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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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A.M. GALOPIM DE CARVALHO |
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2015 - ANO
INTERNACIONAL DOS SOLOS |
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Falando dos solos (16)
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Crostas pedogénicas
Em
determinadas condições morfoclimáticas favoráveis, certos solos evoluem
no sentido de gerar um horizonte endurecido, mais ou menos impermeável,
habitualmente designado por
crosta e couraça, sendo
o último termo reservado aos casos em que este endurecimento é mais
acentuado e abrange uma maior espessura. Não cabendo os materiais
constituintes destas crostas nos conceitos convencionados para os três
grupos de rochas tradicionalmente aceites (ígneas, sedimentares e
metamórficas) e tendo em atenção, por um lado, o seu carácter
habitualmente coeso e rígido, isto é, rochoso, no sentido vulgar do
termo, e, por outro, o seu modo de formação no âmbito da pedogénese, há
autores que as consideram rochas
residuais. Geólogos e
geomorfólogos de língua inglesa tratam-nas por
duricrusts e diferenciam-nas
em função da natureza química dominante. Os pedólogos referem-nas como
durimpermes e
duripans (estas de natureza
siliciosa).
Entre as
crostas (croûtes,
cuirasses ou dalles, dos
autores de língua francesa) geradas nestas condições, merecem destaque
as ferruginosas (ferricretos), mais conhecidas por
lateritos, as aluminosas
(alcretos) ou
bauxitos (1),
as calcárias (calcretos) e as siliciosas (silcretos). Outras há com
menor expressão no terreno, como sejam as dolomíticas, de natureza
magnesiana (dolocretos), as fosfatadas (phoscretos)(2),
as gipsíferas, isto é, à base de gesso (gypcretos) e as salinas
(salcretos). Nas áreas aplanadas e deprimidas, como sejam as superfícies
envolventes das sebkras
norte-africanas ou das
alkaliflats nos pediments
das Basins and Ranges do
Oeste norte-americano, o ressurgimento de águas de infiltração, de
elevado teor salino, desenvolve tapetes de eflorescência, em geral, de
gesso ou anidrite, mas também de outros sais.
Ferricretos
Em
associação com os solos ferralíticos das regiões subáridas, com
alternância bem marcada de estações seca e húmida, desenvolvem-se
extensas concentrações de óxidos e hidróxidos de ferro sob a forma de
crostas ou couraças, mais conhecidas por lateritos férricos ou,
simplesmente, lateritos, explorados como matéria-prima para a indústria
do ferro (3).
Para muitos autores o termo
laterito, assim chamado pelo
facto de este material ter sido usado na construção, depois de cortado
em paralelepípedos, à semelhança dos tijolos (later,
em latim), inclui quer os férricos, quer os aluminosos. A corroborar
esta posição está o facto de os dois materiais ocorrerem frequentemente
associados. O ganho ou a perda de ferro, induzidos pelas condições
locais, determinam a natureza da crosta que, assim, pode variar entre
essencialmente férrica (laterito, em sentido restrito), essencialmente
aluminosa (bauxito) ou ser uma mistura dos dois materiais.
O
horizonte situado abaixo da couraça laterítica, designado por
litomargem, é essencialmente caulinítico e encontra-se, por vezes,
marmorizado (4).
Se a floresta for destruída, a
couraça aflora e endurece, num processo praticamente irreversível.
Acontece muitas vezes, nestas regiões, proceder-se à desflorestação com
o propósito de criar áreas de cultivo. Passados pouco anos, o
encouraçamento laterítico torna o terreno incultivável mas, como há
muita terra, abre-se nova clareira e, assim, se vão desertificando
extensas áreas florestadas desta zona climática.
Na transição do Terciário para o
Quaternário houve, em Portugal, condições climáticas favoráveis à
lateritização. São disso testemunhos os encouraçamentos de Marmelar
(Vidigueira) e da faixa planáltica a sul de Santiago do Cacém.
Alcretos
Nas regiões mais equatoriais, húmidas, como são as bacias do
Amazonas e do Congo, tais condições são favoráveis à bauxitização, isto
é, à produção e concentração de hidróxidos de alumínio – gibbsite,
Al(OH)3, diásporo, AlO(OH) e boehmite AlO(OH), - com
predominância do primeiro, constituindo, por vezes, grandes acumulações,
de elevado interesse como matéria-prima de alumínio, mais conhecida por
bauxito, geralmente em associação com argilas cauliníticas.
Estes solos residuais, no geral, de textura pisolítica (5),
igualmente conhecidos por lateritos aluminosos, devem o seu grande
enriquecimento em alumínio à perda dos restantes componentes das
rochas-mães que lhes estão na origem. A intensa lixiviação e drenagem
propiciadas pela constante pluviosidade e pelo bioquimismo próprio dos
solos nestas condições, para além dos alcalinos e calco-alcalinos,
facilmente removíveis, acabam por libertar os componentes menos solúveis
como são os férricos e a sílica. A associação dos bauxitos às argilas
cauliníticas resulta da incompleta evacuação da sílica que, assim, se
combina com a alumina para formar o respectivo silicato hidratado,
segundo a equação
2Al(OH)3+2H4SiO4→Al2Si2O5(OH)4+5H2O
Lateritos
e bauxitos, tanto podem ser expressões de um solo, como corresponder a
autênticos depósitos sedimentares. No primeiro caso são corpos
residuais, autóctones, merecendo por parte de alguns autores, como se
disse atrás, a designação de
rochas residuais. No segundo, trata-se de acumulações de materiais
oriundos dos perfis pedológicos onde foram gerados e, só depois,
mobilizados e transportados, para mais perto ou mais longe, e
depositados em locais favoráveis à sua imobilização. São pois, neste
caso, materiais rochosos alóctones e, como tal, autênticas rochas
sedimentares, a que se fará a devida referência em capítulo próprio.
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Calcretos
Com cem anos de
uso, o termo calcrete, proposto por G. H. Lamplugh (1902), só nas últimas décadas
começou a figurar na nossa terminologia geológica. Próprios de certos
ambientes morfoclimáticos caracterizados por uma certa subaridez
(precipitação abaixo dos 500 mm/a), estas crostas, ligadas à actividade
pedológica, resultam de acumulação de carbonato de cálcio ao longo de
extensões superficiais maiores ou menores (6).
Os calcretos variam bastante em espessura, desde algumas dezenas de
metros, na Austrália, África do Sul, Novo México (EUA), a alguns metros
no sul e sudeste ibérico (3 a 5 m em Portugal, no Algarve).
Uma das
primeiras referências a este tipo de crosta é da autoria de Ch. Darwin
(1846) que, sob a designação de
tosca, a descreve em pormenor nas pampas argentinas.
O termo
calcrete, dos autores ingleses
e aceite como unificador pela comunidade científica, abarca um sem
número de designações regionais (cerca de meia centena), de entre as
quais se destacam batha
(Índia), calcário da catinga (Brasil),
caliche (sul dos EUA), canto
blanco (Canárias), croûte
calcaire (Argélia e Tunísia),
gigilim (Nigéria), kunkar
(Índia), nari (Israel), Steppenkalk
(Namíbia), tafeza (Norte de
África), tapetate (México),
travertine crust (Austrália), etc..
O termo português
caliço, corrente na toponímia
do sul do país, é mais um entre nomes locais e regionais a acrescentar a
esta lista, tendo sido usado por Paul Choffat (1887) nos seus trabalhos
sobre a geologia do Algarve.
Branqueiros e laginhas de cal
são expressões locais usadas na terminologia geológica para referir este
tipo de ocorrências em Porto Santo e no extremo oriental da Madeira (S.
Lourenço), onde a subaridez é a regra climática.
Os calcretos constituem corpos
geológicos dispostos horizontalmente, sendo constituídos, no geral, por
um nível friável, esbranquiçado, de aspecto pulverulento, farináceo, às
vezes referidos entre nós, impropriamente, pelo nome de
cré, sobre o qual se
desenvolve, em estádios mais avançados de evolução, a crosta
propriamente dita. Quando a evolução climática se faz no sentido do
aumento da humidade, as crostas tendem e degradar-se, dando lugar a
concreções calcárias espaçadas entre si.
Na maior parte das situações, os
calcretos formam-se sobre rochas-mãe calcárias, como se verifica no
Algarve em relação com as sequências carbonatadas mesozóicas. Menos
frequentes, mas não raras, são as ocorrências sobre gabros e outras
rochas ígneas ou metamórficas, susceptíveis de fornecer cálcio, com
acontece na região de Beja. Conhecem-se calcretos a culminar perfis em
rochas praticamente destituídas de cálcio, facto que leva a aceitar que
estas crostas, para além de enriquecerem em calcite, a expensas da
rocha, do substrato (per ascensum),
podem receber essa contaminação, lateralmente, vinda de outras rochas
através das águas de percolação no solo. Neste último caso, à semelhança
do que se passa com os lateritos e os bauxitos, coloca-se o problema da
sua condição sedimentar, uma vez que há transporte do material
carbonatado, ainda que em solução.
Fig. 25 – Perfis em calcretos. A – Benfarras (Algarve): 1 – calcário
jurássico; 2 – brecha autóctone; 3 – calcreto pulverulento (caliço); 4 –
crosta compacta. B – Ervidel (Alentejo): 1 – calcário lacustre
paleogénico; 2 – calcreto pulverulento (caliço); 3 – crosta compacta
residual em solo castanho (4).
Na
qualidade de solos residuais, os calcretos, para além do carbonato de
cálcio, conservam um resíduo insolúvel resultante da meteorização e
evolução pedológica da rocha-mãe. Assim, contêm, em geral, uma fracção
detrítica grosseira (fragmentos rochosos, areias) e uma outra
essencialmente argilosa, de alteração e de neoformação no solo, ou
herdada, no caso das rochas que lhes estão subjacentes conterem estes
filossilicatos na sua composição.
Os
calcretos são conhecidos a vários níveis do registo estratigráfico
mundial, dos Old Red Sandstones,
do Devónico da Escócia, ao Cenozóico, de que temos exemplos no
Paleogénico da região de Macedo de Cavaleiros, na Beira Baixa, no
Alentejo e na região de Colares (Sintra).
Silcretos
Em coerência com a uniformização da
nomenclatura, Lamplugh (1907) propôs também o nome
silcrete para as crostas
pedológicas enriquecidas em sílica. Sob diversas designações, estes
arenitos do deserto, como lhes
chamou R. Daintree (1872), ao descrevê-los no norte de África, são
conhecidos por grés polimorfos
em Angola e no Congo, por duripans
nos Estados Unidos, por surface
quartzites na África do Sul, por
porcelanites na Austrália, por
meulière em França, etc..
Os silcretos são característicos de
regiões de tendência árida com drenagem deficiente, muito planas, com
declives mínimos (inferiores a 5%), sendo comuns na África do Sul,
Namíbia, Calaari, Mauritânia, Austrália e nordeste do Brasil, onde as
espessuras são da ordem das dezenas de metros, podendo ocorrer sobre
quaisquer tipos de rocha-mãe. É, em particular, sobre as rochas
sedimentares terrígenas (conglomerados, arenitos, siltitos, argilitos)
ou os seus equivalentes não consolidados (cascalheiras, areias, siltes e
argilas) que os silcretos são mais frequentes e atingem maior expressão
(em espessura e extensão).
A silicificação, nuns casos
per ascensum, a parir do
substrato, noutros por contaminação lateral, é feita sob a forma de
opala, nos silcretos mais recentes, ou de quartzo microcristalino
(calcedonite) ou fanerítico, nos mais antigos. No decurso da diagénese,
como é sabido, a sílica amorfa tende a passar a cristalina. Nuns casos,
a silicificação consiste na cimentação do horizonte pedológico por
penetração da sílica nos vazios; noutros, verifica-se ter havido
substituição epigénica (molécula a molécula) do material do perfil por
sílica. É o que acontece na transformação (frequente) de calcretos em
silcretos, por substituição do carbonato de cálcio pela sílica.
Silcalcretos e
calsilcretos são, assim, designações que procuram referir estádios
intermediários dessa metassomatose.
Em
Portugal, nas últimas décadas tem vindo a ser reconhecida a ocorrência
de silcretos (7)
quer sub-actuais (Quaternário de Rio Frio, Setúbal) quer mais antigos,
em especial no Cenozóico da Beira Baixa, da Bacia do Tejo-Sado e do
Alentejo interior. O grés porcelanóide, de há muito reconhecido no cimo
aplanado do Buçaco, na vizinhança da Cruz Alta, deve ser considerado um
silcreto de idade compreendida entre o Cretácico superior e o
Paleogénico.
Fig. 26 –
Crosta siliciosa em Agualva (Rio Frio, Palmela). 1 – crosta muito coesa;
2 – arenito argiloso; 3 – argilito parcialmente silicificado; 4 –
argilito micáceo plio-Pleistocénico
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(1) Termo proposto por Dufrenoy (1845), inspirado em Le Baux,
localidade do sul de França, onde este tipo de crosta foi encontrado
por Berthier, em 1821. Nesta localidade, o bauxito integra antigas
formações de idade eocénica, quando o território estava sob clima
quente e húmido, muito diferente do actual.
(2) O elemento crete, que
compõe este e os restantes termos afins, é o mesmo da palavra
concreto (do latim
concretus, tornado sólido
por efeito de concreção), que no Brasil se usa como sinónimo de
betão. Os elementos al,
cal,
dolo,
ferri,
gyp,
phos,
sal e
sil aludem às respectivas
composições. O aportuguesamento destes nomes muda-lhes o
te final em
to, como é regra na nossa
terminologia dos materiais rochosos (a terminação
te é exclusiva dos nomes
dos minerais).
(3) Em alguns casos há manganês associado ao ferro e, mais
raramente, níquel e ou cobalto.
(4) Sobre o fundo argiloso claro sobressaem manchas coradas,
ferruginosas. O termo corresponde ao
mottled, na terminologia
inglesa, ao marmorisée ou
tachetée, na francesa.
(5) Constituída por pisólitos, isto é, pequenas concreções
esferoidais, de crescimento mais ou menos concêntrico, lembrando
ervilhas.
(6) Relativamente a este tema, o leitor encontra informação mais
pormenorizada, quer geral quer sobre a ocorrência de calcretos
em Portugal, in Calcretos, A. M. Galopim de Carvalho & M. Teresa Azevedo
(1993-97), Geolis,
Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências de Lisboa,
Vol. VII (1-2); A. M. Galopim de Carvalho & Silvério Prates
(1983-85), Sobre a Ocorrência de Caliços no Algarve,
Boletim da Sociedade
Geológica de Portugal, Vol XXIV, Lisboa.
(7) O leitor encontra informação mais pormenorizada,
bibliografia geral e sobre a ocorrência de silcretos em
Portugal, in
Silcretos, M. Teresa Azevedo & A. M. Galopim de Carvalho
(1993-1997), Geolis,
Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências de Lisboa,
Vol.
VII (1-2).
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A.M. Galopim de Carvalho. É professor
catedrático jubilado pela Universidade de Lisboa, tendo assinado no
Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências desde 1961. É autor de
21 livros, entre científicos, pedagógicos, de divulgação científica e de
ficção e memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas.
Como cidadão interventor, em defesa da Geologia e do património geológico,
publicou mais de 150 artigos de opinião. Foi diretor do Museu Nacional de
História Natural, entre 1993 e 2003, tempo em que pôs de pé várias
exposições e interveio em mais de 200 palestras, pelo país e no
estrangeiro.
Blogue:
http://sopasdepedra.blogspot.com/ |
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