o piropo.), sinónimo de anthrax, uma vez que este termo latino evoca uma pequena brasa incandescente.

Nesta caminhada da mineralogia no sentido de uma verdadeira ciência, há que dar o devido destaque à alquimia, trazida pelos árabes, seus cultores, sob a designação de “al kimia”. Surgida no extremo Oriente e chegada à Grécia através do Egipto, a alquimia teve em Roma a protecção de Calígula (12-41 dC), tendo-se espalhado pela Europa, incluindo, naturalmente, a Península Ibérica.

 
 
 
 
 

A.M. Galopim de Carvalho. É professor catedrático jubilado pela Universidade de Lisboa, tendo assinado no Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências desde 1961. É autor de 21 livros, entre científicos, pedagógicos, de divulgação científica e de ficção e memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas. Como cidadão interventor, em defesa da Geologia e do património geológico, publicou mais de 150 artigos de opinião. Foi diretor do Museu Nacional de História Natural, entre 1993 e 2003, tempo em que pôs de pé várias exposições e interveio em mais de 200 palestras, pelo país e no estrangeiro.
Blogue: http://sopasdepedra.blogspot.com/